O objectivo deste texto é lembrar às gerações bismulenses mais novas que tiveram e têm pessoas da sua terra, que em missões humanitárias, sem recompensas monetárias, prestaram serviços importantes, numa entrega total a Deus e aos homens.

Sabemos por experiência própria como alguns responsáveis por instituições públicas e políticas são alérgicas, insensíveis e deixam cair no esquecimento os seus filhos e até afirmam que já ninguém os conhece na sua terra natal. No entanto, muitos tiveram participação social activa no seu meio e estenderam-no pelo mundo em trabalho notável e valioso. Nesta linha está alguém que gastou uma longa vida a curar e a suavizar as dores físicas e psicológicas de muitos doentes.
Há muito que era minha intenção escrever sobre a minha conterrânea, a Irmã Religiosa Célia, com quem falei uma ou duas vezes, nas suas raras visitas à Bismula. Avivei a memória e com alguns apontamentos recolhidos vou debruçar-me um pouco com a sua história.
Nasceu a 4 de Agosto de 1907 na Bismula, nos finais da Monarquia agonizante. Eram seus Pais Luísa Martins e Joaquim Valente. Pertencia à geração do meu Pai – José Maria Fernandes, que me falava muitas vezes desses tempos. Foi registada civilmente com o nome de Maria Rosa Martins. Tinha duas irmãs, Francisca Martins, casada com o meu tio António Fernandes, cedo faleceu de parto, deixando quatros filhos menores órfãos. O recém-nascido Francisco ficou aos cuidados da sua irmã Rita Martins, mas passados alguns meses também morreu. Esta irmã teve uma numerosa família, nove filhos e foi a mãe do Padre Manuel Joaquim Martins.
Aqui tenho de citar Mário Tiago Bernardo Fernandes, no preâmbulo do Livro Pater Famílias de Ezequiel Alves Fernandes, «era o tempo em que as crianças ficavam às escuras na Bismula, olhando as luzes das cidades que emergiam no horizonte, catapultando sonhos impossíveis, o tempo das rixas nas tabernas; as crianças mortas embrulhadas num lençol; o tempo dos gritos da injustiça das mães que viam partir os seus rebentos por falta de assistência médica.» E as mães também partiam… Partiam todos sem cuidados médicos, porque não existiam.
A Maria Rosa Martins frequentou a Escola Primária da Bismula. Nas horas vagas apascenta um pequeno rebanho com a ajuda da sua amiga Leonilde Polónia, no sítio dos Arroios.
Naqueles tempos havia na Bismula alguns casais onde se praticava a violência doméstica, maridos que maltratavam as suas esposas e filhos. A Maria Rosa apesar de adolescente já tinha uma certa consciência destas agressões familiares, assim como a sua companheira. Decidem nunca casar para não passar por aqueles vexames, que passavam as mulheres da sua terra, e decidiram um dia abraçar a vida religiosa. Estava muito viva e presente nas gentes bismulenses a mensagem deixada pelos responsáveis da Congregação das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, com sede em Idanha – Belas – Lisboa, a primeira Casa Religiosa fundada em Portugal em 1894.
A Congregação é fundada por S. Bento Menni em Maio de 1881, em Ciempozuelos nos arredores de Madrid, com o objectivo da criação de asilos, hospitais gerais e hospitais psiquiátricos, na promoção, tratamento e reabilitação das pessoas, no âmbito da saúde mental, orientada em critérios da centralidade da pessoa doente, na continuidade apostólica dos Irmãos de S. João de Deus, agora com uma componente feminina.
Aos treze anos aquela menina já sabia quais os caminhos a percorrer. Já tinha mentalidade adulta e decide voluntariamente ingressar naquela Congregação desloca-se com os seus Pais, à Freguesia da Parada, do Concelho de Almeida, onde uma Irmã Religiosa a recebe, e seguem para Lisboa, via-férrea, tomando o comboio na Cerdeira do Côa. Mais tarde a sua amiga Leonilde Polónia vai juntar-se a ela.
Ali faz votos de apostolando e é lhe atribuído o nome de Célia. Parte para Espanha e faz o noviciado na Casa Mãe em Ciempozuelos, junto de Madrid. Aí vive intensamente a Guerra Civil Espanhola e por milagre não é fuzilada, como aconteceu a tantos outros religiosos e religiosas. A grande dedicação e serviço aos pobres, mendigos e doentes, são a senha para serem poupadas ao martírio. Segue para Paris e aí desenvolve imenso trabalho hospitalar. Com a ocupação nazi da cidade surge-lhe mais uma tormenta. Diversas vezes têm as instalações ameaçadas por armas pesadas dos nazis, apontadas para disparar. São forçadas a dar assistência médica e alimentação às forças invasoras. É de tal forma o stress que algumas Religiosas pagaram com a morte estas afrontas militares dos nazis. A Irmã Célia com estas vivências de guerra, num território ocupado pelas forças nazis, ficou de tal forma afectada na sua saúde, uma espécie de virose traumática, que nunca conseguiu debelar.
Regressa a Portugal e em trabalho de missão e de angariação de fundos, faz diversos peditórios pelo Concelho do Sabugal, recebendo fundamentalmente produtos agrícolas que o seu cunhado Manuel Salgueira, conduz para a estação de caminho de ferro da Cerdeira do Côa, a fim de seguirem para Idanha.
Através daquela sua acção, jovens bismulenses e de muitas Freguesias do Concelho do Sabugal, como por exemplo da Nave, Ozendo, Vale de Espinho, Aldeia da Dona, Pousafoles do Bispo, Aldeia da Ponte, entraram naquela Congregação. Estão neste número Maria da Piedade Alves Lavajo, Irmã Hortense, Maria da Nazaré, Irmã América, Maria de Jesus Martinho, Isabel Dias, Adelaide Serrote e tantas outras.
A Irmã Célia faleceu no dia 23/2/2006, em Idanha – Belas, e ali está sepultada, onde tinha entrada em 1920. Trabalhou em Portugal, Espanha e França na área da saúde mental, durante oitenta e seis anos, repito oitenta e seis anos. Os números aqui falam melhor que as palavras.
Ontem como hoje os caminhos vocacionais e do testemunho da Fé tem de ser percorridos, com os métodos que os tempos modernos exigem.
Vem aí uma semana dos Seminários, cujo tema é «FORMAR PASTORES CONSAGRADOS TOTALMENTE A DEUS» e a Igreja vai proclamar um ano consagrado ao estudo e aprofundamento da Fé com inicio a 11 de Outubro de 2012 e o encerramento a 24 de Novembro de 2013, na solenidade da Festa de Cristo Rei.
Na questão vocacional hoje levantam-se muitas questões, que não vou abordar. Sabemos e dizem-nos que a Igreja e o mundo precisa de vocações sacerdotais, seduzidos pelo de Jesus Cristo. Para as despertar precisam-se de famílias e comunidades que sejam campo fértil onde possam germinar. Apela-se aos catequistas e educadores para que se empenhem nas vocações sacerdotais, mas sabemos que em algumas paróquias os seus responsáveis esquecem e ignoram os jovens.
Nesta Nova Evangelização à semelhança desta Irmã Religiosa, devemos concretizar as palavras de Jesus Cristo: «Vós sois o sal da terra, vós sois a luz do mundo. Brilhem as vossas obras diante dos homens para que eles vendo-as glorifiquem o Pai que está nos Céus.»
Bem-haja Irmã Célia – Maria Célia Martins, minha conterrânea, Religiosa das humanidades, que deu testemunho de Jesus Cristo na sua simplicidade, no seu silêncio, na sua longa missão.
Deus já a recompensou, porque cumpriu a Parábola do Samaritano e as Bem-aventuranças.
São estes membros da Igreja Viva que tem de ser nossas referências cristãs.
António Alves FernandesAldeia de Joanes