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A raia ribacudana é, desde tempos remotos, uma terra de gente bravia, criada entre penedias e chavascais. Vivendo num território algo inóspito, onde impera o barrocal e o clima é de extremos (bem ilustrado no famoso rifão: nove meses de Inverno e três de inferno), o íncola raiano viveu isolado durante séculos, sujeito a si mesmo.
A proximidade da linha de fronteira de Portugal com Leão, que ora avançava ora recuava, trouxe a estas terras a actividade castrense, hoje ainda bem visível pelo elevado número de castelos e fortalezas existentes. Era pois num ambiente de guerra, factual ou pairando como ameaça real, que o raiano se habituou a viver, tendo de proteger-se de tudo e de todos.
Com a prevalência de Portugal no domínio do território, que se seguiu ao Tratado de Alcanizes, em 1297, o povo sentiu maior acalmia, mas passou a sofrer a pressão do poder político e administrativo que o queria manso, trabalhador e cumpridor de seus deveres. Assistiu atónito à instalação de câmaras, cadeias, igrejas, conventos, mosteiros e um vasto conjunto de repartições públicas, tudo sustentado pelos magros proventos do seu trabalho. O campónio, que fossava a terra de sol a sol, na ânsia de sobreviver, tudo teve afinal que custear com o seu magro pecúlio.
Comia o que a terra dava, sem outros mimos. Em esforço colectivo, ergueu pontes e pontões, troncos de ferrar animais, eiras de malhar cereais, moinhos e engenhos de tirar água, tudo na perspectiva de melhorar os equipamentos de produção, na ânsia de uma vida melhor. Mas os zelosos funcionários do Estado montaram-lhe nas barbas a terrível máquina burocrática. Os paços do concelho e as repartições passaram a representar o poder político, que o oprimia, enquanto pelourinhos e forcas representavam a pesada mão da justiça, que o castigava impiedosamente.
E de que se ocupou este homem quase selvagem que se fixou em Riba-Côa? Pois lavrou e semeou a terra pedregosa, andou de pau em riste na arte da caça, pescou armando o galrito, emparelhou pedras para construir habitações. Pegou também em armas para servir nos exércitos, comerciou por onde pôde e, os mais engenhosos, dedicaram-se a artes essenciais, como a carpintaria, a frágua e a alfaiataria.
É pois muito venturoso este povo, que sempre andou envolto em acções de audácia. O maior desafio foi a tentação do proibido. Se lhe era vedado atravessar a fronteira para intercâmbio com os povos do outro lado, o raiano não se acobardou e desatou a cruzar a raia, na inquietação constante de comerciar com Espanha para arranjar sustento. Como bem lembrou o pensador bismulense Manuel Leal Freire, o contrabando era um delito, por força das leis vigentes, mas para o povo crente tal prática nunca foi pecado. Não acorria a estes homens valentes, que pela calada da noite atravessavam carregados a raia, declararem em confissão religiosa, perante o abade, terem errado por contrabandear.
Mau grado a amenização da fome pela via da candonga, que sempre dava algum ganho suplementar, nem assim o povo raiano conheceu a felicidade. Os tempos eram difíceis e trabucava-se a valer, cavando os terrenos, carrejando pedras, desbastando matagais, ceifando e malhando os cereais
Depois, quando todas as esperanças de uma vida melhor na sua própria terra se desvaneceram, deu-se a grande abalada que condenou as terras a uma aridez progressiva. Cansados de tanto lutarem em vão pela vida, os homens deixaram as famílias e deram o salto para franças e araganças, na busca de melhores oportunidades. Foi um acto de coragem, movido pelo desespero de uma vida de miséria que não lhes garantia futuro.
A emigração foi, a seguir ao contrabando, a grande aventura colectiva do povo raiano. Entregou-se a passadores e engajadores, muitos sem escrúpulos, e aceitou lá longe todo o género de trabalhos, sem reivindicar condições, sem exigir salários justos: o que vinha era sempre melhor do que o nada. Resignado, adaptou-se ao novo mundo.
Mas o nosso raiano também gosta da farra e do divertimento. Desde logo no jogo, uma das suas grandes perdições. Jogo a dinheiro, nunca a feijões. Também, nas festas e romarias anuais onde nunca faltava e onde comia rancho melhorado, mau grado as dificuldades do quotidiano.
Porém a maior valentia nestes actos lúdicos estava nas touradas raianas, no desafio de pegar os bois agarrado à galha do forcão. Em tempos idos os touros eram desviados das campinas de Espanha, de onde eram conduzidos às aldeias raianas portuguesas, para ali serem lidados com o forcão. A juventude agarrava-se à base de madeira, de forma triangular, em cujo manejo demonstrava a ousadia, numa prática ancestral e única que muito prezava manter.
O homem raiano é também temente a Deus e, sobretudo, às más artes do Diabo. Todas as tardes recolhia a casa ao toque das Trindades para rezar uma jaculatória. Aos domingos descia à igreja. Ia nas romarias de cruz alçada, rezando ao Santíssimo pelos mortos e pelos vivos e implorando sorte nas lidas da vida. Na Quaresma cumpria a rigor as restrições canónicas e fazia a desobriga pascal dizendo ao vigário o rol dos pecados.
De mistura com o culto religioso, o raiano vê nas festividades a ocasião para dar largas à diversão. Por isso as festas em honra da Senhora e dos Santos têm tanto ou mais de profano do que religioso. Para ele uma peregrinação assume a forma de romaria, onde não faltam as flores e as roupas garridas, a concertina e o acordeão, o vinho que jorra dos pipos e as suculentas merendas que se comem à sombra das frondosas árvores.
O que concluir do homem raiano, do seu ethos? Talvez se lhe aplique que nem uma luva a receita de José Osório da Gama e Castro (Diocese e Distrito da Guarda, Porto, 1902) sobre a índole dos beirões: «são caracteristicamente lhanos e afáveis, dóceis, hospitaleiros, em extremos laboriosos, e amantes da ordem, que muito convém à sua actividade agrícola e industrial».
Ou quiçá a visão mais realista de Aquilino Ribeiro (Guia de Portugal, Lisboa, 1924), também sobre o Beirão: «É empreendedor, vivo, laborioso (…). Ao mesmo tempo é industrioso, por vezes astuto até à manha, económico, mas sem usura, de boa memória para o bem e para o mal. Daqui ser animado de dedicações ou de ódios que apenas o sacrifício ou a desafronta satisfazem. (…) É esmoler, religioso, mas de uma religiosidade milagreira ou de arraial, marcado raramente de fanatismo».
Melhor nos serve a palavra do maior etnógrafo de Riba-Côa, Joaquim Manuel Correia (Memórias sobre o Concelho do Sabugal, Lisboa, 1946), acerca do carácter das suas gentes: «Povo religioso, sem grandes fanatismos, é, como os vizinhos espanhóis, alegre, divertido, sentimental e apaixonado pela música, poesia e pelos touros».
Paulo Leitão Batista
A Comissão Municipal para as Comemorações do Centenário da República reuniu no dia 29 de Maio na sede da Casa do Concelho do Sabugal para analisar e aprovar as propostas de actividades do presidente da Comissão, Adérito Tavares. É um programa ambicioso onde se destaca um ciclo de conferências com personalidades como Adriano Moreira e Manuel Braga da Cruz sob o alto patrocínio do Governador Civil da Guarda.

A Comissão Municipal para as Comemorações do Centenário da República foi aprovada em reunião do executivo municipal a 17 de Março deste ano e tomou posse no dia 12 de Maio. É presidida pelo historiador e professor universitário Adérito Tavares e inclui o presidente da Câmara Municipal do Sabugal, António Robalo, o presidente da Assembleia Municipal do Sabugal, Ramiro Matos, o presidente do Conselho Executivo da Escola Secundária do Sabugal, Jaime Vieira e por João Vila Flor, do Agrupamento de Escolas do Sabugal.
O pontapé de saída para as Comemorações do Centenário da República foi dado no passado dia 12 de Maio no Sabugal com a recriação da proclamação da República frente aos Paços do Concelho do Sabugal seguida de conferência no Auditório Municipal com a presença de muitos – e atentos – jovens estudantes.
A reunião realizada no dia 29 de Maio na Casa do Concelho do Sabugal, em Lisboa, teve como ponto único da ordem de trabalhos a «análise e aprovação de propostas para as Comemorações do Centenário da República».
Após a apresentação pelo presidente da Comissão, Adérito Tavares, de um conjunto de propostas de actividades os elementos presentes (João Vila Flor faltou por motivos pessoais) acordaram num ambicioso e prestigioso plano de acção para as comemorações no concelho do Sabugal.
Entre as muitas actividades aprovadas a Comissão – em coordenação com o Governador Civil da Guarda, Santinho Pacheco – vai agendar um ciclo de conferências com personalidades como Adriano Moreira ou Manuel Braga da Cruz.
Os momentos altos das comemorações estão marcados para o dia 4 com a plantação, à tarde, de uma árvore no espaço da Escola Secundária integrada na iniciativa «A Árvore do Centenário» da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República e uma palestra, à noite, a cargo de Rui Vieira Nery, seguida de concerto da Banda Filarmónica Bendadense (homenagem comemorativa dos 140 anos). No dia 5 terá lugar a cerimónia oficial comemorativa do centenário da República, com a inauguração no Museu Municipal da exposição documental, fotográfica, iconográfica, alusiva a factos e personalidades republicanas sabugalenses como Joaquim Manuel Correia e Luís Capelo e o toque do Hino «Maria da Fonte» na abertura da cerimónia e do Hino «A Portuguesa» no encerramento.
Para a história destas comemorações ficará, ainda, a edição de catálogo da exposição, de medalha comemorativa da autoria do artista sabugalense Manuel Morgado e da visita de estudo dos alunos do Curso de Assistente de Conservação e Restauro da Escola Secundária do Sabugal à Casa dos Patudos, Museu José Relvas, em Alpiarça. Recorde-se que José Relvas, um dos mais antigos do directório do Partido Republicano, foi o escolhido para proclamar a República, a 5 de Outubro de 1910, da varanda da Câmara Municipal de Lisboa.
«A Árvore do Centenário». Aqui.
É um programa intenso e ambicioso subscrito por uma comissão com elementos de reconhecida competência e mérito.
jcl
Há um ano uma chuva miudinha que se fez sentir durante todo o dia 9 de Maio obrigou os visitantes a permanecer em redor do antigo edifício dos Armazéns Frigoríficos de Alcântara de chapéu aberto até conseguirem entrar no mais novo museu de Lisboa, o Museu do Oriente. Para comemorar o primeiro aniversário está previsto um vasto programa de actividades de entrada livre para os dias 8, 9 e 10 de Maio. Em destaque vai estar a exposição de pintura «Viagens no Oriente» de Fausto Sampaio que reúne 60 obras algumas delas de colecções particulares.
As comemorações do primeiro aniversário começam no dia 8 com um concerto de Rão Kyao no Auditório do Museu para a qual é necessária a aquisição de bilhete. No mesmo dia, inaugura a exposição Viagens no Oriente, da autoria de Fausto Sampaio (1893-1956). Em exposição vão estar 60 obras que retratam a Índia, Macau, Timor e Macassar. Pelas 19.00, no Lounge, Paulo Sousa lança o seu último disco, Ao Vivo no Museu do Oriente, resultante da gravação do concerto que Paulo Sousa e o tablista Raimund Engelhardt deram no Museu do Oriente no princípio do ano.
Este ano, e já com quase 120 mil visitantes, o Museu do Oriente preparou um vasto programa de actividades em que grandes e pequenos podem participar. Mediante a aquisição de um passaporte, equivalente à entrada no museu, poderá empreender uma viagem por terras longínquas que o levará à China, Tailândia, Japão, Indonésia e Timor. No final, é só recortar o destacável do passaporte e nele escrever uma frase inspirada em três conceitos: Museu do Oriente, Viagem, Ásia. A melhor frase, avaliada por um júri de três representantes da Fundação Oriente, será contemplada com uma viagem a Macau.Da caligrafia japonesa ao origami, passando por demonstrações do uso do kimono, pela arte chinesa de recorte de papel ou pela demonstração do ritual do chá oolong, pelo ensino da dança indonésia ou por um workshop de ábaco, pela consulta do signo do zodíaco ou até mesmo por um recital de poesia chinesa, pelo tai chi, massagens tailandesas ou ioga, pela pintura de tecidos e por inúmeras visitas temáticas é um nunca acabar de actividades ininterruptas a começarem logo de manhã e a acabarem ao fim da tarde.
O museu reúne colecções que têm o Oriente como temática principal, nas vertentes histórica, religiosa, antropológica e artística e tem como directora Natália Correia Guedes, neta do escritor sabugalense Joaquim Manuel Correia.
O Capeia Arraiana foi recebido no Museu do Oriente, com muita simpatia, por Natália Correia Guedes. No próximo sábado, 9 de Maio, dia do primeiro aniversário do Museu do Oriente, vamos publicar um «À fala com… Natália Correia Guedes» em que a especialista em museologia nos fala desta sua experiência «por terras do Oriente» e da relação pessoal com o Sabugal.
jcl
A edição do romance Celestina, do etnógrafo Joaquim Manuel Correia, da Ruvina, entrelaçando a vida raiana da nossa região, sugere-nos uma breve meditação sobre o amor e a morte.
Coisas do tempo, criando cenários propícios à ficção romanesca. Temos aí três óbvios exemplos das gestas de coragem e de ousadia entrelaçando com as saudades e as frustrações do amor. Por ordem cronológica: A Rosa da Montanha, o Celestina (se bem que longamente inédito) e o Maria Mim.
Em todos os romances as aventuras guerrilheiras (ao fim e ao cabo, a prática do contrabando era uma espécie de guerrilha…) e a procura da donzela, ao gosto romântico. Em A Rosa da Montanha, duas donzelas, Laura (a Rosa), a Florinda, a quadrazenha, que, ferida e mal ferida de amor, vem a ser a verdadeira heroína do romance; no texto de Joaquim Manuel Correia, Celestina e, no Maria Mim, a própria, morrendo de amor, ou sobre o amor frustrado adormecendo, cansada e destruida, num verde tapete de relva do arraial da Senhora da Póvoa.
Joaquim Manuel Correia aproveitou da sua informação etnográfica para construir um texto muito diferente dos de Carvalho e de Montemor. Com efeito, e conforme escreveu Fernando da Silva Coreia, «o romance é recheado de notas etnográficas e costumes já esquecidos, surpreendendo-se nele conversas, linguagem, cenas familiares e rurais, episódios políticos e religiosos… que o autor colheu com a máxima fidelidade». Dir-se-ia que Celestina foi um exercício pelo qual o autor ensaiou a transposição da colheita etnográfica para a obra de arte literária, repleta também, não apenas do pitoresco, mas da análise psico-social e da escultura do perfil das nossas gentes.
O capítulo 55, único que ainda pudemos ler em texto impresso, resulta num admirável painel da religiosidade popular e do significado de Nossa Senhora da Póvoa para os povos da Raia, por isso também motivo no Maria Mim de Nuno de Montemor. O pitoresco, o colorido dos cortejos de carros de bois engalanados com colchas, transportando mães e filhas para a romaria, a animação profana e religiosa durante o tríduo festivo (Domingo, segunda e terças-feiras de Pentecostes) prende a nossa imaginação e sensibilidade. A Senhora da Póvoa foi o santuário mariano por excelência da região. O culto terá começado lá por fins do século XVIII, quando dois pastorinhos encontraram, escondida numas silvas, uma imagem de Nossa Senhora que o povo de Vale do Lobo moveu para a igreja onde pouco tempo esteve, pois se deu o fenómeno de a imagem ter voltado para o silvado. Do ponto de vista das «imagens milagrosas» (aparecidas) esta é apenas uma das dezenas com semelhantes histórias já contadas por Frei Agostinho de Santa Maria. Fosse como fosse, logo em 1802 foram erigidos os cruzeiros, assinalando um novo santuário, cuja capela foi construída em 1874. O sítio atraiu os fiéis, mas também os queixosos de doenças do fígado que se sentiam melhores bebendo água da fonte do santuário. Não sabemos se a imagem antiga ainda se conserva, mas o cancioneiro noticia a existência de duas, a velha e a nova, como se cantava no refrão das Loas poveiras: «Nossa Senhora da Póvoa / Viva a velha / Viva a nova!»
E com isto chegamos ao ponto em que seria lógico começar, indagando quem é a Celestina, que dá o nome ao romance de fundamentação histórica e geograficamente bem definida. No contexto dos episódios da última guerrilha carlo-miguelista, Celestina é uma bonita e educada jovem, filha oculta de um padre que, todavia, revelou a sua existência ao seu bispo. Celestina apaixonou-se por Benito, um carlista castelhano, que vivia oculto na região do Sabugal, e que os acidentes da vida não lhe consentiram dar a felicidade a Celestina, que veio a casar com outro, Alfredo chamado, que felicidade lhe não deu. No epílogo, Celestina e o marido têm ocasião de assistir a uma tourada, em Salamanca. Figura principal do cartaz era Benito, famoso toureiro. Foi este colhido, sem que Celestina o reconhecesse, mas o romancista conta que a última palavra pronunciada pelo toureiro, já no hospital, onde morreu, foi o seu nome: Celestina.
De novo as três infelizes donzelas de Riba Côa: Florinda, prometida a Tomás, mas que se apaixonou pelo estudante Eugénio, que amou sem ser amada, conforme ao entrecho de A Rosa da Montanha; Maria Mim, prometida ao Lareia e que deveio doente de paixão pelo alferes Marinho, que de todo a não merecia; e, agora, Celestina, doente de amor por Benito, e alfim casada com outro, e desfeita em lágrimas face à morte do amado intangido. O enquadramento histórico sustém a credibilidade dos factos e a verosimilhança das ficções, sempre úteis à arte do romance. Por saber fica se o retrato que idealizou da menina Celestina e que ilustra a capa da edição, corresponde apenas à imaginação do escritor. Pouco importa, todavia, para o caso.
«Carta Dominical», opinião de Pinharanda Gomes
pinharandagomes@gmail.com
Editado este ano de 2008 pela Câmara Municipal do Sabugal, o livro «Celestina», de Joaquim Manuel Correia, é um romance histórico que retrata episódios da última guerrilha carlo-miguelista e que é sobretudo um testemunho etnográfico sobre as formas de vida das populações de antigamente.
Enquanto romance histórico, «Celestina» reporta à época das guerrilhas que na década de 70 do século XIX lutavam por restaurar o regime absolutista monárquico. Em Portugal os revoltosos queriam devolver o trono ao exilado D. Miguel de Bragança. Já em Espanha a coisa era mais dura com a luta pelo regresso do absolutista D. Carlos ao poder.
Na Raia portuguesa as duas guerrilhas ibéricas andavam de conluio por interesse táctico. Aos revoltosos portugueses interessava o apoio do forte exército carlista à causa que queria depor o Rei D. Luís. Aos guerrilhas espanhóis interessava a colaboração dos esconjurados portugueses na camuflagem de alguns agentes de D. Carlos, que aqui aguardavam o momento de passar á acção.
Foi neste contexto que o Padre João de Matos, pároco de Aldeia da Ribeira, cabecilha do movimento português no concelho do Sabugal, pediu ao seu colega padre Manuel que desse guarida a D. Benito, distinto oficial do exército carlista, que estava refugiado em Portugal.
Padre Manuel tinha uma filha, a que chamava sobrinha, de nome Celestina. Tinha apenas 15 anos, mas era muito formosa, a ponto de por ela se apaixonar D. Benito. Nasceu daqui um amor impossível, mas verdadeiramente profundo, o que trouxe imensos problemas ao bom padre Manuel, que queria a sua filha livre das garras do espanhol.
Mas mais do que um romance com enquadramento histórico, o livro é sobretudo um repositório de aspectos etnográficos do concelho do Sabugal. Expressiva é a descrição viva do que foram as Caldas do Cró no segundo quartel do século XIX. Uma estância termal e lúdica, onde as pessoas de teres iam curar-se ou retemperar forças, para ali se mudando durante semanas com as suas famílias. O episódio da pescaria no rio Côa, no açude do Lêndeas, é deveras expressivo. O Bogas e os filhos, experimentados pescadores, entram encarrapatos na água do açude, munidos de redes e de varapaus, e em breve enchem cestos de trutas e barbos para grande admiração dos banhistas do Cró que ali foram em passeio.
Ademais fala-se nas bicas, nos serões da aldeia, nos mercados, nas tabernas, nos variados trabalhos campestres e no que demais caracterizava, à época, a vida nas nossas aldeias. Os quadrazenhos estão sempre presentes, nas aldeias do concelho ou ainda que seja em terras longínquas, vendendo os produtos do contrabando, com sua peculiar expressão linguística.
Joaquim Manuel Correi é mestre na arte de narrar, não lhe escapando pormenores especiais, que condimentam qualquer história. Para exemplo, atente-se a este diálogo em linguagem vernácula, de um mulher com uma criança, querendo que esta lhe veja no livro dos baptizados a idade de alguém:
«- Ó Fresmina! Chama o vosso Gaudêncio, que há-de ler aqui o assento da filha da Ângela, ouviste?
– Ó Gaudêncio! – ouviu-se gritar a Maria Felismina.
Veio o rapaz e Anastácia acercou-se dele, dando-lhe nozes.
– Olha, tu já lês por cima?
– Já se senhora.
– Lê aí nesse livro e vê se achas o assento da filha da Ti Ângela, sim filho?
– Eu cá vejo.
O rapaz gastou uma hora ou mais a desfolhar o livro, procurando.
– Não está, tia Anastácia.
– Leste mal! Deixa cá ver – disse, nervosa, tirando-lhe o livro das mãos e abrindo-o, mas o rapaz desapareceu.
– Ó Gaudêncio, anda cá, não te esgueires.
– Ora! Eu nã no acho lá.»
O livro tem 503 páginas, algumas ocupadas com fotografias de Joaquim Manuel Correia e desenhos seus.
«Celestina» era um escrito inédito do autor das «Memórias sobre o Concelho do Sabugal». O texto foi cedido à Câmara por Natália Correia Guedes, neta do escritor, possibilitando a sua edição por ocasião dos 150 anos do nascimento do autor.
O livro pode ser adquirido no Museu Municipal ou na Casa do Castelo, no Sabugal.
plb
Setembro vai ser o mês da «viragem» para as Termas do Cró com o arranque das obras de construção do edifício-balneário do complexo termal. As qualidades terapêuticas das águas foram confirmadas com o despacho ministerial assinado no dia 3 de Março de 2008 e publicado a 18 de Março no «Diário da República».
Em recente entrevista ao jornal «Nova Guarda» o Presidente da Câmara Municipal do Sabugal, Manuel Rito, confirmou o arranque das obras do balneário do complexo termal do Cró durante o mês de Setembro de 2008.
Obra fundamental na estratégia de revitalização e reaproveitamento da marca «Termas do Cró» com o objectivo de alargar a sua frequência a utilizadores além-limites do concelho do Sabugal.
As Terma do Cró dispõem, actualmente, de um balneário provisório que tem vindo a ser utilizado para tratamento de problemas reumáticos e musculo-esqueléticos.
As técnicas utilizadas consistem em duche de jacto, vapor parcial à coluna, banhos de imersão simples, de imersão com bolha de ar e de imersão com hidromassagem. Os tratamentos das vias respiratórias são feitos com irrigação nasal, nebulização e aerosol.
A época termal de 2008 teve início com o primeiro turno (2 a 14 de Junho) e termina com o 13.º turno entre 17 e 29 de Novembro. Até lá estão ainda calendarizados o 8.º turno (8 a 20-9), 9.º (22-9 a 4-10), 10.º (6 a 18-10), 11.º (20 a 31-10) e 12.º turno (3 a 15-11).
Uma equipa de funcionárias camarárias, supervisionada por Felismina Rito, garante o programa «Saúde & Bem-estar» e todo o apoio durante as consultas que funcionam de segunda a sábado, das 8 às 16 horas.
A água, com características sulfúrica sódica, do tipo das sulfúreas, fracamente mineralizada, doce, com reacção muito alcalina e sob o ponto de vista iónico designa-se por bicarbonatada sódica, carbonatada, fluoretada e sulfidratada. Regista 23º a 30 metros de profundidade e o povo diz que a água «cheira a ovos podres» e tem um sabor «estranho e desagradável que só por obrigação é bebida». A sua utilização é muito antiga e os registos históricos indicam um pedido de concessão em 1909 acompanhado de um relatório com a análise química da água da nascente por Bonhorst. Nesse tempo os aquistas acampavam nos lameiros junto à Ribeira do Cró (afluente da margem esquerda do Rio Côa) também conhecida por Ribeira do Boi, traziam as banheiras de casa e aqueciam a água dos banhos com fogueiras de lenha apanhada nas redondezas.
A 13 de Julho de 1912 foi atribuído o alvará de concessão e a 30 de Janeiro de 1922 foi considerada abandonada. A Empresa Balnear do Cró retomou a actividade a 5 de Novembro de 1936 para nova declaração de abandono, oito anos mais tarde, a 5 de Julho de 1944.
Registo histórico para o dia 8 de Setembro: Joaquim Manuel Correia relata no seu livro «Memórias do Concelho do Sabugal» que «concorre ali muita gente, atraída pela fama destas águas». (As termas eram frequentadas por pessoas dos concelhos do Sabugal, Guarda, Penamacor, Almeida, Pinhel, Castelo Rodrigo e até de Espanha). Dá também a conhecer que «cada banho custa 50 reis, módico preço, atendendo à falta de combustíveis, carvalho, giesta, carvão e lenha de pinho ou amieiro». Já em relação à taxa de utilização, aponta números curiosos: «Em 8 de Setembro de 1885 contámos no Cró 180 pessoas e em igual dia de 1893 contámos 240 e 300 em 1896.»
As inscrições podem ser feitas na Câmara Municipal do Sabugal (tel. 271751040), Biblioteca Municipal (tel. 271 752 230) ou nas Termas do Cró (tel. 271 581 818).
jcl
Tenho participado, ao longo da minha vida de investigador da nossa cultura, em centenas de colóquios, conferências e seminários relativos ao pensamento e à cultura portugueses, tendo sido inúmeras as ocasiões em que essas actividades decorreram em escolas – secundárias e sobretudo universitárias –, em tempo de aulas e com cursos que poderiam aproveitar da participação no Colóquio ou na Conferência.
Acho não ser injusto, nem inoportuno, se disser que tais actividades, embora localizadas nas escolas, decorrem como se fossem no deserto, ou num sítio quase desabitado. Algumas vezes pensei que a ausência de alunos nos auditórios tivesse algo a ver com o facto de os conferencistas não os motivarem. No entanto, em dezenas de casos, colóquios houve que os prelectores eram personalidades de tomo e de vulto, algumas vezes até com forte imagem pública.
Numa universidade com cursos humanísticos não seria difícil organizar os horários de modo a que os alunos pudessem assistir; ou motivar os alunos a prescindirem desta ou daquela aula, indo às conferências e relatando o que ouvissem para o professor. Tal não sucede, havendo quem admita que os professores temem que os alunos ouçam algo que eles ignoram.
No fundo, trata-se de indiferença. Ainda agora, temos o caso do colóquio sobre Joaquim Manuel Correia, no Sabugal. Uma actividade repleta de interesse, do ponto de vista cultural e local. A este propósito, lemos no «Amigo da Verdade»:«A entrada em todos estes eventos foi livre. Embora não fossem muitos os participantes, tivemos, no entanto, uma acção activa, viva e desinteressada.»
De facto, um tão cómodo auditório, bem poderia estar mais cheio, se as pessoas realmente tivessem interesses culturais. Deste modo, como que passam ao lado da vida.
«Carta Dominical», opinião de Pinharanda Gomes
pinharandagomes@gmail.com
As comemorações dos 150 anos do nascimento do escritor ruvinense Joaquim Manuel Correia reservaram lugar na história do concelho do Sabugal. As cerimónias decorreram durante a manhã com palestras no Auditório Municipal e durante a tarde no Museu com o lançamento do romance «Celestina», um inédito que, finalmente, pode (e deve) ser lido por todos os sabugalenses. Extraordinário e preocupante foi o alheamento dos alunos e professores do Sabugal que primaram pela ausência e indiferença perante a qualidade e o valor indiscutível dos oradores presentes.
Foi uma jornada repleta de ensinamentos sobre a vida e obra de Joaquim Manuel Correia, a história do Sabugal e de Portugal.
Norberto Manso, pela «Sabugal+», Natália Correia Guedes, neta do homenageado, e Manuel Rito Dias, presidente da Câmara Municipal do Sabugal abriram as comemorações e deram as boas-vindas aos presentes.
Moderados pelo vereador António Robalo, natural e residente na Ruvina, participaram no primeiro painel João Serra (professor e historiador das Caldas da Rainha) com o tema «Os trabalhos de Joaquim Manuel Correia», mestre Jesué Pinharanda Gomes (pensador e filósofo de Quadrazais) com «Joaquim Manuel Correia: aspectos da sua vida e obra» e Manuel Leal Freire (poeta e escritor da Bismula) que falou de «Aspectos de uma família na Ruvina nos finais do séc. XIX».
O segundo painel foi constituído por Adérito Tavares (professor e historiador de Aldeia do Bispo) que resumiu «O País e o Sabugal: Enquadramento Histórico – 1858-1974» e Manuel Meirinho Martins (politólogo do Soito) finalizou com «O Sabugal de hoje».
No final o moderador António Robalo concluiu e encerrou os trabalhos da manhã lendo excertos de um texto que um ruvinense passou à prosa nas «Páginas Interiores» deste blogue. Aqui deixamos a excelência do seu pensamento e do seu sentir sobre a Ruvina: «Na Ruvina tomei consciência do mais importante da vida tendo aprendido a gostar das pessoas e a valorizá-las pelo que são. Quando falo da Ruvina as emoções assaltam-me e embarga-se-me a voz. O meu pensamento treme, quando falo da minha aldeia.
Foi na Ruvina que me cortaram o cordão umbilical, porque na altura não havia maternidades e tudo ficava longe. Foi aqui que aprendi a rir, a chorar, andar, a falar, a ler e a escrever.
Acredito como Rilke, que a nossa pátria é a nossa infância. A minha infância é a minha aldeia. A Ruvina sempre foi e será para mim uma lição de vida e por isso, sempre que posso retorno às origens. Em pensamento nunca a abandono e a ela regresso diariamente. A sua ausência é uma coisa que trago sempre comigo.»
Na parte da tarde decorreu no Museu Municipal a inauguração da exposição sobre o homenageado e a apresentação e lançamento do romance «Celestina».
Entre outros marcou presença o padre António Souta que levou consigo um exemplar autografado pela neta do escritor. Com aquela tranquilidade que lhe é peculiar confessou enquanto Natália Correia Guedes lhe autografava o exemplar de «Celestina»: «Quanto tinha que ir visitar uma freguesia do concelho lia primeiro o livro de Joaquim Manuel Correia, Memórias do Concelho do Sabugal, para melhor me preparar para a homília.»
Extraordinário e preocupante é a ausência de alunos e professores que muito teriam a aprender com todas as sábias apresentações de todos os conferencistas. Ou, então, é porque já sabem tudo…
(fim)
jcl
O historiador Adérito Tavares, natural de Aldeia do Bispo, deu no Auditório Municipal do Sabugal uma brilhante lição de História de Portugal. Muito lhe ficou por dizer apesar de o ilustre docente da Universidade Católica se ter limitado ao período em que viveu Joaquim Manuel Correia.
Adérito Tavares ilustrou a sua apresentação com imagens projectadas no grande ecrã do Auditório Municipal que ajudaram a melhor perceber o período conturbado de passagem da Monarquia para a República.
Como já tocou está na hora de entrar na «sala de aulas»…
«Vamos iniciar esta análise histórica na chamada segunda parte da Dinastia de Bragança onde reinaram D. Maria II (1834-53) e D. Pedro V (1853-1861) que assistiram entre 1851 e 1887 ao movimento político que procurou restaurar a tranquilidade em Portugal.
Em 1884 dá-se a Patuleia (revolução da Maria da Fonte) com o Duque de Saldanha (regeneração) a conseguir impor uma certa acalmia no País. Mas D. Pedro V morre em 1861, com apenas 24 anos, e D. Luís sucede ao irmão.
As freguesias do concelho do Sabugal apresentam no Censo de 1864: Aldeia da Ponte, Aldeia Velha e Alfaiates com mais de 1000 habitantes. Quadrazais com 1654 habitantes e Soito 1226 são as freguesias com mais habitantes. O Sabugal regista 1550 habitantes. A Ruvina com 180 habitantes e cerca de 180 habitantes (50 fogos) e Ruivós com 165 são as menos populosas.
Por essa altura aparece António Maria Fontes Pereira de Melo, o grande visionário que faz a modernização de Portugal no século XIX. Surgem o telégrafo, os correios (o primeiro selo em Portugal data de 1853 e regista a morte da rainha embora o selo postal já existisse desde 1840 em Inglaterra) e o telefone.
O surgimento do caminho-de-ferro vai dar o grande contributo para a modernização do País. Em 1856 é inaugurado o primeiro troço entre Lisboa e o Carregado. A Estação do Rossio é inaugurada a 18 de Maio de 1890 em conjunto com o túnel que ainda hoje existe.
Em 1879 foi inaugurada a Avenida da Liberdade por iniciativa de Ressano Garcia formado na escola de Paris.
A praça do Rossio recebeu, por essa altura, o edifício do Teatro Nacional de Almeida Garrett e depois rebaptizado de D. Maria.
A Praça do Comércio ou Terreiro do Paço foi construída após o terramoto de 1755. No centro, em lugar de destaque, a estátua de D. José alinhado com o arco da Rua Augusta que foi concluído no reinado de D. Luís.
Em 1855 (ano da morte de D. Luís) dá-se o ultimato inglês para impedir que Portugal una Angola a Moçambique. O poderio de Inglaterra face à fraqueza portuguesa impõe-se reivindicando a ligação entre a cidade do Cabo e o Cairo.
Quando o ministro dos negócios estrangeiros português pergunta ao homólogo inglês porque não respeitam a velha aliança este responde-lhe com a célebre afirmação: Não há alianças eternas. Eternos são os interesses de sua magestade.
Rafael Bordalo Pinheiro aproveita para caricaturar um catético Portugal que vive do passado perante a vitalidade da Inglaterra que reivindica a posse das colónias portuguesas.
Os republicanos culpam a monarquia do estado a que chegou Portugal e passam a governar em regime de alternância entre o partido progressista e o partido relativista. O Partido Republicano aparece, entretanto, para colocar em causa a alternância no poder entre os dois partidos. A República consolida a sua caminhada mas o Rei D. Carlos reage e confia a João Franco um governo de ditadura com o parlamento encerrado.
Joaquim Manuel Correia referencia nos seus escritos que o infante D. Manuel visitou o Sabugal em 1906.
Nesta época o país tem a população a crescer. As estatísticas indicam um aumento de quatro mihões para seis milhões de habitantes. Nas eleições apenas votam os cidadãos do sexo masculino.
O povo português é maioritariamente pobre e anda descalço. Portugal foi um povo de pé descalço quase até aos anos 60. O romance de Aquilino Ribeiro Quando os lobos uivam foi apreendido pela PIDE (Polícia Política de Salazar) porque o escritor afirma na obra que Portugal é um povo de pé descalço. Eramos um País de pobres e entre 1861 e 1910 para fugir a essa pobreza emigraram quase um milhão de portugueses.
Mas também havia riqueza. António Carvalho Monteiro, um dos mais ricos do País, era conhecido pelo Monteiro dos Milhões. Foi ele quem mandou construir a Quinta da Regaleira.
Os empresários Francisco Grandella e Alfredo da Silva (CUF) vivem nos fins do séc. XIX e princípios do séc. XX e através das suas iniciativas a indústria portuguesa dá os primeiros passos. Mas Portugal é um país rural. Seis em cada dez portugueses vivem da agricultura. A grande maioria dos agricultores vive para comer. Os registos desse tempo apontam a mortalidade infantil e a tuberculose como a principal causa de morte em Portugal.
A taxa de analfabetismo é grande nos anos 20 com cerca de 60 em cada 100 portugueses sem saberem ler nem escrever. Nesse tempo a educação significa poder, um poder exclusivamente masculino.
Em 1900 o Sabugal tem 89 freguesias, 33 mil habitantes dos quais 86 por cento são analfabetos.
Outro homem contemporâneo de Joaquim Manuel Correia é o dr. Sousa Martins que ficou ligado à cidade da Guarda tendo morrido, em 1904, vítima da tuberculose.
Os republicanos portugueses estão em ebulição e dá-se o regicídio em 1908. Por toda a Europa e em especial na imprensa francesa a morte do Rei D. Carlos é considerada um assassinato bárbaro. Recorde-se que a rainha era francesa. O funeral de D. Carlos é feito no mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa.
D. Manuel é muito jovem mas os seus apelos à acalmia popular resultam apenas por dois anos. Liderada pelos militantes da Carbonária a proclamação da República faz-se da varanda da Câmara Municipal de Lisboa por José Relvas. O escudo, a bandeira e o hino (composto para protestar contra o ultimato inglês) transformaram-se em símbolos da República.
O republicano Afonso Costa é um anti-clerical. Também em Aldeia da Ponte havia um colégio jesuíta que foi fechado em 1910. A revista Ilustração Portuguesa desse tempo traz uma reportagem em que aparece o administrador-delegado do Sabugal a encerrar o colégio de Aldeia da Ponte.
Quando Portugal está mergulhado na I Guerra Mundial (Batalha de La Lys em 1918) dão-se os acontecimentos de Fátima.
É implantada uma nova ditadura em que a cara visível é Sidónio Pais assassinado após um ano de governação. Sucede-lhe António José de Almeida (1919-1923) tendo sido o único presidente que cumpriu o seu mandato na sua totalidade. em clima de grande estabilidade.
Entra em cena o jovem Salazar que, como ministro das Finanças, consegue eliminar o défice crónico do País.
No discurso de tomada posse como presidente do Conselho de Ministros aparece acompanhado por Duarte Pacheco (ministro das obras públicas) e António Ferro (imagem de Salazar). Ficou célebre a lição de Salazar: Deus, Pátria, Família (a trilogia da educação nacional). Nós queremos um estado forte. Votai a nova constituição’ podia ler-se no cartaz da Almada Negreiros encomendado pela União Nacional.»
A finalizar Adérito Tavares deixou, ainda, alguns dados sobre o concelho do Sabugal em 1930: «Casamentos, 351 e divórcios, 1. Nasceram 1323 crianças legítimas e apenas 3 por cento nasceram fora do casamento. A natalidade regista 34 por mil e a mortalidade 24 por mil.»
Brilhante lição de História protagonizada por Adérito Tavares que incidiu em especial sobre o período da vida de Joaquim Manuel Correia.
(continua)
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«Um raminho! Dois raminhos! Três raminhos!» Foi em forma de verso espontâneo que o escritor Manuel Leal Freire, natural da Bismula, saudou os presentes no Auditório Municipal do Sabugal. Misturando o discurso fácil com o fácil versejar a sua intervenção histórica foi outro dos momentos altos das comemorações. O politólogo Manuel Meirinho falou de custos e oportunidades no Sabugal de hoje.
A saudação veio ao jeito de folclore ribacodano porque no sentir de Manuel Leal Freire o raiano tem uma noção maior da Humanidade.
«Um raminho! Dois raminhos! Três raminhos / A minha voz vai soar / por cima da rosa dos ventos / Um raminho! Dois raminhos! Três raminhos!»
Feita a saudação ficou estabelecida uma antecâmara para aquilo que disse de seguida um dos maiores escritores raianos apoiado numa espécie de título por si criado «A Beira raiana, a família, a grei e a crença».
«Na Ruvina os padres apregavam a carta e guia de casados de Francisco Manuel de Melo. Havia os três casamentos: de Deus, do diabo e da morte.
O amor para ser amor tem que durar a vida inteira. Quem amou uma segunda vez é porque não amou da primeira», sentenciou Leal Freire. Continuando…
«A família era, nesse tempo, o esteio. A educação começava muito antes do nascimento do filho. A Ruvina, terra de onde é natural o nosso homenageado de hoje, foi sempre uma terra merecedora das graças de Deus. Joaquim Manuel Correia teve um um tio padre que iniciou a sua formação intelectual. A Igreja não se limitava a ensinar as verdades da fé porque até 1950 a escola não tinha uma função muito efectiva. Havia escola, às vezes em casas particulares, mas nem toda a gente a frequentava. Para aprender a ler e a escrever era necessário ir à catequese. O padre ensinava o trívio (gramática, retórica e dialéctica) e o quadrívio (aritmétical, música, geometria e astronomia) o conjunto das artes liberais. Havia um papel formativo (não digo repressivo) sobre os indivíduos.
Nesse tempo, início do século XX, havia muito solidariedade entre as pessoas. Ardia uma meda e todos colaboravam, havia as irmandades e as confrarias que colocavam fundos à disposição dos irmãos porque nesse tempo não havia bancos.»
E terminou com ideias-chave declamadas em frases soltas:
«Há uma força que nos impele. O povo somos nós todos. Os mortes governam os vivos. A história é mesmo isto. Pela história se constrói o futuro. Com a memória dos mortos que é lição para os vivos.»
Outro dos participantes na palestra foi o politólogo soitense Manuel Meirinho que abordou e analisou o «Sabugal de Hoje» e a vertente da Interioridade.
«Vamos falar de modelos de desenvolvimento para o Sabugal que, na minha opinião, não carrega nenhum fardo específico da Interioridade.
No ponto 1, o Modelo estrutural de desenvolvimento analisamos os modelos dos grandes eixos de desenvolvimento entendendo o País numa linha de três eixos.
Os indicadores sociais indicam que à data do nascimento de Joaquim Manuel Correia havia cerca de 12 mil residentes, ou seja, praticamente a mesma população que existe actualmente. Em 1960 atinge um pico de 36 mil habitantes altura em que se inicia a emigração, principalmente para França.
A questão de fundo ou, se preferirmos, o problema de fundo sobre como devemos encarar o problema da desertificação? Se é uma ameaça ou uma oportunidade? Tem uma resposta simples mais complexa. Este problema é uma oportunidade que temos de saber aproveitar.
1.º Comemoramos os 150 anos do nascimento de Joaquim Manuel Correia. Hoje é um tempo novo. O grande desafio é o tempo novo. A oportunidade reside na diferenciação, ou seja, criar um produto novo para um tempo novo com gestão de médio e longo prazo. Aqui o papel central passa pelo Governo local, pelos autarcas regionais.
Nos municípios das grandes urbes há uma grande pressão imediatista que não acontece no Interior. É uma vantagem. Os políticos podem decidir com políticas que não obrigam a resultados imediatos.
O que não desertifica são os recursos físicos, materiais e sociais que têm que ser aproveitados para fazer a diferença. Não é possível contrariar os capitais móveis, ou seja, as pessoas. É fundamental valorizar o que temos físico. É fundamental apostar e promover os recursos naturais. Esses não migraram. Estão cá e tem cada vez mais qualidade.
O nosso grande desafio é aproveitar e promover os produtos do Sabugal. Recompor, modernizar e reposicionar o produto regional raiano.»
Mais uma abordagem especializada ao problema da desertificação e da Interioridade, desta feita, pelo politólogo Manuel Meirinho.
(continua)
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O mestre Pinharanda Gomes, filósofo e pensador, que mantém aqui no Capeia Arraiana uma crónica semanal denominada «Carta Dominical» dispensa apresentações. Natural de Quadrazais, no concelho do Sabugal, é um dos expoentes vivos da cultura portuguesa.
«Na casa de minha tia na Guarda havia livros socialistas e republicanos» esclareceu no início da conversa no Auditório Municipal, o palestrante Jesué Pinharanda Gomes.
E sem mais interrupções passamos ao discurso directo…
«Em casa dos meus primos Bigotte havia três livros. Foram os primeiros três livros que eu li na minha vida. Um era o «Terras de Ribacôa – Memórias do Concelho do Sabugal» que tinha anotações na edição final, o segundo era «Maria Mim», de Nuno de Montemor – na Guarda faziam a diferença entre o capelão e o escritor – e o terceiro «A Rosa da Montanha», de António José de Carvalho, que foi dedicada à minha tia Bigotte.
Pouco dado às ficções (a maior ficção é a vida real) interessei-me muito mais pelas «Memória do Concelho do Sabugal», de Joaquim Manuel Correia.
«As Memórias» tiveram uma grande influência na minha pessoa. Dei-me conta que as coisas que eu sabia da minha terra, de as ouvir, de as ver, estavam no livro.
Fiz a minha primeira tentativa como escritor aos 11 anos. Foi a «Monografia da aldeia de Quadrazais». Seguiram-se as «Práticas de Etnografia» (1966) e «Memórias da Ribacôa e da Riba-Serra».
Em 1964-65 desenvolvi contactos por correspondência para o dicionário de escritores do distrito da Guarda. A lista telefónica é (era) um excelente elemento de estudo geneológico.
Contactei Fernando Correia, filho de Joaquim Manuel Correia, e este fez-me a revelação da existência do manuscrito do romance «Celestina» e deu-mo a ler. Em finais de 1965 fiquei mais longe de Lisboa e só voltei a ouvir falar de Fernando Correia em 1966 aquando do seu falecimento.
Foi um projecto meu que eu não consegui concretizar. Mas a prova de que eu devolvi o manuscrito está aqui hoje. (sorrisos da assistência).
Joaquim Manuel Correia nasceu numa época em que pertenciamos à diocese de Pinhel que teve quatro bispos mas nenhum lá viveu.
Como não havia seminário menor na diocese funcionava em Vale de Espinho, junto do pároco, o verdadeiro seminário onde os rapazes da aldeia aprendiam. Dá-se o primeiro contacto de Joaquim com o padre Morcela de Vale de Espinho.
António Mendes Belo criou um curso de hermenêutica e era o reitor do seminário de Pinhel quando o nosso homenageado de hoje que por lá passou. António Mendes Belo foi posteriormente nomeado cardeal-patriarca.
É a época em que se deram as aparições de Fátima – reconheço que sou um apaixonado de Fátima – porque mesmo sendo mentira eu acreditava em Fátima. Como terá sido a reacção de Joaquim Manuel Correia em 1917 às aparições de Coimbra? Era estudante em Coimbra na Universidade de Direito num momento em que se aprofundaram as influências do positivismo jurídico que abriu as portas ao republicanismo. A semente do republicanismo foi lançada nesse tempo em Coimbra. A imagem da República é uma mulher. A pátria, como mátria, como mãe.
A sua obra é apenas etnográfica ou é algo mais? Mesmo na Igreja a teologia tinha sido substituída pela sociologia. A estrutura mental da obra de Joaquim Manuel Correia é uma estrutura de uma antropologia sociológica porque ele assume não apenas os dados do folclórico mas tudo quando anda á volta da vida dos povos. As lendas, os adágios, os modos de falar e vestir. É um verdadeiro ensaio de antropologia sociológica aplicada ao concelho do Sabugal.
O que mais releva nesta obra dele é a etnolinguística que se percebe transferida da linguagem popular para uma linguagem literária.
Por essa altura já estava grávido da «Rosa da Montanha» e gostei ainda mais do «Celestina». A Serra da Malcata e a Marvana que foi refúgio dos revoltosos espanhóis. Destaco o capítulo 55 sobre a romaria da Senhora da Póvoa. É para mim o mais bonito.
O episódio que retrata Joaquim Correia não tem a sentimentalidade que Nuno Montemor transmitia. O autor ruvinense era mais disciplinado. Retrata a importância da Senhora da Póvoa. Viva a Velha! Viva a Nova!
A ponte do Sabugal era um símbolo. A passagem da ponte era um símbolo. A simbologia da ponte dava um congresso.
A obra de Joaquim Manuel Correia está disponível para fazer a ponte e a transposição para os tempos modernos. Nós, de Ribacôa, talvez deixássemos de ser aquilo que sempre fomos: una hermandad.»
Final da intervenção de Jesué Pinharanda Gomes.
(continua)
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Os painéis moderados pelo vereador António Robalo contaram com ilustres convidados sabugalenses da área da cultura e da história. O filósofo e pensador mestre Pinharanda Gomes, o professor e historiador Adérito Tavares, o escritor e poeta Leal Freire, o professor e historiador João Serra e o politólogo Manuel Meirinho.
O vereador António Robalo, natural e residente na Ruvina, abriu a palestra agradecendo à família de Joaquim Manuel Correia e a todos os participantes pela sua presença e fez a introdução ao primeiro palestrante o professor e historiador João Serra. Passamos ao resumo da sua intervenção:
«A vida de Joaquim Manuel Correia está dividida em duas partes» começou por dizer João Serra separando «uma parte entre 1858 e 1905 em que a vida se processa entre o Sabugal, Guarda e Coimbra e uma segunda metade 1905-1945 que decorre basicamente nas Caldas da Rainha e Óbidos. Peniche onde viveu entre 1888 e 89 mudou a história da sua vida. Aqui conheceu a sua mulher mas tiveram que ir viver para a Columbeira, Bombarral quando o sogro, médico, morreu.
Por essa altura deve ter conhecido os irmãos Bordalo Pinheiro. Um grupo de rendilheiras (renda de bilros) de Peniche eram orientadas por Augusta Bordalo Pinheiro e na edição da obra do escritor sabugalense encontramos um desenho que representa o escritor (com a nota «precisa de ser melhorado») feito por Rafael Bordalo Pinheiro e datado de 26-9-1889.
Entre 1905 e 1945, Joaquim Manuel Correia estabeleceu-se nas Caldas da Rainha, na Praça Maria Pia, (Praça da República depois de 1910) e passou a residir na Rua Nova que foi rebaptizada de Rua Rafael Bordalo Pinheiro. Tinha um percurso intelectual e percebeu-se, localmente, que não era uma pessoa qualquer. Em 1907 o Partido Republicano das Caldas convidou-o para uma paletra que teve um enorme êxito e em Novembro de 1908 o partido convidou-o a encabeçar a lista à Câmara.
Foi Presidente da Comissão Republicana e o primeiro presidente republicano das Caldas da Rainha e administrador do concelho (representante do Governo).
Dois momentos marcantes – No dia 7 de Outubro de 1910 dirige-se a todos os habitantes do concelho para que colaborem na concretização da implantação da nova ordem, a República Portuguesa, proclamando o fim da monarquia e aclamando o progresso de um novo regime assente na razão e nos operários da razão que são capaz de ir além da religião porque é necessário separar o Estado da religião.
Um levantamento popular invade o convento franciscano e dá ordem prisão dos frades. Considerou, como administrador do concelho, não haver justificação e devolve aos frades as suas terras o que lhe causa alguns dissabores no partido republicano. Na sequência de um conflito entre o professor e o padre na freguesia de Santa Catarina o edifício público da escola foi apedrejado. Outubro era o mês do rosário e o início do ano lectivo. O administrador do concelho, Joaquim Manuel Correia, foi chamado a intervir e fez então um apelo histórico: todos têm direito à sua fé mas o fanatismo é prejudicial à estabilidade social.
Um depois demitiu-se e não mais regressou à vida política activa.
Foi fundador da «Gazeta das Caldas» e fez parte da rede de sábios dos finais do séc. XIX e princípios do séc. XX. A acumulação de saberes locais levou a proferir um dia uma frase lapidar. «A unidade de Portugal é feita de enorme riqueza de diversidades regionais.»
(continua)
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As comemorações dos 150 anos do nascimento de Joaquim Manuel Correia organizadas pela Câmara Municipal do Sabugal e a empresa municipal Sabugal+ em colaboração com a família do autor arrancaram no dia 5 de Abril no Auditório Municipal do Sabugal com uma palestra e o lançamento editorial do romance inédito «Celestina» escrito em 1904. Completa-se assim a triologia de romances raianos, escritos nos finais do séc. XIX e princípios do séc. XX e que inclue a «Rosa da Montanha», de António José de Carvalho (1871) e «Maria Mim», de Nuno de Montemor, publicado em 1939.
As comemorações dos 150 anos do nascimento de Joaquim Manuel Correia no dia 5 de Abril, no Auditório Municipal do Sabugal, foram abertas por Norberto Manso, presidente da Sabugal+ que deu as boas-vindas a todos os presentes.
«Estamos aqui para recordar o homem, a obra e alguns aspectos da vida do homenageado. Vamos ouvir durante a manhã as intervenções dos ilustres palestrantes convidados aos quais aproveito para agradecer a sua disponibilidade e na parte da tarde estamos todos convidados para o lançamento da edição do livro Celestina, um romance inédito de Joaquim Manuel Correia», salientou Norberto Manso no seu discurso de abertura finalizando com a apresentação da neta do autor, Natália Correia Guedes, a quem deu a palavra.
«É um dia muito importante para a família. A figura do meu avô não teria tido relevo se o seu filho Fernando Correia não tivesse contribuído para isso. A família sente-se muito honrada com a homenagem que a Câmara Municipal do Sabugal, a quem saudo na pessoa do seu presidente, lhe faz», começou por dizer Natália Correia Guedes recordando de seguida o percurso da família e do avô que «tinha paixão pela Ruvina, pelo Sabugal e de um modo geral pela Beira. Depois de se formar em Coimbra foi colocado no Litoral, em Peniche, teve uma breve estadia no Sabugal e voltou novamente ao Litoral para as Caldas da Rainha. Toda a minha vida houve um corte com o Sabugal. O regresso às origens deu-se agora com o regresso da família com o herdo da Quinta da Telhada na Ruvina. O meu avô emigrou para o Litoral e agora nós emigrámos para o Sabugal.»
A neta do escritor considerou ainda que a interioridade é qualidade de vida e descoberta para as novas gerações do prazer do campo. «As gerações urbanóides nunca ouviram matar um enxame de abelhas nem um javali bater à porta», poetizou.
«Felicito-vos por todos aqueles ficaram e que nos transmitem. Já começámos a recuperar as casas e os moinhos da quinta e tivemos o prazer de conhecer novos primos que não sabíamos que existiam. Queria agradecer em especial à Irmã Felicidade que nos recebeu no Colégio de Cristo-Rei, na Ruvina, como se fosse a nossa casa. É nosso desejo que actas desta conferência sejam publicadas em breve», disse a terminar.
O presidente da Câmara Municipal do Sabugal, Manuel Rito, tomou a palavra para dar as boas-vindas, em nome do município, a todos os prelectores e à família do homenageado.
– Um concelho sem história não pode ter futuro! Não há dúvida que o autor escreveu o livro das memórias para que o castelo e o Sabugal nunca fosse esquecido. Joaquim Manuel Correia amava o concelho e pretendia acima de tudo dá-lo a conhecer. Conheci «pessoalmente» o autor ruvinense no Liceu da Guarda pelo livro Terras de Ribacôa apesar de ser muito difícil de consultar porque estava esgotado em todo o lado. Recordo que em 1988 o município sabugalense reeditou o livro. Em boa-hora, acrescento!
O presidente aproveitou, ainda, para destacar o «seu» concelho…
– Há algum tempo atrás fiquei a saber de um romance sem título definitivo que falava sobre os usos e costumes da nossa região. A família mostrou a sua disponibilidade para conversar e estamos em condições de afirmar que, por protocolo, houve uma cedência dos direitos dos livros Terras de Ribacôa e de Celestina a favor do património municipal. O concelho do Sabugal sendo um concelho do Interior é esquecido porque não aparece nas televisões mas… somos um concelho com muita qualidade de vida.
O período introdutório das comemorações terminou, assim, com a intervenção de Manuel Rito Dias, presidente da Câmara Municipal do Sabugal.
(Continua.) (Este trabalho de reportagem, dividido em seis partes, obrigou a uma preparação cuidada e vai ser publicado por fases e de acordo com a disponibilidade temporal do autor. A sequência completa e seguida pode ser lida na categoria «Cultura» / «Joaquim Manuel Correia».)
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O Município do Sabugal em parceria com a «Empresa Municipal Sabugal+», organizou uma homenagem ao meu conterrâneo Joaquim Manuel Correia, por ocasião dos 150 anos do seu nascimento, com o concomitante lançamento do seu romance inédito «Celestina».
É com regozijo acrescido que saúdo esta iniciativa, registando com muito agrado o contributo da família deste homem de letras, para a promoção da obra e da figura ímpar que foi Joaquim Manuel Correia.
Na qualidade de membro da Assembleia Municipal do Sabugal, vai para mais de 15 anos que sugeri que o executivo camarário contactasse o Conselho Executivo da Escola Secundária do Sabugal, no sentido de ligar o nome desta emérita figura das letras, a este estabelecimento de ensino, de forma a que a Escola Secundária do Sabugal viesse a poder ser designada como Escola Secundária Joaquim Manuel Correia. Constato volvidos todos estes anos, com alguma mágoa, que apesar da rua que dá acesso a tal estabelecimento de ensino ter o nome deste meu conterrâneo, a escola continua a ser apenas Escola Secundária do Sabugal.
Homenagear um sabugalense do vulto do Joaquim Manuel Correia, no meu modesto entendimento, não deve limitar-se a uma cerimónia de cortesia, com palavras de circunstância, onde um exímio painel de oradores põe à prova a sua dialéctica, por mais eloquente que esta seja.
Homenagear Joaquim Manuel Correia, mereceria uma visita aos locais onde viveu, a sua casa, de seus familiares e amigos e se possível transportar o supra-referido naipe de oradores para a Ruvina, a aldeia do homenageado, envolvendo os seus conterrâneos através da Junta de Freguesia.
Acresce que se pretendemos projectar esta figura para o futuro, penso que estamos no momento certo para lançar um museu ou uma fundação sedeada na Ruvina que venha ser responsável pela promoção da cultura, da educação, no apoio aos nossos jovens mais carenciados com atribuição de Bolsas de Estudo e até uma instituição assistencial e filantrópica com apoio a crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social, com necessidades educativas especiais, etc., etc… Não podemos esquecer que na Ruvina dispomos de uma instituição, a Casa de Cristo Rei, com pergaminhos no campo da acção social.
É o próprio homenageado que nas suas «Memórias do Concelho do Sabugal» (p. 239, edição da Câmara Municipal), refere: «Desde longa data existe na Ruvina o gosto pela instrução. Apesar de ser uma freguesia pequena, das menos populosas do concelho, raras vezes tem tido pároco estranho à povoação e quasi sempre tem tido ao mesmo tempo dois e mais eclesiásticos.»
A Ruvina de facto sempre teve famílias ilustres que souberam de forma superior dignificar a terra que os viu nascer, desde a família do próprio homenageado que saúdo na pessoa da Dr.ª Natália Correia Guedes, hoje administradora da Fundação Oriente e Comissária de uma exposição sobre a China a ser inaugurada no próximo dia 8 de Maio em Lisboa, às famílias Diniz da Fonseca, Monteiro Limão e à família Feytor Pinto para citar apenas algumas.
Penso que uma Fundação desta envergadura presidida pelo meu conterrâneo Padre Feytor Pinto, só nos honraria e levaria bem longe o nome da nossa terra e do Sabugal.
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Para ler: Celestina, e Memórias do Concelho do Sabugal, de Joaquim Manuel Correia, ed. Câmara Municipal do Sabugal.
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Para ouvir: «The Jamie Saft Trio, Plays Bob Dylan», Trouble, ed. Tzadik.
«Joe Henry», Civilians.
«McCoy Tyner Quartet», Walk Spirit, Talk Spirit, McCoy Tyner Music.
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«Páginas Interiores» opinião de José Robalo
joserobaload@gmail.com
O romance inédito de Joaquim Manuel Correia «Celestina-Episódios da última guerrilha carlo-miguelista» foi apresentado no sábado, 5 de Abril, durante as comemorações dos 150 anos do seu nascimento que decorreram no Auditório Municipal do Sabugal. A edição da obra pertence à Câmara Municipal do Sabugal e à Empresa Municipal Sabugal+ com o apoio da família do autor.
O manuscrito «Celestina» está datado de 1904 quando Joaquim Manuel Correia já vivia nas Caldas da Rainha e a última revisão de 1945 pouco antes de morrer.
Posteriormente o filho Fernando voltar a rever as 726 páginas em formato A5 dactilografado por quatro pessoas em 1966. Foi por essa altura que Jesué Pinharanda Gomes teve em seu poder o romance com o objectivo de preparar a sua edição o que não se veio a concretizar.
«Celestina» é um romance histórico que nos ajuda a compreender as aldeias sabugalenses do final do séc. XIX e princípios do séc. XX.
«O retrato da vida de aldeia, simples, pura, familiar, temperada com a rudeza do trabalho do campo que, embora nem um nem outro tivessem experimentado directamente, assistiram ainda em passeios a quintas, tapadas e lameiros; o diálogo vivo raiano em que o uso da gíria quadrazenha empresta um sabor regional único: a presença de Coimbra, marcante na vida de ambos, como em qualquer das gerações estudantis de oitocentos – o rio, os passeios no Choupal, as serenatas ao luar, as partidas aos lentes e, finalmente os estados de alma – as paixões, os ódios, os ciúmes que entusiasmavam os seus espíritos românticos, poetas como o foram ambos, autor e filho revisor» pode ler-se na dedicatória e agradecimentos da neta do autor Natália Correia Guedes na introdução do romance.
Aproveitamos ainda para destacar um outro passo da mesma introdução: «Entre duas paixões se desenrola a acção de Celestina, a guerrilha política carlo-miguelista e o amor impossível de Celestina por D. Benito. Na sua órbita tanto aparecem os meandros secretos da Ordem de São Miguel da Ala, como a pacatez aldeã com todo o sabor e sabedoria das gentes e da Natureza, das refeições à lareira, dos trajes, da luz e das sombras da candeia, dos jogos tradicionais, das festas, das rezas para curar, das artes e das técnicas. A acção passa-se entre 1872-75, em plena Pavorosa, à facção miguelista tinham aderido não só ricos proprietários e fidalgos, mas também párocos de dezenas de aldeias próximas de Aldeia da Ribeira, quartel-general do cérebro, o padre João de Matos, o Barrocas, Aldeia da Dona, Vale das Éguas, Miuzela, Aldeia da Ribeira, Cró, Valongo, Alfaiates, Quintas de São Bartolomeu, Lajeosa, Aldeia do Bispo, Fóios, Aldeia Velha, Malhada Sorda, Vila do Touro, para citar apenas algumas.»
E como mais vale tarde do que nunca é justo destacar o empenho de Manuel Rito, presidente da Câmara Municipal do Sabugal e de Norberto Manso, presidente da Sabugal+ que abraçaram este projecto e o deram à estampa.
O Capeia Arraiana recomenda vivamente o romance «Celestina» que ao longo das suas 500 páginas nos ajuda a compreender melhor os últimos 150 anos das nossas terras e das nossas gentes raianas.
jcl apoiado em excertos retirados da introdução à obra
Homem de cultura e etnógrafo, jurista de profissão, Joaquim Manuel Correia nasceu em 1858, na Ruvina, concelho do Sabugal. No dia 5 de Abril terão início as comemorações dos 150 anos do seu nascimento com diversas iniciativas no Museu e Auditório Municipal do Sabugal.
As comemorações da passagem dos 150 anos do nascimento de Joaquim Manuel Correia arrancam no sábado, 5 de Abril, organizadas pela empresa municipal «Sabugal+», Museu Municipal e Câmara Municipal do Sabugal.
A sessão de abertura (nove horas da manhã) está marcada para o Auditório Municipal, com as intervenções do presidente do município sabugalense, do presidente do conselho de administração da «Sabugal+» e de Natália Correia Guedes, neta do homenageado.
As palestras da manhã, com a participação de ilustres intervenientes, serão preenchidas com a sapiência de João Serra (Os trabalhos de Joaquim Manuel Correia), mestre Pinharanda Gomes (Aspectos da vida e obra de Joaquim Manuel Correia), Manuel Leal Freire (A vida de uma família na Ruvina nos meados do século XIX), Adérito Tavares (O país e o Sabugal – Enquadramento Histórico – 1858-1974) e Manuel Meirinho Martins (O Sabugal de Hoje).
Da parte da tarde, pelas 16 horas, será inaugurado no Museu do Sabugal uma exposição comemorativa e terá lugar uma sessão de lançamento do livro «Celestina» de Joaquim Manuel Correia.
Joaquim Manuel Correia nasceu a 21 de Março de 1858 na freguesia da Ruvina, concelho do Sabugal. Formou-se em Direito no ano de 1888 na Universidade de Coimbra e veio a falecer nas Caldas da Rainha no dia 10 de Outubro de 1945.
Exerceu como advogado no Sabugal e nas Caldas da Rainha, foi conservador do Registo Civil de Leiria e presidente da Câmara Municipal das Caldas da Rainha.
Homem de cultura é autor de vários livros sobre as gentes e as terras raianas com destaque para «Terras de Ribacôa – Memórias sobre o Concelho do Sabugal». Alguns dos mais importantes achados arqueológicos do Sabugal foram por si recolhidos, catalogados e enviados para o Museu Nacional de Arqueologia.
Aqui deixamos aos nossos leitores um excerto do livro «Celestina»:
«O dia estava belo e tudo preparado para a romaria. Todos os casados desse ano, da aldeia de Ruvina, no concelho do Sabugal, estavam já prontos para a partida, uns a pé, outros a cavalo. A família Calamote resolveu ir de carro (de bois), que ficara armado na véspera com alvos lençóis de linho, ligados fortemente aos estadulhos. Faltava só cobri-los com colchas. Sobre isso houvera divergências em casa. A Brízida queria que se enfeitasse o carro com uma colcha amarela, as filhas com uma linda colcha bordada a frouxo, em pano de alvíssimo linho, embora grosseiro, na qual, entre ramos caprichosos, havia correctas figuras em posições extravagantes.
Venceu a Brízida, alegando, e com razão, ser mais vistosa a colcha amarela e que, ainda que se estragasse, havia muitas iguais à venda.
Resolvida desse modo tal contenda, teve o ganhão ordem de cobrir o carro com a coberta amarela, logo que nascesse o sol, e de lhe estender dentro os melhores cobertores para atenuar o choque e a trepidação na
marcha. Eram sete horas da manhã quando a Domingas e o marido foram saber se já estavam prontos.
– Vou já vestir as meninas e encher as cuncas de merenda, enquanto o ganhão põe os bois no carro e o meu homem enche a borracha de vinho e albarda a égua nova.
– Não sabia que tinham uma égua nova!
– Pois temos, trocámos pela russa e vamos hoje experimentá-la à Senhora da Póvoa.»
Excelente iniciativa com ilustres intervenientes. Um momento superior de cultura e de defesa da nossa história.
jcl
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