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Através da Crónica de D. Fernando, o Formoso, de Fernão Lopes, ficamos a saber que este monarca, promulgou em Santarém no ano da graça de 1375, a Lei das Sesmarias, que ordenava entre outros o seguinte: «Todos os que tivessem herdades fossem obrigados a lavrá-las e a semeá-las; se o senhor das herdades as não pudesse lavrar por serem muitas ou em diferentes partes, que lavrasse as que mais lhe conviesse e as outras as fizesse lavrar por outros de modo que todas as herdades que pudessem dar pão fossem semeadas de trigo, cevada e milho…»
Os nossos primeiros reis sempre tiveram uma grande preocupação pelo povoamento do Interior, assente na ideia de que as pessoas são o sangue de qualquer território. A peste negra que abalara toda a Europa, havia dizimado muita gente e as cidades escasseavam de mão-de-obra, razão pela qual se verifica nesta época um êxodo em grande escala para os grandes centros urbanos; assistimos assim à fuga dos servos da gleba para as cidades, onde viriam a encontrar mais facilmente trabalho nas novas artes e ofícios. Estamos na fase do desmoronar do regime feudal, com o princípio do fim da enfiteuse e com o aparecimento de uma nova classe social agitadora para a época, a burguesia.
A Lei das Sesmarias é assim uma lei revolucionária, que visa inverter a tendência de desertificação massiva dos campos, com consequente fixação de pessoas no interior e no campo, uma verdadeira reforma agrária que em Abril de 74 se traduziu pelo princípio insurrecto tão em voga de «a terra a quem a trabalha».
O nosso concelho é um território com algum potencial agrícola, mas com constrangimentos ao nível da exploração dos solos, por nos encontrarmos num espaço de minifúndio. O Sabugal tem potencial agrícola e agro-florestal, que é premente apoiar e incentivar, com uma lei de emparcelamento que permita desenvolver novas políticas agrárias. Talvez a produção florestal em regime de associação de proprietários fosse também um caminho a trilhar, incorporando uma atitude empresarial e profissional. Num concelho rural como o nosso, é premente aproveitar os instrumentos financeiros disponíveis para o apoio à diversificação agrícola, dignificando assim essa nobre profissão dos meus avós que foi agricultura, a pecuária e a pastorícia.
Em Ruivós, fui encontrar o meu amigo Paulo Rebelo, jovem agricultor, que com algum desencanto na voz, sempre vai dizendo, que «a agricultura é o parente pobre, das actividades económicas e que os apoios e incentivos a esta actividade escasseiam»; não chegam a quem deles necessita por inoperância, por falta de divulgação, muitas vezes por falta de apoio técnico e por burocracia associada aos pedidos de apoio. Com orgulho, diz-nos que: «Apesar de todas as dificuldades não desiste porque está na profissão de que gosta e que escolheu para sobreviver», reconhecendo que »os poucos apoios e incentivos que vai tendo sempre vêm do município», lamentando que «num país carenciado como o nosso sejam devolvidos fundos de apoio à agricultura e espaço rural por inabilidade técnica e política de quem nos governa».
É assim urgente intervir numa área fundamental para a criação de riqueza e fixação de pessoas no Interior e nas funções emergentes do espaço rural segundo o modelo europeu de desenvolvimento rural sustentável, integrando os bens naturais e paisagísticos num novo e atractivo conceito de ruralidade, dignificando e dando uma visão empresarial à agricultura e floresta (rejuvenescendo o tecido empresarial agrícola, cativando os jovens para modos de produção integrada ou biológica) como novo sangue do território rural. Criar competências aos jovens que queiram fixar-se para empreender actividades agrícolas e de produção florestal que tragam benefícios ambientais e contribuam para a manutenção de biodiversidade, é uma boa causa que a todos deve unir.
:: :: PARA LER :: ::
«Crónica de el-rei D. Fernando de Fernão Lopes», na Biblioteca Nacional Digital.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«Kind of Blue de Miles Davis», da CBS, gravado em 1959, com a participação de Bill Evans ao piano, Julian Adderly, ao saxofone alto, John Coltrane, sax tenor, Paul Chambers no contrabaixo e James Cobb na bateria. Não é possível encontrar melhor naipe de virtuosos, numa improvisação desconcertante.
«Gordon Haskell, Harry’s Bar», East West 0927439762.
«Páginas Interiores» opinião de José Robalo
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Longe vai o tempo e com alguma nostalgia recordo a carrinha da Gulbenkian, uma biblioteca itinerante que periodicamente nos cultivava e combatia o isolamento em que nos encontrávamos no final da década de 60 do século passado. Foi através dessa biblioteca itinerante, que fui tendo acesso a livros que me prenderam e viciaram para sempre como leitor.

Nesse primeiro embate com a leitura, descobri e aprendi a gostar de dois grandes autores portugueses e verdadeiros artesãos da língua portuguesa: Camilo Castelo Branco e Aquilino Ribeiro. A leitura destes dois mestres da narrativa apetrecha-nos com as ferramentas essenciais para o domínio da nossa língua.
Estamos no Natal!
Foi nesta época de sonhos fixos na chaminé por onde descia o Menino Jesus, que num desses natais li duas histórias que nunca mais esqueci: O Romance da Raposa e O Malhadinhas de Aquilino Ribeiro. Era o tempo em que o mundo ainda não andava torto.
Num qualquer lugar das Beiras, recolhidos do frio e à lareira, ler o Malhadinhas é reencontrar o retrato físico e psicológico do almocreve beirão, que percorria as nossas aldeias, temperado pela malícia da vida danada e madrasta. Ficamos ainda a saber que o nosso herói, numa das suas aventuras se recolheu à sua fazenda do Sabugal, quando Aquilino nos diz: «Acolhi-me à minha fazenda do Sabugal com reiuna bem escorvada.»
Se o caro amigo leitor não tiver tempo para a leitura de toda a narrativa aconselho-o a percorrer o capítulo IX, onde o nosso herói, tem um encontro com a neve e os lobos, acompanhado por um frade.
Será possível recuperar a democratização da cultura, com uma biblioteca itinerante?
Boas leituras e um Feliz e Santo Natal.
:: :: PARA LER :: ::
«O Romance da Raposa», de Aquilino Ribeiro, Livraria Bertrand.
«O Malhadinhas», de Aquilino Ribeiro, Livraria Bertrand.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«Beck : Sea Change», Geffen.
«Concertos para piano, nº 24, 25, 26 e 27 de Mozart, Berliner Philarmoniker», tendo como solista Daniel Barenboim, Teldec.
«Páginas Interiores» opinião de José Robalo
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Considerado o concelho do Sabugal no seu todo, a vila do Soito é pioneira na sua capacidade de iniciativa e dinamismo, associando actividades produtivas e desenvolvimento.
As suas gentes empreendedoras tornam esta vila num caso único de luta contra a adversidade e fatalismo, doença de que padece o interior, criando empresas de sucesso, geradoras de riqueza, postos de trabalho e consequente fixação de pessoas. Com algum saudosismo aqui e ali ainda se fala dum passado onde o contrabando foi protagonista e cujo desaparecimento fez temer o pior. O Soito no entanto, tem sabido reagir a estas adversidades e constrangimentos, com muito trabalho árduo e dinamismo, numa crença firme de que este território tem futuro.
Entre as diversas empresas que compõem este universo de que falo, destaco «Os Gelados Nevão, Lda.», liderada por Manuel José Lopes, que desde sempre me habituei a reconhecer e respeitar, empresa fundada em 1967 e que com muita perseverança, dedicação e trabalho se tem imposto pela qualidade dos seus produtos de excelência.
Inicialmente esta empresa apenas produzia gelados, mas muito cedo foi diversificando a sua produção, aparecendo hoje no mercado com nome reconhecido no segmento da pastelaria.
Nesta época natalícia e porque o bolo-rei é rei, destaca-se a qualidade deste produto por ser de fabrico caseiro, genuíno e exclusivo do Soito. Diz-nos Abel Lopes: «Neste momento estamos a exportar bolo-rei e pão de ló para França, Suíça, Luxemburgo e Angola, com uma capacidade de produção de 1200 unidades diárias. Nesta época de Natal consumir o bolo-rei fabricado por esta empresa é consumir um produto genuíno e de altíssima qualidade.»
Diz-nos ainda Abel Lopes: «No mercado nacional abastecemos os distritos de Guarda, Castelo Branco e o sul do distrito de Bragança.» Com algum orgulho na voz o Abel, diz-nos que «o pasteleiro já trabalha na empresa vai para 34 anos e que a organização tem vários trabalhadores com mais de 30 anos de casa», o que reforça a ideia de estarmos perante um estabelecimento familiar de sucesso, com 11 trabalhadores.
O segredo do êxito é simples: farinha, frutos secos e frutas cristalizadas superiores. Nesta época de Natal ao consumirmos e oferecermos aos nossos amigos este bolo-rei estamos apostar na qualidade e a valorizar o que de muito bom se faz nesta terra.
:: :: PARA LER :: ::
«Syngué sabour, Atiq Rahimi, P.O.L.», prémio Goncourt 2008.
«As aventuras de Oliver Twist», Charles Dickens.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«Micah Hinson P., and the red empire orchestra».
«Gustav Mahler, Symphonie nº4, Berliner Philharmoniker», Herbert Von Karajan.
«Páginas Interiores» opinião de José Robalo
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Tendo já sido terra de castanheiros, pinhal e mato o sítio da Dragoa na Ruvina prepara-se para receber o futuro aeródromo do Sabugal. As obras de terraplanagem para a construção de uma pista com 700 metros de comprimento e 25 metros de largura já estão na sua fase de conclusão, junto à estrada municipal que liga as freguesias da Ruvina e Nave.
Tudo parte da paixão de António Fernandes pela aeronáutica, da sua capacidade e dinamismo para transmitir confiança e contagiar um grupo de amigos que estão dispostos arriscar as suas poupanças, num projecto pioneiro para a região e que pode vir a ser a locomotiva para o desenvolvimento. Com alguma dose de loucura e risco estes sabugalenses apostam num projecto que vai criar postos de trabalho e colocar o concelho do Sabugal no mapa.
Nenhum dos promotores é candidato a lugares autárquicos, nem pretende beneficiar das sinecuras do poder. Têm em comum o amor à terra e com total desprendimento apostam num projecto arriscado, com a consciência de que o sucesso do empreendimento estará em primeira linha, associado ao sucesso do concelho do Sabugal.
Com a construção da pista estão criadas as condições para o início de um sonho. Diz António Fernandes: «Para além do gozo pessoal que o projecto nos dá, como amantes destas coisas do espaço aéreo, já adquirimos dois autogiros e vamos preparar-nos para a curto prazo podermos dar baptismos de voo, visitas aéreas ao concelho com autogiros e ultra leves; vamos dar formação a dois jovens para que possamos criar uma escola e conceder brevets.»
Sendo um projecto pioneiro, os seus promotores estão preocupados com a vertente ecológica e protecção da natureza, criando condições para aterragem e reabastecimento de aviões no combate a incêndios.
Joaquim Brázia, gerente da firma Robinil do Sabugal e associado neste empreendimento, refere «a excelência do local, por se encontrar situado num planalto onde a pista é bem visível e a abordagem é facilitada pelas condições ímpares do local». Acrescenta ainda que este projecto «para além de necessitar da aprovação e homologação do INAC, só será viável se as autoridades locais ganharem consciência do mesmo e se encostarem o ombro». «Naturalmente que está a ser preparada uma candidatura com caderno de encargos meticuloso, para candidatar a fundos comunitários, uma vez que esta obra é dificilmente realizável sem esses apoios», conclui António Fernandes.
O sonho destes sabugalenses é ver um dia esta pista e aeródromo receber voos com aeronaves de outras dimensões e com passageiros, criando assim outro dinamismo e postos de trabalho.
Como escreveu o nosso Nobel: «Era uma vez um rei que fez promessa de levantar um convento em Mafra. Era uma vez a gente que construiu esse convento. Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha poderes. Era uma vez um padre que queria voar. Era uma vez.» (Memorial do Convento).
:: :: PARA LER :: ::
«Memorial do Convento», de José Saramago.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«Todos os amores de Tom Jobim, ou António Carlos Jobim».
«Por el mar de mi mano, Poemas y canciones», de Luís Pastor.
«Páginas Interiores» opinião de José Robalo
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Chegado ao reino do pensamento, da linguagem e das palavras, cedo compreendi que o nosso primeiro rei não foi D. Afonso Henriques. A quem nasceu em terras de Ribacôa e sempre ouviu e leu, que estas apenas foram integradas no território que é hoje Portugal no reinado de D. Diniz, sempre se dirá que foi este o nosso primeiro rei.
Ter como primeiro rei um poeta, lavrador das letras e fundador dos Estudos Gerais, sempre preocupado com a cultura e o ensino, neto de Afonso X, «O Sábio», é de facto motivo de orgulho, até porque este rei sempre teve preocupações intelectuais, razão pela qual é ainda hoje uma figura incontornável da nossa História.
É consabido que o tratado de Alcañices que definitivamente definiu as fronteiras do nosso território, onde se reconheceu a integração das terras da Ribacôa no território que é hoje Portugal, teve a intervenção de D. Fernando de Leão e Castela e de D. Diniz de Portugal e dos Algarves e foi assinado no dia 12 de Setembro de 1297; antes de mais Alcañices foi um acordo de paz, apesar do seu texto não referir em momento algum, que com a sua assinatura se colocou fim a um estado de guerra, sendo certo que é expresso o reconhecimento de que com a sua assinatura terminaram as escaramuças de ambos os lados da fronteira.
Em nosso modesto entender, está assim definitivamente afastada a tese muito mais romântica e que se adequa melhor à imagem de um rei lavrador das letras e por isso poeta, de que as terras da Riba-Côa fizeram parte de um dote de casamento do nosso rei D. Diniz com Isabel de Aragão, como circula na transmissão oral e popular. D. Diniz apesar da sua áurea de intelectual, também foi um rei guerreiro quando tal se tornou necessário, para afirmação da nossa soberania.
O lugar que é hoje o Sabugal foi habitado em tempos pré-históricos, como o demonstram os materiais encontrados, recomendando-se por isso uma visita ao museu da cidade, onde se pode apreciar um trabalho de louvar e saudar da empresa municipal e município com a colaboração dos seus técnicos. Nós que sempre nos lamentamos do nosso destino com algum pessimismo e masoquismo, temos tempo para visitar estas jóias da pré-história?
É de aceitar a tese de que quando os Romanos chegaram ao Sabugal, terão construído um castro para a sua afirmação, que visigodos e árabes não alteraram.
Foi D. Diniz que depois de prolongada guerra contra D. Fernando IV de Leão e Castela, conquistou diversas praças ao longo da linha de fronteira, nomeadamente na Ribacôa, sendo que nas mais importantes para garantir a defesa desse novo território, decidiu construir ou reconstruir os castelos e que tal decisão contemplou o Castelo de Sabugal. Tivemos mais sorte com este PIDDAC do D. Diniz do que com os do Eng. Sócrates.
Durante muito tempo ainda se acreditou que nas abóbadas que ostentam o escudo das Quinas, o brasão de Portugal, se encontrasse esta inscrição que se transmite oralmente, mas que nunca se confirmou:
Esta fez El-Rei D. Diniz,
Que acabou tudo que quis;
Pois quem dinheiro tiver,
Fará quanto quiser.
A jóia arquitectónica que é o nosso castelo, é assim uma obra da total responsabilidade deste nosso primeiro rei.
:: :: PARA LER :: ::
«O tratado de Alcanices e a importância histórica das terras de Riba Côa.»
«Actas do congresso histórico Luso-espanhol de 12-17 de Setembro de 1997», da Universidade Católica.
«Boletim da Direcção Geral dos Edifícios e monumentos nacionais, n.º 57, de Setembro de 1949», do Ministério das Obras Públicas, dedicado ao Castelo do Sabugal.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«Cantigas compostas por reis e príncipes da Idade Média», interpretadas pelo Emsemble Perceval, sob a direcção de Guy Robert e com etiqueta da Arion, referência ARN6803.
«Cantigas da corte de D. Diniz, do Theater of Voices», dirigido por Paul hilliers, etiqueta da Harmonia Mundi, referência 907129.
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A notícia aí está como uma lâmina que tudo corta à sua passagem: a livraria Byblos encontra-se numa situação de prejuízos acumulados e o sonho transformou-se em pesadelo. Não há alternativa para o fecho e a declaração de insolvência. É este o fim anunciado para «a primeira livraria de fundo editorial no nosso país, disponibilizando a totalidade das obras publicadas em língua portuguesa».

«Que fiz eu? Amei a água, a luz, o sol, as manhãs de Verão, os portos, a calma dos fins de tarde nas colinas e um sem fim de pormenores sem o mais pequeno interesse, como esta oliveira bem redonda … Não lamento nem o facto de ter vindo, nem o dever de ter de partir para o desconhecido onde ninguém, graças a Deus, nada pode saber. Encontrei a vida muito bonita e demasiado longa para o meu gosto. Tive sorte. Obrigado.»
Jean d’Ormesson
Na Rua Rivoli, não muito longe da Praça da Concórdia ao longo do Jardim das Tulherias, em Paris e numa das entradas da livraria Galignani pode ler-se: «The first english bookshop established on the continent», ficando nós a saber que esta livraria existe desde 1520, até porque foram pioneiros na utilização dessa nova invenção que foi a imprensa.
O amor às coisas da cultura e no caso concreto dos livros, fazem com que este tipo de estabelecimentos sejam procurados e frequentados, nestas sociedades onde a cultura é um bem de primeira necessidade, razão pela qual a crise não os afecta como ao invés de Lisboa onde um projecto pioneiro como a Byblos, não foi viável. Com o fim deste projecto ficamos todos mais pobres.
Na Galignani temos o prazer de encontrar as últimas novidades editoriais, nomeadamente o ultimo livro de Jean D’Ormesson, «Qu’ai –je donc fait», uma espécie de autobiografia, uma prestação de contas deste talento da literatura francesa, que também ele passou ao lado do Nobel. Membro da Academia Francesa, ocupante da cadeira n.º 12, Jean D’Ormesson para além ser um homem de talento, de olhar inteligente e azul penetrante, é um bom contador de histórias que cativa e dimana simpatia. Foi Jean D’Ormesson, que quebrou barreiras e preconceitos ao propor uma mulher para integrar pela primeira vez a Academia Francesa, in casu Marguerite Yourcenar.
Num país e numa cidade onde a cultura é um bem de primeira necessidade ainda temos tempo para um concerto no Olympia, onde a figura de cartaz é Bernard Lavilliers, que não facilita e arrebatador abre as hostilidades com Samedi soir à Beyrouth, ao que se segue Solitaire, terminando com sons afro-brasileiros e com uma plateia repleta completamente rendida, mais fazendo lembrar o sambódromo do Rio de Janeiro.
Amantes da cultura, os franceses preservam e cultivam os seus valores. O prazer é acrescido quando na despedida deste Paris que os parisienses com carinho designam por Paname, no coração do velho Montmartre, no Auberge de La Bonne Franquette e na companhia do seu proprietário recebo uma lição sobre champagnes ao mesmo tempo que degustamos um Ruinart. Estando ao lado da Place du Tertre, não é estranho que este espaço tenha sido frequentado por gente como Pissaro, Cézanne, Toulouse – Lautrec, Renoir, Monet e até tenha servido de inspiração a Van Gogh para pintar Les Guinguettes.
:: :: PARA LER :: ::
«Qu’ai – je donc fait», de Jean d’Ormesson, ed. Robert Laffont.
«O Porteiro de Pilatos ou o Segredo do Judeu Errante», ed. Europa América, de Jean d’Ormesson.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«Samedi soir à Beyrouth», de Bernard Lavilliers.
«Les 100 plus belles chansons, 1975-1983, », Renaud.
Auberge de La Bonne Franquette aqui.
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O dia 15 de Novembro é dia maior das festividades da república onde passei grande parte dos meus tempos de Coimbra. «A malta está em festa, com aprovação dos Deuses do Olimpo, celebra-se o XLV Centenário da República.»
Quando uma ilha se afunda
deixa na linha do horizonte a dúvida
e espalha círculos vazios no mar
– que são perguntas diluídas, imagens
de nuvens, sintaxe de silêncio,
deuses perdidos, memórias do esquecimento.
Vasco Pereira da Costa
O convite que me foi endereçado reza ainda, «não faltarão as mais exóticas iguarias regadas pelo divino néctar», o que significa que as honras a Baco vão ser celebradas com um opíparo e etílico jantar.
O centenário da Republica é a oportunidade para reencontrar velhos amigos com os quais partilhei parte da minha juventude numa aprendizagem de valores tais como a solidariedade, liberdade, responsabilidade, porque como dizia um colega republico «o colectivo está em primeiro lugar». As repúblicas em Coimbra são comunidades onde a democracia funciona na sua plenitude, num permanente respeito pelo outro, ou talvez como canta Bernard Lavilliers «sou anarquista uma vez que concebo anarquia como sendo a ordem, sem o poder», porque o que falta à nossa época é a gratuitidade, ou seja, fazer algo sem contrapartidas.
Como vai longe o tempo, do caloiro que desembarcou na Rua da Matemática na alta de Coimbra, onde a cidade fervilhava de ideias e projectos que nunca chegámos a concretizar, num idealismo e irreverência permanente, nos cafés Kalifa e Museu. Para o proprietário do Museu, que apenas via cifrões, desenhámos esta quadra que cantávamos, com prazer acrescido quando este estava presente:
Oh Sé Nova, Oh Sé Nova
Aos teus pés está o Museu
Tem lá um bruto dentro
Que parece um camafeu.
De Coimbra guardo ainda a saudade de alguns amigos, sendo especial a amizade que me ligou ao Zeca Afonso e à sua companheira Zélia, já no final da vida do primeiro. Admirava o seu espírito crítico, o seu inconformismo permanente e até doíam as críticas corrosivas ao então desgoverno socialista. Que diria o amigo Zeca deste socialismo que nos governa? Será que não criaria um novo hino à liberdade, à semelhança do Grândola Vila Morena?
Hoje não vou poder estar presente no repasto com pena minha até porque como diz o convite, seguir-se-á como habitualmente um sarau com «triatro», onde não faltarão as intervenções eloquentes do Vasco Pereira da Costa e do Carlos Alberto Moniz.
:: :: PARA LER :: ::
«Amanhece a cidade», de Vasco Pereira da Costa.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«Toda a obra de José Afonso», com um fraquinho pelo Vejam Bem e Cantigas do Maio.
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Se percorrermos a história da Humanidade e analisarmos o naipe dos ódios, aquele que nos aparece em primeiro lugar tendo em consideração a sua perfídia e intensidade, é o ódio entre religiões, seitas e interpretações da palavra do profeta e dos versículos. Estas questões mataram e continuam a matar milhões de pessoas.
«Como calar tantas formas de violência praticadas em nome da fé? Guerras de religiões, tribunais da Inquisição e outras formas de violação dos direitos das pessoas… Torna-se necessário que a Igreja, em conformidade com o Concílio do Vaticano II, reveja por sua própria iniciativa os aspectos mais obscuros da sua história, valorizando-os à luz dos princípios do Evangelho.» João Paulo II.
«El Hereje» é uma novela histórica que relata a intolerância religiosa da sociedade espanhola do século XVI, dominada pela Inquisição, denunciando a perseguição que foi movida aos luteranos em Valladolid, constituindo assim um verdadeiro manifesto a favor da liberdade religiosa e da tolerância.
O seu autor Miguel Delibes, membro da Real Academia de Espanha, nosso conterrâneo de Castilla y Léon, natural de Valladolid, é um escritor de mão-cheia, tendo já sido distinguido com diversos prémios, onde se destacam o Prémio Nacional de Literatura e o Prémio Príncipe de Astúrias das Letras, ao mesmo tempo que já foi proposto para Prémio Nobel da Literatura pela Junta de Castilla y Léon, proposta que este humilde leitor subscreve.
Miguel Delibes, nesta sua novela consegue descrever o ódio do ser humano para com o seu semelhante pela simples razão de se ser e pensar diferente. O personagem principal do romance «El hereje», Cipriano Saucedo é condenado às chamas da Inquisição, com a confiscação de todos os seus bens, pelo facto de ter aderido às teses de Lutero e da Reforma, não alinhando pelo pensamento dominante.
Foi este sentimento de intolerância que em Portugal levou à fogueira do Santo Ofício o dramaturgo António José da Silva «O Judeu» em 1739, só pelo facto de ter nascido no seio de uma família judaica, pese embora ter mentido perante o tribunal, ao afirmar-se como católico.
:: :: PARA LER :: ::
«El Hereje», de Miguel Delibes.
:: :: PARA VER :: ::
«Los Santos Inocentes», um filme de Mario Camus, baseado numa novela de Miguel Delibes.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«Os concertos para piano de Johannes Brahms», tendo como solista Emil Gilels, com a orquestra Filarmónica de Berlim, dirigida por Eugen Jochum, com selo da Deutsche Grammophon.
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A História de Portugal está recheada de homens de talento que nas mais diversas áreas se têm destacado, homens que pelo contributo que deram ao pensamento humano, nos fazem sentir orgulhosos de sermos lusitanos e portugueses.
Luís António Verney é um desses pensadores. Pedagogo que desde sempre me habituei a respeitar, um iluminado, que tendo contactado com pensadores por toda essa Europa civilizada, soube traduzir as suas aprendizagens, advogando uma verdadeira reforma no ensino, que no seu entender seria a alavanca para o desenvolvimento, numa obra que ainda hoje é um tratado de pedagogia: «O Verdadeiro Método de Estudar.»
Este estrangeirado contribuiu com o seu trabalho e pensamento para a modernização do ensino e da escola em Portugal, uma vez que estes padeciam de um atraso atávico que vinha da Idade Média, da Inquisição e dos Jesuítas.
O contributo de Verney, foi decisivo para a modernização do ensino e da escola em Portugal, um pouco com o apoio desse grande estadista que foi o Marquês de Pombal, outro iluminado, que sempre acreditou que o desenvolvimento de um país assenta na Escola.
O pensamento de Verney exposto de forma epistolar foi revolucionário para a época quando defendeu entre outros o acesso da mulher à educação, uma vez que «nenhuma vontade é mais natural que a vontade de conhecimento», sendo certo que a ignorância nos angustia.
O encerramento das escolas no Interior e mais concretamente no nosso Sabugal tem sido um verdadeiro drama nalgumas aldeias, contribuindo decisivamente para a morte definitiva destas pequenas comunidades.
Sou daqueles que pensam que o encerramento destas escolas é um passo atrás no nosso desenvolvimento e que tudo deveríamos fazer para que tal não acontecesse, ou tivesse acontecido, apesar de ser sensível aos argumentos dos defensores dos centros educativos.
Não podemos aceitar que sem se ter em consideração as condições específicas das populações do interior, o povoamento disperso em pequenas comunidades que são as nossas aldeias, se fechem estas pequenas unidades educativas que tanto contribuiram e contribuem para a fixação de pessoas no Interior, através de um diploma legal cego fabricado em Lisboa e que apenas tem como única finalidade o combate ao défice.
Obs. Faz hoje duzentos e cinquenta e três anos que sofremos uma das maiores catástrofes naturais que abalou o país. O terramoto de 1755, foi especialmente mortal pela sua intensidade e pelo facto de as Igrejas estarem repletas de gente que celebrava o dia de Todos-os-Santos. Não seria interessante fazer o levantamento das consequências deste fenómeno no nosso concelho?
:: :: PARA LER :: ::
«O Verdadeiro Método de Estudar de Luís António Verney», da Livraria Sá da Costa em 2 volumes.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«Duke Ellington And his famous orchestra».
«Que Grande es esto del amor!», Café Quijano.
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Daniel Cohn-Bendit, foi estudante de Sociologia na Universidade de Nanterre, anarquista e revolucionário, tendo liderado o Maio de 68, o movimento estudantil mais marcante do séc. XX.
Hoje é um homem acomodado na vida, eleito eurodeputado pelo partido ecologista, com posições políticas muito moderadas, comprovando assim a veracidade da afirmação de Willy Brandt, quando dizia: «Quem aos 18 anos não é marxista-leninista não tem coração e quem, aos 30, ainda se mantém marxista-leninista não tem cabeça.»
Numa entrevista recente a uma rádio de língua francesa era ouvi-lo acérrimo defensor das políticas financeiras implementadas pelos líderes ocidentais com a compra de activos poluídos, defendendo no entanto o pensamento económico de John Maynard Keynes.
Confesso que as teorias de Keynes sempre me fascinaram, com a defesa da intervenção do Estado na economia, onde o desenvolvimento económico é visto na perspectiva da despesa, com o consequente efeito multiplicador: ao comprar, o consumidor está a dar ordens ao produtor e assim sucessivamente…
Sendo um leigo nesta ciência que é a economia, admiro os pensadores que desdobrando e desmontando os seus conhecimentos conseguem fazer com que qualquer iniciado possa aceder com facilidade a teorias que à partida são por natureza complexas, o que o novo Prémio Nobel da Economia Paul Krugman, professor na Universidade de Princeton, consegue traduzir com naturalidade.
Apoiante de Obama, Paul Krugman é partidário das teorias de Keynes defendendo uma intervenção do Estado na economia como seu regulador e estimulador.
No último artigo da sua autoria publicado no The New York Times, este economista deixa estas sugestões maravilhosas: «Em contrapartida há muita coisa que o Governo pode fazer pela economia. Pode aumentar as pensões dos desempregados, o que ajudará as famílias a resolver os seus problemas ao mesmo tempo que põe dinheiro nos bolsos de gente que o irá gastar… É chegado o momento de realizar infra-estruturas importantes e de que o país necessita: estradas, pontes, linhas de caminho de ferro… O que se necessita neste momento é mais despesa pública… Uma política responsável, neste momento deve dar à economia o que esta necessita. Não é o momento de nos preocuparmos com o défice.»
Vivendo em profunda recessão económica, nada melhor do que pôr o Estado a investir e a injectar energias na economia, para que num efeito multiplicador como ensinou Keynes, se combata o pessimismo, com aumento da procura e a consequente resposta da produção. O desenvolvimento económico gera-se incrementando a despesa.
Como o caro leitor pode concluir o nosso Governo tem feito o contrário, com sobrecarga de impostos, aumentando as receitas fiscais, mas diminuindo os rendimentos das famílias, encerrando serviços públicos e congelando salários e pensões.
Nas suas palavras sábias o Nobel da Economia defende precisamente o contrário, quando escreve: «Não é o momento de nos preocuparmos com o défice.»
:: :: PARA LER :: ::
«The conscience of a liberal», Paul Krugman.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«Joseph Haydn, Die Schöpfung, The creation», Berliner Philharmoniker, Herbert Von Karajan, Deutsche Grammophon.
«Best Of», Angelo Branduardi.
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Bernard Pivot é um intelectual francês com muito talento que me habituei a respeitar quando nos finais dos anos 70 do século passado moderava um dos programas culturais de referência na televisão francesa, de nome Apostrophes, que mais tarde veio designar por Bouillon de Culture.
Como ninguém, Bernard Pivot, soube divulgar a cultura e os livros junto do grande público. Deste autor li no ano de 2007 o Dictionnaire Amoureux du Vin, da editora Plon, onde nos dá uma demonstração de saber sobre um dos produtos mais venerados no Ocidente: o vinho. Com a leitura deste livro ficamos a saber muito mais sobre este néctar e ensinamentos de um intelectual que nasceu numa família vinhateira da região do Beaujolais e da Bourgogne.
Encontrando-nos em plena época de vindimas, sempre se dirá que o Sabugal já foi região de vinha protegida por privilégios régios. Rezam as crónicas e as Memórias Paroquiais do Sabugal editadas pela Associação Recreativa e Cultural dos Forcalhos, pela mão de Carlos Henrique Gonçalves Jorge, que «El Rey Dom Diniz, e de Dona Isabel sua mulher para que nenhuma pessoa de fora pudesse encubar vinho, nem trazê-lo à mesma vila e seu termo enquanto nela o houver de sua colheita». «Estes privilégios foram confirmados por El Rey Dom João o primeiro por carta passada em Coimbra aos 14 de Fevereiro de 1433.»
Ficamos assim a saber que o Sabugal já foi termo de produção de vinho a merecer protecção régia e enquanto houvesse produção própria nenhum estrangeiro poderia vender vinho na nossa cidade.
Pelas Memórias Paroquiais do concelho do Sabugal, ficamos ainda a saber que o cultivo da vinha caiu em desuso e em 1758, «E suposto hoje se não ache nesta vila nem em seus limites vinha alguma, há contudo memorias autenticas de que antigamente houvera muitas, pois em duas partes por donde o Rio Côa passa nesta vila por poldras, são as mais delas pesos de lagar, além de muitas outras que se acham por várias partes das ruas desta vila». Assim depois de ter sido vila vinhateira, os lagares do Sabugal foram destruídos e a pedra utilizada para calcetamento das ruas e atravessadouros no rio Côa.
Terra produtora de vinho sempre fez jus a esta actividade, porquanto nos meados desse século XVIII um alto funcionário da administração destacado nesta vila, refere-se à vida dos mais abonados que numa desaplicadíssima inacção, se dedicavam com afinco à dança, à música e ao vinho.
Sabendo nós que a produção deste néctar está dependente de vários factores como o clima, os solos e o terroir, é chegado o momento de podermos produzir vinhos com a denominação de vinho Regional das Beiras! Para tal o Diário da República, folha oficial do regime, no dia 11 de Fevereiro de 2005, através da Portaria n.º 166/2005, oficializou a produção de vinho regional das Beiras no concelho do Sabugal, conforme anexo junto a tal portaria…
Portaria n.º 166/2005 – Disponível aqui.
Obs. Agradeço ao cibernauta que me ofereceu o último CD de Bernard Lavilliers, «Samedi soir à Beyrouth».
:: :: PARA LER :: ::
«Dictionnaire amoureux du vin», Bernard Pivot, Plon.
«Memórias Paroquiais do Concelho do Sabugal», da Associação Recreativa e Cultural dos Forcalhos.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«Carl Orff», Carmina Burana, Sony.
«Wynton Marsalis, Quartet, Live», at Blues Alley.
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Epiménides, foi um poeta e filósofo, que se imortalizou quando afirmou que «todos os cretenses são mentirosos», sendo certo que ele próprio era cretense. Este é o célebre paradoxo de Epiménides.
Tendo vivido no séc. VI a.C., pouco chegou até nós acerca da sua personalidade e tudo o que veio ao nosso conhecimento é um pouco fantasioso, como a sua própria vida, não tendo qualquer fundamento as informações que afirmam que este filósofo podia «viajar fora do seu corpo» e que terá vivido cerca de 300 anos.
Afinal onde está a verdade e a mentira naquela afirmação? Seriam todos os cretenses uns mentirosos, ou em Creta não reinava a mentira, havendo apenas lugar para a verdade?
No próximo ano vamos tomar decisões muito importantes, sobre o nosso destino colectivo e para o bom funcionamento do nosso regime democrático. Os portugueses vão ser chamados a decidir o seu futuro, em diversos domínios da sua vida colectiva entrando naquilo a que comummente se designa por período prolongado de reflexão. Aproxima-se um tempo de pedirmos contas e de julgarmos os nossos políticos.
Como cidadão responsável que me julgo, sempre que me é possível tenho por hábito reler o programa eleitoral dos partidos, daqueles que designamos por partidos do poder e comparar a sua prática política, ou seja, tento aquilatar aquilo que nos foi prometido, com o que fizeram. Este exercício reaviva-me a memória e permite-me fugir à propaganda demagógica que se avizinha, com pequenas prendas e um alargamento do cinto, que tem como único objectivo enganar os incautos e caçar votos. Abriu a caça ao voto!
Se compararmos as promessas, com as realizações nos mais variados domínios que vão da Educação, à Justiça, passando pela Segurança e Economia, somos levados a concluir que este Governo nos mentiu, não cumprindo o programa com que foi a votos e como tal não pode merecer a nossa confiança.
Fiel ao paradoxo de Epiménides, o réu em pleno tribunal afirmava «Enquanto a minha mentira não for desvendada, continuarei mentindo». Felizmente que nos é mais fácil desvendar as mentiras dos políticos, do que o paradoxo de Epiménides!… Porque, continuava o mesmo réu, «quem for capaz de desvendar a minha mentira dirá a verdade».
:: :: PARA LER :: ::
«Uma Campanha Alegre», de Eça de Queiroz.
«A Queda de um Anjo», de Camilo Castelo Branco.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«The Paris Concert», de John Coltrane, tão só o melhor saxo tenor da história do jazz.
Cláudio Abbado, «The Berlin Álbum», com a Berliner Philharmoniker, da Deutsche Grammophon.
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A história é por demais conhecida: a leitura das novelas de cavalaria fizeram com que D. Quixote perdesse o siso e é vê-lo armar-se cavaleiro e a correr mundo, com o cavalo Rocinante e um aio fiel Sancho Pança com o Ruço, dispostos a combater todo o tipo de desagravos.
Num lugar da Mancha, de cujo nome não quero lembrar-me, vivia, não há muito, um fidalgo dos de lança em cabido, adarga antiga, rocim fraco e galgo corredor (…)
Miguel de Cervantes, D. Quixote de La Mancha
De cabeça perdida luta contra inimigos putativos, os moinhos de vento, que toma por gigantes, apesar das recomendações do pobre Sancho Pança, que atónito assiste à loucura do seu amo. Alucinante…
Conhecedor desta loucura do cavaleiro andante, Sancho Pança não desarma perante a promessa de vir a ser governador de uma ilha. Sancho, um pobre homem avisado, mas um pouco néscio, sempre vai desconfiando da sua competência para vir a ser governador de uma ilha, ele um pobre e boçal pegureiro. Obnubilado pela volúpia do poder, não desiste de ser companheiro da estultícia do seu amo, porquanto confia nas capacidades da sua Sancha que ficou em casa a tratar dos filhos e dos porcos. As suas limitações serão sempre supridas pelos préstimos da sua Sancha e este pensamento reconforta-o.
Como refere o próprio Cervantes, lançando mão do dito popular, «pelo dedo se conhece o gigante» esta ambição desmedida do ser humano, torna-o escravo da sua loucura: o importante é ter poder, distribuir mordomias e ser venerado.
Pelas mesmas razões, o frade ambicioso e prevaricador do auto de Gil Vicente, ambicionava a ser bispo, nem que fosse da Berlenga.
:: :: PARA LER :: ::
«D. Quixote de la Mancha», de Cervantes.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«Jack Dejohnette, New Directions, in Europe», ECM.
«The history of Art Blakey, and the Jazz Messengers», quiça os dois melhores bateristas de jazz de sempre.
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Enquanto estudante em Coimbra, a história circulava e ouvia-a com algum fascínio: recém-chegado a Coimbra, Eça de Queiroz espantava-se com os discursos inflamados de um senhor já entrado na idade, discursos que versavam sobre o anarco-sindicalismo, tão em voga nos finais do século XIX. Questionando-se Eça, sobre o autor de tal dialéctica, responderam-lhe: «É o poeta Antero.»
«…Oponhamos à monarquia centralizada, uniforme e impotente, a federação republicana de todos os grupos autonómicos, de todas as vontades soberanas, alargando e renovando a vida municipal, dando-lhe um carácter radicalmente democrático, porque só ela é a base e o instrumento natural de todas as reformas práticas, populares e niveladoras…»
Discurso de 27 de Maio de 1871, integrado nas Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, sobre as Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos, de Antero de Quental.
Antero de Quental, para além de ocupar um lugar no Panteão dos poetas, foi um panfletário, tendo tido eco o seu texto que designou como «As causas da decadência dos povos peninsulares». Este texto que li há mais de trinta anos numa edição da Ulmeiro e resultante das famosas Conferências do Casino, em relação a Portugal, mantém toda a actualidade, uma vez que a centralização política e administrativa se acentua cada vez mais. Antero fez parte do grupo dos «Vencidos da Vida», ao qual mais tarde aderiu Eça de Queiroz e criticou o excesso de poder de Lisboa em relação ao resto do País, defendendo um estado descentralizado e desconcentrado, prestando serviços de proximidade.
Como sabemos a centralização acentua-se cada vez mais com o encerramento diário de serviços públicos. Administração Pública afasta-se assim dos cidadãos que supostamente deveria servir, tudo em nome da redução do défice e da despesa pública, onde apenas somos vistos na perspectiva de contribuintes.
O Interior está asfixiado e moribundo, sendo urgente denunciar esta política economicista, onde as pessoas são subalternizadas na cegueira do combate ao défice e ao emagrecimento do Estado, com a consequente propaganda da desvalorização do funcionalismo público.
No momento em que se discute o novo estatuto da região autónoma dos Açores, penso que seria oportuno que se discutissem novos critérios para atribuição de verbas para os municípios do interior, permitindo-nos assim obter outros meios financeiros capazes de dar resposta às nossas carências, colocando-nos assim em pé de igualdade com os municípios do litoral.
Ao escrever este texto, tive conhecimento através do amigo e colega de profissão José Manuel de Aguiar, a quem saúdo, da triste notícia do desaparecimento de mais um ilustre açoriano: Dias de Melo.
Natural da Calheta de Nesquim, aldeia de trancadores de baleias, Dias de Melo para além do talento literário de que era portador, soube colocá-lo ao serviço da denúncia da vida difícil dos baleeiros do Pico. Sugeri a leitura de um dos seus livros num dos meus textos do mês de Julho.
Dias de Melo exerceu a cidadania na sua plenitude, sempre ao lado dos homens do mar.
:: :: PARA LER :: ::
«Causas da decadência dos povos peninsulares», de Antero de Quental.
«Marilha», de Cristóvão de Aguiar.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«Por este rio acima», de Fausto.
«Mozart, Piano concertos», interpretados por Keith Jarrett.
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Vai para uns largos anos, quando num aeroporto de uma pequena cidade francesa, que penso ter sido Nice, deparei com a figura de um dos mitos da minha juventude: Bernard Lavilliers! (Actualização.)
Big Brother is watching you!
Bateaux panaméens, marchands d’armes français
Tueurs américains, matériel japonais
Capitaux catholiques, call-girls asiatiques
Big Brother is watching you!
Big Brother te regarde de son œil de plâtre
Parano et livide, décervelé noirâtre
On arrive bientôt, 1984 !
Big Brother is watching you !
Bernard Lavilliers
Atónito e um pouco incrédulo perguntei-lhe: «C’est bien vous Mr. Lavilliers?» Com uma taça de champagne na mão e um largo sorriso no olhar e nos lábios, convidou-me a uma coupe de champagne, que aceitei agradecido. Como diz o outro gigante da canção francesa, Jacques Higelin, «champagne pour tout le monde… caviar pour les autres».
Bernard Lavilliers para além de ser um gigante da nouvelle vague, com grandes influências brasileiras e africanas transformou em canção, o mito do «Big Brother» que, em 1948, George Orwell havia imortalizado no seu livro «1984».
Premonitório, para Orwell o «Big Brother» é a figura omnipresente que tudo vigia e controla, transformando os cidadãos em autómatos cumpridores das regras estabelecidas, não havendo espaço para a liberdade, tudo sob a batuta do Ministério da Verdade.
Orwell, qual visionário descreveu na perfeição o futuro e os tempos modernos onde todos aqueles que pensam diferente são eliminados e ostracizados.
Os mecanismos actuais de controlo da vida dos cidadãos são muitos e variados existindo um nivelamento por baixo, tudo começando pela classe política, sendo difícil e incómodo pensar de forma diferente.
É verdade que aqueles que exercem o domínio, controlam os mecanismos do poder beneficiando das suas sinecuras, porque como afirmava o mesmo Orwell no seu livro «O Triunfo dos Porcos»: «Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros.»
O indivíduo é controlado e vigiado, desde o seu nascimento até à morte.
Despedi-me de Bernard Lavilliers, ao mesmo tempo que trauteando o seu «Big Brother», fixámos o olhar nas câmaras de vigilância e segurança do aeroporto.
:: :: PARA LER :: ::
«1984» e «O Triunfo dos Porcos», de George Orwell.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«Bernard Lavilliers 15 eme Round» e «Jacques Higelin, Champagne pour tout le monde e caviar pour les autres».
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A Raia esteve em festa! A Raia e todo o concelho estão de parabéns! As capeias foram um sucesso e são cada vez mais um fenómeno que em interesse e animação extravasa os limites geográficos do concelho.
No dia 25 estive em Aldeia Velha e tive o prazer de constatar que é cada vez mais difícil por falta de espaço assistir ao espectáculo que se desenvolve na arena. Testemunhei que a alegria transborda da praça para as suas cercanias onde a cerveja e a boa disposição são uma constante.
Os encerros e desencerros estão cada vez mais no epicentro da festa. Os jovens têm cada vez mais entusiasmo em pegar na galha identificando-se com este fenómeno que são as capeias com forcão.
A juventude vive a aldeia dos pais e dos avós e é vê-los cada vez com mais entusiasmo a fixar residência de férias por estas bandas contagiando os amigos por esta sua devoção pela raia. A Raia é um estado de espírito.
Durante o mês de Agosto, assisti por puro prazer a várias capeias e todas elas foram um sucesso na organização e na lide dos touros com forcão, engrandecendo a nossa terra. Em termos globais os touros foram de qualidade, dignificando o espectáculo. O Zé Nói, ganadeiro dos Forcalhos tem apresentado gado cada vez com mais qualidade, sendo importante apostar no que é nosso, gerando riqueza que fica no concelho. Este é um caminho que deveremos percorrer.
Em Salamanca a Mariseca, já se encontra no ponto mais alto do Ayuntamiento na Plaza Mayor, informando que estamos em terra de touros e que as festas em honra da Virgen de La Vega e da feira taurina se aproximam.
Durante os 9 dias de festas taurinas, serão lidados touros oriundos exclusivamente de ganadarias de Salamanca: Adelaide Rodriguez, Garcigrande, La Campana, Vellosino, El Pilar e Valdefresno, entre outros. Estes festejos que têm o seu início no dia 11 de Setembro, receberão os mais consagrados matadores, tais como Enrique Ponce e José Maria Manzanares no dia 13, José Tomás no dia 16, El Fandi no dia 17 e El Juli no dia 18. Na minha perspectiva o dia 15 de reserva-nos o cartel com mais encanto nas praças espanholas esta temporada: Júlio Aparício, Morante de la Puebla e Miguel Angel Perera, com touros da ganadaria de Vellosino.
Em termos musicais e mais para a gente da minha geração, entre outros, no Domingo dia 7 poderá assistir a um concerto gratuito dos Jethro Tull, na Plaza Mayor.
Associado a todos estes eventos durante estes festejos podemos visitar uma das maiores feiras agrícolas da Europa, o que por si só merece a nossa presença, recordando-nos que nos encontramos numa região com grande potencial agrícola e ganadeiro.
:: :: PARA LER :: ::
«Dios, el diablo y la aventura, la historia de Pedro Páez el español que descubrió el Nilo Azul», de Javier Reverte.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«Jethro Tull, Living With The Past» e «The best of Jethro Tull».
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«É um dado incontroverso e incontrovertível que para poder subsistir o homem necessita de meios de subsistência, numa palavra, de bens. Bens que, sendo económicos (ou por momentânea impossibilidade de acesso ou pela sua definitiva escassez), são objecto de disputa entre os homens…» (Orlando de Carvalho)
Para ser grande, sê inteiro
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive
Ricardo Reis
Era desta forma redonda, perfeita e absoluta que o professor catedrático de Coimbra, Orlando de Carvalho, iniciava as suas lições de Direitos Reais, ou Direito das Coisas.
Em Coimbra, o nome deste professor catedrático era sinónimo de terror para os alunos atendendo aos seus patamares de exigência e rigor. Este professor que aprendi a respeitar e admirar depois da reverência inicial, era antes de mais exigente e rigoroso com ele próprio. Para além da formação científica de que era portador e que gostava de transmitir aos alunos, quer nas aulas, quer através da escrita, era uma consciência cívica e cultural brilhante, que nunca abdicou dos princípios que defendia e de que a sua obra escrita para além do direito é testemunho.
Cruzei-me com ele a ultima vez num restaurante de leitão da Bairrada num 1.º de Maio e lá estava com lenço e gravata bem vermelhos, nunca perdendo o seu ar austero. Nestas férias judiciais tive disponibilidade para o prazer de reler a sua sebenta e concluir que na sua escrita nada está a mais. Tudo é perfeito, com significado e sentido!
Eram assim os homens de carácter e de princípios.
Nestes dias em conversa com um amigo artista plástico, quando lhe perguntei se tinha vendido bem na sua última exposição, respondeu-me que tinha vendido a série toda do trash.
Numa revista de língua inglesa constato com alguma naturalidade que nos EUA, o sucesso na música, na televisão, na literatura, no cinema e nos jornais, está no trash. Quanto mais lixo, mais sucesso. Afinal por aqui não inventámos nada com a música pimba e o telelixo, uma vez que como me dizia um colega de profissão, no final do dia saturado de processos e de julgamentos, «não tenho paciência para pensar. As telenovelas distraem-me e não me obrigam a pensar».
O trash domina este mundo globalizado, saltando para a cena política, só assim se compreendendo como Bush chega ao poder e encaramos com naturalidade ser governados por políticos que não conseguem explicar como obtiveram as suas licenciaturas. Deixámos de ser exigentes connosco e com os outros, demitindo-nos do exercício da cidadania, caro professor.
Como afirmava Orlando de Carvalho «os bens escassos são objecto de disputa que, gerando conflitos – conflitos de interesses – … temos que atender ao princípio do primum vivere, deinde philosophari, sempre fiéis à máxima maquiavélica de não olhar a meios para atingir fins.
:: :: PARA LER :: ::
«1998 – Orlando de Carvalho, Escritos. Páginas de intervenção I. Notas & nótulas de literatura e arte», Livraria Almedina.
«Sobre a noite e a vida, Poemas», Orlando de Carvalho.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«The Young Maverick», Glenn Gould.
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Como leigo nestas coisas da literatura e perdoem-me os entendidos, desde que conheci e li Gil Vicente, sempre pensei que este dramaturgo nasceu nas terras da Riba Côa.
Muy graciosa es la doncella
Muy graciosa es la doncella,
cómo es bella y hermosa!
Digas tú, el marinero
que en las naves vivías
si la nave o la vela o la estrella
es tan bella.
Digas tú, el caballero
que las armas vestías,
si el caballo o las armas o la guerra
es tan bella.
Digas tú, pastorcito
que el ganadico guardas,
si el ganado o los valles o la sierra
es tan bella.
Gil Vicente
Este poema de amor do nosso Gil Vicente foi extraído de «Uma antologia de las mejores poesias de amor en lengua española de Luís Maria Anson», da Plaza Janés.
Desconhecendo-se como se desconhece a data e local de nascimento por inexistência de elementos, nada melhor do que percorrer a sua obra e concluir que pelos indícios e conhecimentos que o autor tinha dos hábitos, maneiras de pensar e agir das gentes beirãs, este nasceu e passou grande parte da sua vida na Beira.
Em primeiro lugar, nos tipos que criou de forma superior, nomeadamente o lavrador, o pobre e humilde beirão foi sempre tratado com muito afecto nas suas obras.
Gil Vicente não era um homem da côrte! Foi estudante em Salamanca!
O seu domínio do castelhano (recorde-se que estamos perante um escritor bilingue), mais próximo do reino de Leão, mais ratifica a minha ideia de que este autor foi nosso antepassado nas terras da Riba Côa. Ainda hoje é normal que um raiano domine o castelhano falado, o que não acontece no restante território nacional. É ainda verdade que mestre Gil Vicente mesmo quando escrevia em português arcaico, utilizava com frequência o castelhano, por vezes até corrompido para reforçar o cómico, o que evidencia um excelente domínio desta língua.
Na actualidade os nossos agricultores continuam a ir à feira de Trancoso, facto que o autor referiu ao longo das suas obras.
Estou convencido que se tivéssemos o cuidado de investigar esta temática na Torre do Tombo, talvez se retirassem conclusões muito interessantes, trabalho a desenvolver por especialistas.
Por outro lado, o nosso auditório que serve também para a representação teatral poderia ter o nome deste dramaturgo, considerado «o pai do teatro português».
:: :: PARA LER :: ::
«Quem tem farelos» e «Floresta de Enganos», de Gil Vicente.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«St. Elsewhere», por Gnarls Barkley (em especial o tema Crazy).
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Em conversa com um velho trancador de baleias na Calheta de Nesquim, concelho de Lajes do Pico, ilha do Pico, este homem do mar com os olhos no horizonte de saudade dizia-me: «Se existe céu na terra, o céu está aqui.»
Os velhos baleeiros
Eu vi os barcos parados prisioneiros
na sede de um museu. E os arpões
pendurados. E gravadas
em dentes de baleia as passadas navegações
dos velhos baleeiros.
E vi os olhos daquele que falava
da última baleia como quem
remasse ainda sobre a onda brava
para um mar onde nunca mais ninguém.
Manuel Alegre
De facto, neste fim de tarde numa conversa amena com um velo trancador de baleias respira-se serenidade, num olhar que repousa no infinito do Atlântico, da Atlândida, sempre na expectativa de lá ao fundo encontrarmos sinais de um cachalote. Hoje que a caça à baleia está proibida, por aqui a visita às baleias virou a negócio normalmente explorado por pessoas estranhas a este triângulo dos Açores, que envolve a ilha do Pico, Faial e S. Jorge.
Na Calheta de Nesquim, terra de baleeiros, os trancadores, oficiais, mestre de lancha, remador, cigana e construtor naval, profissões ligadas a esta actividade, caíram em desuso e hoje são figuras de museu.
Longe vai o tempo em que sentado no cais da Calheta de Nesquim conversei sobre esta temática com o Manuel Pereira de Lemos, o Manuel Alfaiate, que obsessivamente e de forma recorrente desfiava a sua memória sempre à volta desta temática. A proibição legal e a emigração para a América que fica lá bem longe no horizonte, transformaram esta gente em coisa inútil confinando-os à vida do campo.
As autoridades locais nesta ilha, onde se sente um grande cuidado com as coisas da cultura, reabilitaram estes espaços de transformação de cachalotes, erigindo museus, lembrando ao visitante que por estas terras existe gente de coragem. Os museus de S. Roque do Pico e das Lages do Pico, são o orgulho desta gente do mar onde «nunca mais ninguém».
O trancador de baleias pela sua coragem e atitude destemida ao enfrentar animais que pesam toneladas em condições adversas em alto mar e em pequenos botes, traz-me à memória a coragem das gentes da raia que sobreviveu ao contrabando. A coragem das nossas gentes mede-se também na forma destemida como enfrentam um touro em pontas com o forcão. Está aí mais um mês de Agosto e em boa hora pelas freguesias da raia encontramos capeias e festas populares que continuam a prender os nossos emigrantes ao concelho.
Penso que é chegado o momento para que alguém (uma junta de freguesia, ou município), aproveitando os novos fundos comunitários, se proponha avançar com a criação de um espaço museológico reavivando actividades e tradições raianas, uma vez que todos temos orgulho no nosso passado e na nossa memória colectiva.
:: :: PARA LER :: ::
«Mar pela proa», de Dias de Melo, Chão da Palavra.
«Mau tempo no Canal», de Vitorino Nemésio, Imprensa Nacional Casa da Moeda.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«L. A. Woman», The Doors.
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Contava-me uma amiga entre risos, que como opositora a um qualquer concurso num município do distrito da Guarda e num teste de resposta múltipla, uma das perguntas pretendia avaliar os conhecimentos dos candidatos, sobre o ponto mais ocidental da Europa. Como nenhuma das respostas alternativas continha a resposta certa, esta minha amiga acrescentou a ilha das Flores. Teve conhecimento que mais tarde a prova foi anulada.
Dentro da mesma linha desastrada e analfabeta, uma ministra deste governo quando questionada sobre uma decisão desfavorável dum tribunal do arquipélago na apreciação de uma providência cautelar, desfavorável às pretensões do seu ministério, afirmava que a decisão não era relevante, porquanto as leis nos Açores nada tinham a ver com as de Portugal.
São estes episódios burlescos e disparatados que também me acodem ao espírito neste paraíso – a ilha das Flores – onde nos sinais informativos, somos alertados para o facto de nos encontramos no concelho mais ocidental da Europa, o concelho de Lajes das Flores e mais à frente com orgulho informam-nos que estamos na freguesia mais ocidental da Europa a freguesia da Fajã Grande, onde do mar podemos apreciar o espectáculo da natureza, com quedas de água nomeadamente o Poço do Bacalhau.
A ilha das Flores é um paraíso natural, que satisfaz os desejos dos amantes da pesca desportiva tal a variedade e quantidade de espécies nestes mares; o amigo Meireles proprietário do restaurante «O Pescador» em Ponta Delgada na ilha das Flores é o cicerone numa pescaria ao cherne e goraz, espécies que por aqui se tornam abundantes.
Um banho em alto mar não oferece qualquer perigo apesar dos tubarões, uma vez que a sua dieta é toda ela à base de peixe que é abundante por estas paragens. O dia completa-se com um cherne frito à moda das Flores, lapas com molho Afonso e cavacos acompanhados por um branco do Pico que na ocasião foi um Frei Gigante.
Apanhar um cherne num cenário que tem como pano de fundo a ilha do Corvo aumenta a nossa curiosidade de conhecer esta comunidade com cerca de 400 habitantes; uma ilha com uma estrada que dá acesso à cratera do Caldeirão e do local mais elevado contemplar o horizonte, ficamos com a sensação de estarmos mesmo no fim do mundo, se é que este existe. Acode-me então ao espírito o personagem criado por mestre Gil Vicente, o frade ambicioso que desejava ser bispo, nem que fosse das Berlengas. E que dizer do Sancho Pança, que se submeteu a todas as provações para servir um cavaleiro andante louco de nome D. Quixote, fiado na promessa de que poderia vir a ser governador de uma ilha.
Voltando ao mestre Gil Vicente – como me diverti a ler os seus autos e farsas… – não se lembra o caro e amigo leitor do desabafo da avisada Inês Pereira quando afirmava: «Mais quero asno que me leve do que cavalo que me derrube.»
Na política continuamos apegados a este mote e assim não haverá maneira da coisa descolar.
:: :: PARA LER :: ::
«O velho e o mar», de Ernest Hemingway.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«The essential», Leonard Cohen.
«Por este rio acima», Fausto.
:: :: VIDEO PARA OUVIR E DANÇAR :: ::
«Calafão de São Miguel», clique para ouvir: aqui.
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Subjacente a cada projecto de investimento deve existir uma filosofia, um fio condutor devendo neste momento ser priorizado o investimento em equipamentos capazes de por si criar postos de trabalho. E acreditar que nenhum fracasso é definitivo e que devemos continuar a lutar pelos nossos ideais.
«Pain is only temporary. Victory is forever.»
(A dor é passageira. A vitória é para sempre.)
Foi com este mote que o número um do ténis mundial pisou a relva de Wimbledon, torneio que o tenista suíço Roger Federer já venceu cinco vezes; pronunciou estas palavras, depois de ter sido humilhado na terra batida de Roland Garros em Paris por Rafael Nadal, o especialista do momento neste tipo de piso e líder da armada espanhola.
Nesta operação de marketing, Roger Federer afirma-se como um grande campeão que é recordando que Roland Garros foi a dor e que Wimbledon será a vitória para sempre que o fará esquecer o fracasso anterior. Exemplarmente este grande campeão recorda-nos que nenhum fracasso é definitivo e que devemos lutar sempre pelos ideais em que acreditamos.
Alarmante é o nível de desertificação humana do concelho do Sabugal onde se pode começar a questionar a existência de duas escolas públicas atendendo à quebra galopante da população escolar dos últimos anos.
É urgente «dar uma pedrada no charco», tomar medidas e políticas que estanquem e invertam esta tendência de despovoamento, criando postos de trabalho, fixando pessoas, porque assim a vitória é para sempre.
Não podemos continuar a esbanjar os nossos dinheiros em investimentos que não tenham capacidade de criar riqueza e capacidade de criar emprego, depauperando o erário municipal em investimentos que não tenham capacidade de criar um único posto de trabalho directo ou indirecto. Subjacente a cada projecto de investimento deve existir uma filosofia, um fio condutor devendo neste momento ser priorizado o investimento em equipamentos capazes de por si criar postos de trabalho.
A Casa de Cristo-Rei da Ruvina, é uma instituição que ao longo de décadas tem desenvolvido um trabalho meritório no campo social e no apoio à infância e que concomitantemente criou uma dezena de postos de trabalhos directos.
Na definição da Carta Educativa do Concelho, esta instituição vai ser parceira na implementação na Ruvina de um centro educativo, tendo em consideração as crianças da instituição, mantendo assim aberta a escola onde aprendi a ler e a escrever.
Penso que essas instalações poderiam ser ampliadas e melhoradas, aumentando o número de crianças, com o correspondente incremento de postos de trabalho directos. Esta é uma mais valia que deveria ser explorada, aproveitando e potenciando este know-how, com pergaminhos de décadas na área do apoio à infância desprotegida.
A Directora da instituição, a irmã Felicidade Ramos, mergulhada na dor e luto pelo desaparecimento de mais um membro da comunidade, a irmã Otília, lisonjeia-me com a sua perene amizade e confidencia-me: «Estamos à espera que nos batam à porta. Temos crianças de todo o País e até cá temos umas meninas guineenses e estamos sempre disponíveis para receber, qualquer criança necessitada. A Liga dos Servos de Jesus vive como no tempo dos primeiros cristãos. Esta instituição foi fundada no dia 13 de Maio de 1934 e já chegou a ter 60 crianças em regime de internato.»
Será assim tão difícil potenciar a criação de novos postos de trabalho nesta instituição?
:: :: PARA LER :: ::
«Em busca do tempo perdido», de Marcel Proust.
:: :: PARA OUVIR E DANÇAR :: ::
«Laurent Wolf, Wash my world», nomeadamente «No stress Columbia».
«Dizzy Gillespie, Live at the Village Vanguard», acompanhado ao piano por Chick Corea e Elvin Jones na bateria, da Blue Note.
:: :: PARA VER :: ::
«Concerto de Piano e Saxofone», dia 21 de Julho de 2008, pelas 21.30 horas, no Auditório Municipal do Sabugal, com a presença dos seguintes músicos, alguns deles jovens sabugalenses, Domenico Ricci, Rita Lourenço, João Cunha e João Nunes. A não perder.
«Páginas Interiores» opinião de José Robalo
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Ao iniciar esta crónica ocorrem-me ao espírito as conversas que enquanto adolescente mantinha com um velhote na Ruvina e os conselhos que me transmitia para ser feliz o resto dos meus dias.
Isto
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Fernando Pessoa
Entre outros, registei na memória quando me dizia que nunca me deveria arrepender das coisas que não conseguisse alcançar e que não deveria lutar pelas coisas que à partida fossem inacessíveis. Estes conselhos desresponsabilizavam-me enquanto adolescente de qualquer esforço. Devo dizer que por vezes utilizava com algum sucesso estes ensinamentos e pensamentos nos meus testes de Filosofia, uma vez que estamos quase na filosofia do nada, do vazio e do niilismo de Friedrich Nietzsche. Tudo se dissolve no vazio, no nada.
Hoje no mundo dos adultos não sou pessoa para me resignar. Quem me conhece sabe que não sou, nem nunca fui alguém para virar a cara à luta. Sou por natureza persistente, resistente e obstinadamente defensor das ideias e projectos em que acredito. Sou perseverante por natureza e formação e nunca desisto duma meta ou objectivo.
Tendo alguma formação na área da Educação Especial, no meu pensamento fervilha um projecto arrojado para o Sabugal, não só pelos desafios que nos coloca, como pela capacidade de inovação que o mesmo em si comporta.
Como conheço muito bem o concelho sobre o qual escrevo, penso que seria interessante a criação dum centro de recursos capaz de dar resposta às necessidades quer dos jovens em idade escolar, quer aos menos jovens que carecem de apoio ao nível da fisioterapia, terapia de fala, motricidade, consultas de desenvolvimento, linguagem gestual e serviço de psicologia, entre outros.
Abundam no concelho pessoas que diariamente são atendidas em concelhos limítrofes, carenciadas de apoio ao nível destes serviços. Por outro lado, daquilo que conheço do Sabugal, são cada vez mais os jovens com licenciaturas e formação com muita qualidade nestas áreas, capazes de dar resposta a este tipo de necessidades. Estão assim reunidas todas as condições, para protocolar com o Ministério da Saúde e da Segurança Social, o financiamento deste tipo de actividades.
O organismo a criar tem obrigatoriamente que envolver na sua génese o Município ou a Empresa Municipal através dos equipamentos de utilização colectiva, as escolas através dos respectivos órgãos de gestão, as Misericórdias e todas as pessoas de boa vontade.
Não tenho dúvidas que esta instituição a criar poderá dar resposta na prestação de serviços especializados às pessoas deles carenciados ao mesmo tempo que criamos postos de trabalho para jovens técnicos, multiplicando assim riqueza no e para o concelho, combatendo a desertificação fixando pessoas.
:: :: PARA LER :: ::
«O homem sem qualidades», de Robert Musil, D. Quixote.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«Cat Power», Jukebox, Matador Records.
«Pedro Guerra», Tan cerca de mi, BMG.
No final de um dia de sol e de praia e já em casa após um duche retemperador para tirar o sal, antes do jantar com uma bebida fresca nas mãos, Chet Baker, nomeadamente The Best of Chet Baker sings, ou Chet Baker, complete 1952 fantasy& pacific jazz sessions. Boas músicas.
:: :: PARA VER :: ::
«Concerto ao vivo de Leonard Cohen», no passeio marítimo de Algés, dia 19 de Julho.
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Estamos a cerca de um ano e meio das eleições autárquicas e já não se fala doutra coisa que não seja em pessoas para ocupar lugares. Como diz o povo «metemos o carro à frente dos bois» e depois a coisa normalmente não sai bem.
O saisons, ô châteaux!
Quelle âme est sans défauts?
J’ ai fait la magique étude
Du Bonheur, qu’ aucun n’ élude.
Salut à lui, chaque fois
Que chante le coq gaulois.
Ah! je n’ aurai plus d’ envie:
Il s’ est chargé de ma vie.
Ce charme a pris âme et corps,
Et dispersé les efforts.
O saisons, ô châteaux!
L’ heure de sa fuite, hélas!
Sera l’ heure du trépas.
O saisons, ô châteaux!
Arthur Rimbaud
O desenvolvimento dos territórios faz-se com ideias e com projectos que os possam dinamizar. Fulanizar a política, arranjar salvadores da pátria de ultima hora, centrar actividade política num herói, foi próprio das ditaduras e por regra deu sempre maus resultados. Na minha modesta e avisada perspectiva sendo a política actividade desenvolvida com vista ao bem comum e ao bom governo da cidade, que é a «Polis», deverá assentar numa vontade colectiva de desenvolvimento, num trabalho de equipa, onde os diversos componentes do grupo sejam portadores das diferentes sensibilidades de que a realidade se reveste, para que o empreendimento possa ter sucesso. Não acredito nem nunca acreditei em caudilhos de ultima hora, porque sendo um ser inteligente, que tenta compreender e explicar a realidade de forma racional, tenho como dado adquirido que estes já não existem. Acredito nas ideias, nos projectos e no trabalho árduo e sério para os implementar tendo como seguro que neste mundo de competição ninguém oferece nada a ninguém. Tudo se conquista com muito esforço e como diria o nosso Camões, com «engenho e arte».
Sendo o Sabugal um concelho do Interior desertificado e desprezado pelos poderes públicos, a notícia aí está para estimular o nosso ego e auto-estima. Duas crianças da EB1 da Ruvina foram premiadas no concurso «Uma aventura literária 2008», promovido pela Editorial Caminho. Trata-se do Diogo Antunes e do Daniel Robalo, sendo que o primeiro escolheu como tema uma festa religiosa na aldeia e o segundo descreveu a experiência de uma viagem a Londres. Naturais e residentes no concelho estes dois prémios Nobel da literatura em gestação, demonstraram que o Interior com ideias e pessoas que as protagonizem e estimulem, consegue afirmar-se pelo seu trabalho. Uma palavra especial para a responsável por este sucesso, a professora Maria José Bárrios, que com o seu contributo demonstrou que muitas vezes é possível desenvolver um trabalho sério, apesar das condições adversas e falta de meios com que nos deparamos.
Estas duas crianças provaram à saciedade que o trabalho dedicado assente em ideias sólidas é o primeiro passo para o sucesso, independentemente das pessoas que o protagonizam. É pena que os adultos não queiram aprender com os ensinamentos destas crianças.
Aqui lhes deixo um beijinho especial de parabéns, com votos de boas férias, sugerindo aos administradores deste espaço, que façam um pequeno esforço para publicar as crónicas premiadas destes nossos conterrâneos.
:: :: PARA LER :: ::
«Une Saison en enfer», de Arthur Rimbaud, Livre de Poche.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«HadoukTrio», Baldamore, naïve.
«Nick Cave and the Bad Seeds», Nocturama.
:: :: PARA VER :: ::
«Kim Prisu», Exposição do artista plástico Kim Prisu, natural de Aldeia da Dona, com inauguração no dia 6 de Julho, às 17.30 horas, no Auditório Municipal. Poderá ser visitada até ao dia 3 de Agosto.
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Para além de ser um dos poemas mais interessantes escritos em língua portuguesa, o soneto de Camões, «Amor é fogo que arde sem se ver» pretende ser um brinde a todos os alunos do 12.º ano, que fizeram exame de Português e tiveram por tarefa a análise dum extracto dos «Lusíadas» deste mesmo autor.
Amor é fogo que arde sem se ver
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
…
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
….
Luís de Camões
Penso que para gostarmos duma língua e dos seus artífices – os escritores – temos que proporcionar aos nossos jovens a leitura de textos agradáveis que criem adição pela leitura, evitando textos mais rebuscados e que por vezes ainda não estão preparados para compreender na sua plenitude, provocando assim efeitos perversos.
Na perspectiva de Camões o amor é um contentamento descontente; este pensamento encerra em si um notável paradoxo que na sua plenitude reflecte este sentimento.
Foi utilizando um paradoxo que o ministro da economia e das finanças espanhol, Pedro Solbes, caracterizou o estado da economia espanhola, quando afirmou que esta se encontra numa desaceleração acelerada.
Numa desaceleração acelerada, está também a nossa economia apesar das resistências deste governo que nos desgoverna em reconhecer esta realidade, que atinge em primeira linha os mais desprotegidos, neste caso as populações do Interior que sofrem com o desinvestimento do governo central.
Se analisarmos o PIDDAC, constatamos a míngua orçamental da administração central para o interior. É assim que o governo nos trata. Com desprezo. Agravar esta situação o mesmo governo vai encerrando paulatinamente serviços públicos essenciais.
Esta política de asfixia do interior para cortar na despesa pública, traz-me à memória uma frase batida do pensamento anarquista: «Quem nos protege dos nossos protectores?» O que nos poderá valer contra esta política centralizadora que aposta na desertificação e encerramento do Interior?
A minha esperança reside num poder autárquico dinâmico, forte e imaginativo, capaz de apostar em políticas e medidas de desenvolvimento económico no apoio às pequenas empresas, a base do tecido económico do Interior, para enfrentar esta razia economicista e cega, onde tudo é permitido no combate ao défice.
Estou seguro que só desta forma poderemos enfrentar esta desaceleração acelerada, com pessoas à altura e vontade de ajudar a decidir e definir o nosso futuro.
Nesta linha de pensamento, entendo que de forma arrojada poderíamos apostar na criação de um parque temático para o concelho, com atractividade e que por si seria a mola impulsionadora do desenvolvimento. Porque não um parque que apostasse na divulgação e reinvenção da Lusitânia e dos seus habitantes, com Viriato e Sertório à cabeça? Penso que estes nossos heróis nada ficam a dever a Asterix e seus companheiros, até porque os primeiros existiram e são os nossos antepassados. Combateremos assim este sublime vazio.
:: :: PARA LER :: ::
«Versos e alguma prosa de Luís de Camões», com prefácio de Eugénio de Andrade, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian.
«Kafka à beira-mar», de Haruki Murakami, Casa das Letras.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«Tord Gustavsen Trio», Being There, ECM.
«A gente ainda não sonhou», Carlinhos Brown, Columbia, Sony BMG.
:: :: PARA ASSISTIR :: ::
«Festas de S. João no Sabugal», com bar e restaurante permanente.
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Estamos em plena celebração dos santos populares, o Santo António, o São João e o São Pedro, santos com grande capacidade de atracção em termos de festejos já que a folia destes santos está profundamente enraizada nas nossas gentes.
São João
Se fores ao São João
Trazei-me um São Joãozinho
Se não puderes c’um grande
Trazei-me um mais pequenino
São João adormeceu
Nas escadinhas do coro
Deram as moças com ele
Chuparam-lhe o sangue todo
Onda andará o São João
Que o não vejo na Igreja
Anda a correr as fogueiras
Para ver quem o festeja.
Canção popular de Trás-os–Montes, pela Brigada Victor Jara
Sem pretender meter a foice em seara alheia, julgo que estas festas populares vieram substituir rituais e celebrações pagãs, que o cristianismo tentou apagar com a introdução destes santos populares. Esta talvez seja a razão porque nestas festas a folia ainda se sobrepõe ao culto religioso.
Como se refere no texto de origem popular transmontano superiormente interpretado pela Brigada Victor Jara, São João era atacado pelas moças num misto de matreirice até porque os santos populares eram casamenteiros e foliões.
Por outro lado e apesar de já termos abandonado as nossas raízes em termos de actividades produtivas, não devemos esquecer que a riqueza destas terras assentava na agricultura e nas lides do campo, onde se exigia muito esforço físico e trabalho braçal; estes homens e mulheres de granito das mãos calejadas e do suor, também tinham as suas festas.
Não devemos esquecer que estávamos em plena actividade produtiva, no solstício de Verão, com trabalhos colectivos que por si também propiciavam estas festas e folias. Refiro as tosquias, as ceifas, as malhas, as regas, as mondas, a recolha dos fenos, com ranchos de trabalhadores onde no final do dia ainda havia tempo para a festa, sobretudo quando as colheitas justificavam todas as canseiras.
Não é assim estranho que o nosso Sabugal mergulhando nas suas raízes mais profundas celebre o São João numa dimensão concelhia e regional com alguma atractividade.
Estas são razões mais do que suficientes para colocar esta temática sobre a mesa e discutir com seriedade a possibilidade de transformar estas festas em festas concelhias da responsabilidade da autarquia, esquecendo bairrismos doentios que são sempre perniciosos para o desenvolvimento.
Enquanto tal não acontece, aí vem mais uma festa de São João da responsabilidade de um corajoso grupo de mordomos, a quem devemos dar todo o nosso apoio nela participando.
:: :: Para ler :: ::
«O Malhadinhas», de Aquilino Ribeiro, Bertrand Editora.
«A Selva», de Ferreira de Castro, Guimarães & C.ª
:: :: Para ouvir :: ::
«Brigada Victor Jara, Tamborileiro», Editorial Caminho, Mundo Novo.
«Nocturnes, Chopin», Arthur Rubinstein, Sony BMG.
«Ópera do malandro», Chico Buarque, Polygram.
:: :: :: ::
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Contactei e conheci José Saramago, senão o maior, uns dos maiores escritores portugueses vivos cerca do ano de 1985, muito antes de ter sido galardoado com o prémio Nobel de Literatura, com toda a justiça.
As mãos
Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.
Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.
De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.
Manuel Alegre
Na minha biblioteca lá estão os seus principais romances, nomeadamente «Levantado do Chão» e «Memorial do Convento», com a dedicatória «Para o José Robalo, com a simpatia do José Saramago». Este artífice das palavras para além de uma prosa vigorosa, saborosa e original é um mestre na utilização do gerúndio e do adjectivo e um observador das realidades sociais e do mundo que o circunda, analisando-o com muito realismo e espírito crítico.
Vem tudo a propósito de um livro muito interessante deste autor, que tem por título Viagem a Portugal, onde o viajante que é Saramago, vai desfiando o que vê e ouve ao longo deste pequeno rectângulo que é o nosso país. Naturalmente que o viajante também veio ao Sabugal e descreveu o que viu e ouviu, desta forma redonda: «Ao Sabugal vai o viajante na mira dos ex-votos populares do séc. XVIII, mas não deu sequer com um… na Ermida da Senhora da Graça. A igreja, agora, é nova e de espectacular mau gosto… O viajante tem um compromisso para esta tarde. Irá a Cidadelhe. Para ganhar tempo almoça no Sabugal, e, para o não perder, nada mais viu que o geral aspecto duma vila ruidosa que ou vai para a feira ou vem de feirar.»
O nosso prémio Nobel de literatura esteve no Sabugal na década de 70 do século passado e não quis perder tempo em conhecer a então vila.
Ficamos sem saber o que impressionou negativamente o nosso Saramago, mas estamos convencidos que talvez a arquitectura emergente e já reinante de materiais de gosto duvidoso, do betão e das marmorites que nada têm a ver connosco, o tenham feito rejeitar as nossas jóias arquitectónicas encabeçadas pelo castelo de cinco quinas, até porque o mesmo Saramago visitou Sortelha e gostou.
Apesar de ter havido uma evolução muito positiva das mentalidades e dos técnicos do município que se regista com muito agrado, penso que muito há ainda para fazer nesta área da reabilitação urbana, agora que estamos em plena discussão pública da alteração do RUE (Regulamento da Urbanização e Edificação) para o concelho do Sabugal, razão mais do que suficiente para divulgação desta intenção, para que todos possamos dar o nosso contributo e no final, convidar José Saramago a visitar uma cidade já mais bonita e ordenada, nomeando-o cidadão amigo do Sabugal, porque nenhuma viagem é definitiva.
:: :: Para ler :: ::
«O Canto e as Armas, A Praça da Canção e Pico», de Manuel Alegre.
«Viagem a Portugal», de José Saramago, Editorial Caminho.
:: :: Para ouvir :: ::
«Sviatoslav Richter in concert», One Records, Audiovisuais, Lda.
«Quintetto Lo Greco», The Right Spirit, Edizioni Ishtar.
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A comunicação é de facto muito fascinante. Como num modelo cibernético cada crónica que é publicada nesta coluna de opinião, provoca reacções e feed-back, na forma de i–meils* no meu endereço electrónico.
Pobre almita tão meiguita
Deste corpo sociazita
Que para uns duros lugarzitos,
Escuritos, desertitos,
Sozinha ao presente vás
Ai nunca mais brincarás…
P. Élio Adriano, Imperador (76-138), citado por Marguerite Yourcenar em Memórias de Adriano.
Referindo-se ao meu último texto dizia-me um leitor que não conhecia esculturas sonoras, aludindo a instalação que o Pires Vieira, designa por Narrativas.
Essa é boa! Existem esculturas sonoras e estátuas falantes… Senão vejamos,
Nos trabalhos de recuperação da Piazza Navona uma das mais interessantes de Roma, por volta do séc. XV foi encontrada uma estátua provavelmente do séc. III a. C. em muito mau estado de conservação.
O seu estado era de tal forma miserável, que foi colocada num pedestal num pequeno beco tendo a estátua sido baptizada com o nome de Pasquino, numa alusão explícita a um alfaiate conhecido pela sua língua viperina e cáustica.
Com o tempo na Piazza Pasquino, foi-se criando o hábito de se colarem na estátua textos críticos e sugestões dirigidas aos políticos que tinham o governo da cidade, por vezes até com calúnias e isto pela calada da noite.
No manhã seguinte, as pasquinadas circulavam pela cidade chegando aos ouvidos do poder temporal e espiritual, dando azo a perseguições e detenções. Pasquino, a estátua falante, continua a ter toda a utilidade na actualidade como meio de protesto e crítica dos romanos em relação ao governo da cidade e do país.
Etimologicamente podemos afirmar que foi esta estátua falante que deu origem à palavra pasquim, que designa um jornal de pouca e duvidosa qualidade.
Apetece-me dizer que o nosso Sabugal com tantos críticos e línguas viperinas está carenciado de uma estátua falante como o Pasquino ou um dos seus concorrentes Marforio ou Abade Luigi, podendo utilizar-se para o efeito o pelourinho.
* neologismo da minha autoria.
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Para ler: «Memórias de Adriano», de Marguerite Yourcenar, Ulisseia.
«Gaveta das Nuvens, tarefas e tentames literários», de José Gomes Ferreira, Moraes Editores.
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Para ouvir: «Sergio Cammariere», Cantautore Piccolino, EMI.
«Luca Barbarossa», Via Delle Storie Infinite, Universo.
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O Victor Pires Vieira, foi o primeiro amigo pintor com quem conversei e que convidei para participar no «Pintar Sabugal». Representado nos principais museus de arte contemporânea do mundo, o talento de Pires Vieira, irá ser mostrado ao público no Pavilhão Branco do Museu da Cidade de Lisboa.
Caminhantes são teus rastos
o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais
se há-de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
somente sulcos no mar.
António Machado, interpretado por Joan Manuel Serrat e Joaquin Sabina
Como o amigo leitor já sabe, exerci durante três anos as funções de presidente da ADES, Associação de Desenvolvimento do Sabugal, que teve entre outras actividades a incumbência de realizar um evento que é o «Pintar Sabugal». A ADES era o veículo pelo qual passava a realização desta actividade, mas como nunca gostei de me pôr em bicos de pés, em nome da verdade, o cérebro desta realização é o meu amigo Zé Chapeira.
Como sabugalense, sempre pensei e penso que o Sabugal deveria ter um museu de arte contemporânea, até porque se existe alguma forma de expressão artística pela qual nutro grande devoção é pela pintura. Penso ter lido neste blogue uma opinião da minha amiga Talinha, a Natália Bispo, onde defendia a reabilitação das bienais de arte no Sabugal. Assino por baixo esta sua pretensão.
Não sendo nem querendo ser sibarita, penso que seria uma boa aposta do município, a criação de um museu de arte contemporânea no Interior, in casu no Sabugal, como forma de marcarmos a diferença, fugindo aos comes e bebes habituais e criando uma outra atractividade para o nosso território.
Ao escrever estas linhas, acode-me ao espírito o museu de arte contemporânea de Leon que sendo de criação recente, tem conseguido atrair muitos visitantes que expressamente se deslocam a esta cidade nossa vizinha, exclusivamente para visitarem o MUSAC.
Como presidente da ADES, tentei sem o conseguir, mudar um pouco o rumo ao «Pintar Sabugal», convidando pintores amigos para se deslocarem à cidade e darem com a sua presença uma outra visibilidade ao evento.
O Victor Pires Vieira, foi o primeiro amigo pintor com quem conversei e que convidei para vir ao Sabugal. Com todo o entusiasmo abraçou a ideia, disponibilizando-se de forma desinteressada, a marcar presença no evento, trabalhar um atelier com crianças das escolas e deixar a sua visão sobre o Sabugal, numa tela, fugindo assim à sua rotina entre Lisboa e Nova Iorque.
Representado nos principais museus de arte contemporânea do mundo, o talento de Pires Vieira, irá ser mostrado ao público no Pavilhão Branco do Museu da Cidade de Lisboa, cuja inauguração está marcada para o dia 27 de Maio às 22 horas, podendo a exposição ser visitada até 27 de Julho.
De acordo com a brochura de apresentação, a temática da exposição versa sobre «Abstracção, psicanálise e transformações da visão», sendo de destacar, pela sua natureza programática a escultura sonora «Narrativas». Dos megafones uma voz feminina lê dois textos aparentemente contrários. Num lê passagens sobre o conceito psicanalítico de «culpa persecutória» no outro lê as 12 regras para um Nova Academia de Ad Reinhardt. Um cruzamento à partida estranho, porque a sua conjugação não é uma evidência.
Convido assim o amigo leitor a descobrir o talento de Pires Vieira, um artista, que sei ser um amigo do Sabugal e das terras da Riba Côa, pelos contactos e conversas que vamos mantendo.
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Para ler: «Antologia poética», de António Machado, Ed. Cotovia.
«La novia de Matisse, Punto de lectura», de Manuel Vincent.
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Para ouvir: «Serrat & Sabina», dos Pajaros de un Tiro.
«Tell it the way it is!», de Paul Gonsalves.
«The Köln concert», Keith Jarrett.
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Com um brilho especial nos olhos diz-me que o futuro aeródromo do Sabugal irá permitir criar uma escola de aeronáutica, ao nível de pequenas aeronaves, ultraleves e autogiros. «Gosto de desafios, sou e sempre fui um homem de arriscar. Desde sempre sonhei que poderia voar. Fechava os olhos e imaginava-me a voar. É um sonho.»
Dão-nos um lírio e um canivete e uma alma para ir à escola mais um letreiro que promete raízes, hastes e corolas |
Dão-nos um mapa imaginário que tem a forma de uma cidade mais um relógio e um calendário onde não vem a nossa idade |
Dão-nos a honra de manequim para dar corda à nossa ausência. Dão-nos um prémio de ser assim sem pecado e sem inocência |
Dão-nos um barco e um chapéu para tirarmos o retrato Dão-nos bilhetes para o céu levado à cena num teatro |
«Queixa das almas jovens censuradas», de Natália Correia (1923-1993) com interpretação de José Mário Branco. |
Chama-se António Fernandes, é natural da Nave e reside no Sabugal. «Quando decidimos construir a primeira discoteca da Beira Alta há mais de 30 anos, na Nave todos me chamaram maluco, pela novidade do investimento. O Teclado foi uma das discotecas de referência.»
Depois de vários anos em França onde tem uma empresa na área do Inox, regressado a Portugal, diz-nos: «Não posso parar. É um sonho e penso que este investimento é uma mais-valia para o Sabugal, uma terra que adoro e penso ser a mais bonita do mundo.»
Com o apoio do Município que já está assumir o investimento, António Fernandes está disposto a dar mais um passo na sua vida, mas este tendo em atenção essencialmente a terra de que tanto gosta.
É o rosto de um pequeno grupo de pessoas que estão dispostas a concretizar um projecto que poderá ser estruturante para o desenvolvimento do concelho e da região. O aeródromo, a escola de aeronáutica e um núcleo de amantes do autogiro serão uma aposta na diferença. O autogiro apesar de ser um aparelho com mais de 80 anos, inventado por
Juan de La Cierva em 1923, só após a sua utilização num dos filmes de James Bond, é que virou a moda e foi reabilitado.
«Já imaginou a sensação de sobrevoar os nossos castelos, o nosso património e a Reserva da Malcata a bordo de um aparelho destes?», diz-nos com encantamento no olhar e na voz. «Quando tinha a discoteca o Teclado ainda construí um helicóptero, mas nunca chegou a voar.»
Numa segunda fase pretende utilizar uma infra-estrutura que já construíu ao alto do Espinhal, um pavilhão para montagem de ultraleves e autogiros, criando postos de trabalhos. «A ideia já está em movimento e nada a poderá parar.»
Numa região deprimida, estas ideias e projectos podem ser uma mais-valia, pela aposta na diferença e originalidade, podendo trazer ao concelho os amantes deste tipo de actividades, aumentando assim a oferta turística e atractividade.
Como escreveu Erasmo de Roterdão, no seu livro Elogio da Loucura: «Que seria do mundo sem a loucura?», a tal magia que o faz andar, até porque o céu de Ícaro é mais belo do que o de Galileu.
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Para ler: «Poesia Completa» Natália Correia, Dom Quixote.
«Emigrantes», de Ferreira de Castro, Ed. Guimarães & Cª.
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Para ouvir: «Brad Mehldau Trio Live», editado por Nonesuch Records.
«Kenny Burrell, Midnight Blue», da Blue Note.
«Nine Horses, snow borne sorrow», samadhisound.
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Corria o ano de 1983, quando estudante e republico em Coimbra desenvolvi alguma actividade com natural agitação associativa, ao nível da Associação Académica. Acreditávamos todos que podíamos mudar o Mundo, mas o que conseguimos foi que o Mundo não nos mudasse a nós.
But man proud man
Dressed in a little brief authority
Most ignorant of what he’s most assured
(his glassy essence) like an angry ape
Plays such phantastic tricks before high heaven
As makes the angels weep who, with our spleens,
Would all themselves laugh mortal.
William Shakespeare
Nesse ano, o descontentamento foi protagonizado por uma lista independente e candidata à Presidência da Associação Académica que na altura protagonizei. Com um grupo de amigos e colegas estudantes, criámos uma dinâmica saudável, que assustou as juventudes partidárias tradicionais; a lista E soube desenvolver um discurso original e criativo, que teve acolhimento e aceitação na comunidade estudantil, tendo obtido um honroso 3.º lugar e com muitos votos. Recordo-me que toda a nossa propaganda tinha como pano de fundo o herói de banda desenhada Corto Maltese, protagonizando assim a liberdade e o sonho… Era uma altura em que acreditávamos que podíamos mudar o mundo, mas o que conseguimos foi que o mundo não nos mudasse.
Na segunda volta, após prolongadas negociações, os votos da lista E foram decisivos para dar a vitória à lista encabeçada por Luís Parreirão.
Tendo obtido o seu tirocínio na Académica, não estranhei quando vi este amigo, Secretário de Estado das Obras Públicas no Governo socialista de António Guterres, cujo ministro da tutela foi Jorge Coelho e do qual saiu após o fatídico acidente da ponte de Entre-os-Rios.
Este fim-de-semana comprei e li o semanário Sol, onde no seu suplemento de Economia, tive conhecimento que o Luís Parreirão é o actual presidente da Ascendi, uma joint-venture, da Mota-Engil e do BES, para as concessões rodoviárias e que Jorge Coelho irá ser de novo chefe do Luís, uma vez que vai presidir à Mota-Engil.
A pergunta que me coloco é simples: porque é que estes gurus da política, de um momento para o outro passam do governo para líderes de construtoras ou de empresas concessionárias de auto-estradas da responsabilidade desse mesmo Estado que é o nosso? É legítimo que um ex membro do governo sem qualquer pudor aceite cargos de administrador de empresas da sua área de influência e tutela?
Luís Parreirão em entrevista ao Sol, é claro: «Ter sido membro de um governo não deve ser critério de recrutamento, ou não recrutamento»; tal nunca lhe tirou o sono, porque sempre esteve a «bem com a consciência». Mais refere, que sempre esteve «tranquilo», apesar de ter ido para uma empresa de um sector com que lidou enquanto secretário de estado.
Só agora compreendo o pensamento de de Adam Smith, quando na sua obra «A Riqueza das Nações», discorria sobre a sua teoria da «Mão Invisível», a qual num mercado livre do «laissez faire, laissez passer», ajudaria a conter as catástrofes e os excessos de mercantilismo, zelando pelo interesse público. Esta prática, vem assim demonstrar que o grande mentor do liberalismo acertou na sua análise e previsões, até porque como afirma Luís Parreirão «as pessoas têm direito de estar em cargos para que são convidadas».
Salvaguardadas as devidas distâncias, no seu tempo, Filipe V, Rei de Espanha, celebrou um contrato com o rei de França, para negociarem escravos na Guiné. No entanto, o contrato tinha uma cláusula de salvaguarda: «Os barcos e marinheiros deveriam ser católicos.» Com estas reservas ficavam mais tranquilos e em paz com a consciência.
Apetece citar Jorge Luís Borges, quando afirmava que os sete pecados mortais se resumem apenas num: a crueldade.
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Para ler: «Ricardo III» de William Shakespeare, ed. Difel.
«O Rei Lear», de William Shakespeare, da Editorial Caminho, tradução e notas de Álvaro Cunhal.
«Ficções», de Jorge Luís Borges, ed. Livros do Brasil.
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Para ouvir: «Night and the city», Charlie Haden e Kenny Barron, Polygram.
«José Afonso ao vivo no coliseu», em especial do choupal até à lapa.
«Introducing… Rubén González», Buena Vista Social Club, ed. A world circuit prodution.
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«A Perfeição» é um conto de Eça de Queiroz, que se desenvolve à volta de um episódio retirado da Odisseia, obra atribuída a Homero e que descreve as aventuras do divino Ulisses, ardiloso guerreiro.
«- Quantos males te esperam, oh desgraçado! Antes ficasses para toda a imortalidade, na minha ilha perfeita, entre os meus braços perfeitos…
Ulisses recuou, com um brado magnífico:
– Oh deusa, o irreparável e supremo mal está na tua perfeição!
E, através da vaga, fugiu, trepou sofregamente à jangada, soltou a vela, fendeu o mar, partiu para os trabalhos, para as tormentas, para as misérias – para a delícia das coisas imperfeitas!»
«Contos», de Eça de Queiroz
Se a Ilíada retrata a guerra de Tróia, onde os heróis são Aquiles e Heitor, a Odisseia tem como herói Ulisses no pós – guerra de Tróia e o seu regresso a Ítaca. Aí aguardavam-no seu filho Telémaco e a sua esposa Penélope, que ia enganando todos os seus pretendentes, fiando e desfiando a famosa teia enquanto Ulisses sofria as mais variadas desventuras, vítima da fúria dos deuses, durante vinte anos.
Atingir a perfeição é objectivo da maioria dos humanos e do próprio leitor, sendo certo que tal desiderato é inalcançável, não passando de uma miragem, uma ilusão dos mortais, por tal ser a nossa condição. Esta constatação, leva-me a desconfiar de todos aqueles que nunca tendo feito nada na vida, passam o seu tempo a fazer críticas destrutivas dos que vão fazendo, como se fossem perfeitos. Ainda tenho presente na minha memória um comentário que um cliente, vai para uns anos, fez no meu escritório: «Sabe, nesta vida quem trabalha muito erra muito, quem trabalha pouco erra pouco e quem não faz nada é condecorado.»
Estes são motivos mais do que suficientes para defender como defendo, que quem pretenda desempenhar cargos públicos e políticos seja avaliado pela capacidade de realização na sua vida profissional. Em meu entender, quem não tiver provas dadas na sua vida profissional privada, nunca poderá ser um bom administrador das coisas e interesses públicos, da res publica.
Quem nunca fez, não tem autoridade para criticar quem faz, mas quem faz, tem que ter capacidade para aceitar as críticas, dando como assente que é sempre possível fazer melhor.
Na Bíblia, retrata-se esta temática imanente ao ser humano, quando os escribas apresentam a Jesus a mulher adúltera, pretendendo saber o que fazer; Jesus, ao mesmo tempo que supostamente escrevia no chão os pecados dos escribas respondeu «quem não tiver pecado, atire a primeira pedra». (Jo 8,1-11). Todos conhecemos sobejamente o final desta parábola.
Voltando ao nosso conto, Calipso a ninfa do mar, poderosa feiticeira, vivia na Ogígia uma ilha povoada de bosques, com juníperos e álamos, num cenário paradisíaco, onde reinava o simbolismo da morte, uma espécie de Campos Elísios, destino dos heróis depois da morte. Calipso, ofereceu a Ulisses a imortalidade e a juventude eterna, onde tudo era perfeito, entregando-lhe uma espécie de morte em vida, que este recusou.
Esta ilha, descrita como «o umbigo do mar», é localizada segundo os diferentes autores ora nos Açores, ora na ilha de Malta; para outros, Ogígia corresponde à ilha de Mljet, na costa da Croácia, que para quem conhece é a ilha mais bonita do mar Adriático, em praias, fauna e flora.
No entanto, apesar da hospitalidade da deusa, da serenidade da ilha, as saudades do mundo imperfeito em Ítaca, levaram Ulisses abandonar as delícias da perfeição que Calipso lhe proporcionava, numa alusão implícita à nossa predisposição inata para não nos resignarmos e pretendermos lutar por tudo aquilo em que acreditamos. A deusa perante esta decisão de Ulisses, augurava-lhe: «– Quantos males te esperam, oh desgraçado!»
Voltando ao conto de Eça de Queiroz, Ulisses respondeu-lhe:
«Considera, oh deusa, que na tua ilha nunca encontrei um charco; um tronco apodrecido; a carcaça de um bicho morto e coberto de moscas zumbidoras. Oh deusa, há oito anos, oito anos terríveis, estou privado de ver o trabalho, o esforço, a luta e o sofrimento… Oh deusa, não te escandalizes! Ando esfaimado por encontrar um corpo arquejando sob um fardo; dois bois fumegantes puxando um arado; homens que se injuriem na passagem de uma ponte; os braços suplicantes de uma mãe que chora…Deusa há oito anos que não olho para uma sepultura… Não posso mais com esta serenidade sublime! Toda a minha alma arde no desejo do que se deforma, e se suja, e se despedaça, e se corrompe…Oh deusa imortal, eu morro com saudades da morte!»
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Para ler: «Contos» de Eça de Queiroz, Edição Livros do Brasil.
«A Odisseia», de Homero, sendo de leitura mais acessível a publicação em livro de bolso da Europa-América.
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Para ouvir: «Emil Gilels, Plays Beethoven», piano concertos e piano sonatas, Brilliant Classics, historic russian archives.
«Jacques Higelin à Mogador», EMI Pathé Marconi.
«Por sendas, montes e vales», Brigada Victor Jara, Farol da Música.
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«Páginas Interiores» opinião de José Robalo
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Durante as férias da Páscoa, numa tarde de lazer quando passeava pela Guarda, encontrei um amigo professor que já não via há muitos anos. Na alegria normal do reencontro deparei-me com uma pessoa completamente decepcionada com a profissão.
Dizia-me então o meu amigo: «Como sabes sou efectivo numa escola, tenho alguns anos de carreira, mas não aguento mais esta vida. Estou com uma licença sem vencimento, mas quando terminar esta licença, não volto à escola. Estou disposto a fazer tudo na vida, menos continuar esta safra de professor… Não quero mais ensinar. A decisão está tomada, vou deixar a Escola.»
Com desassombro e amargura na voz, este meu amigo no limite da desconsideração diária e da falta de respeito a que está sujeito, além da pressão, fez aquilo que muitos e bons profissionais já pensaram fazer, mas que ainda não tiveram coragem: abandonar uma carreira que com ilusão num determinado momento abraçaram, mas que tem cada vez mais escolhos. Longe vai o tempo em que o professor era um profissional considerado e respeitado.
O futuro de qualquer país depende da política educativa que é definida e do investimento que nela fazemos, porque é na educação que assenta a formação dos nossos filhos e das gerações que nos governarão, como garante de um país moderno e desenvolvido. Um euro aplicado em educação tem seguramente um efeito multiplicador em termos de investimento futuro, embora os seus efeitos não sejam perceptíveis no curto prazo e como tal não dão votos.
Sem uma educação de qualidade não existe futuro. Sendo assim a coisa tão séria, não tenho dúvidas que deve existir uma aposta muito forte na educação por parte de qualquer governo que se preze, onde o professor e a escola sejam o eixo central de qualquer sistema educativo. O professor deve ser valorizado e respeitado, estatutária e profissionalmente. Desvalorizar o papel do professor, fragilizando-o perante os pais, os alunos e a opinião pública em geral é um erro tremendo, que vai ter custos muito elevados. Há mentiras que à força de serem ditas ganham foros de verdade. A imagem do professor assim exposta perante a opinião pública pode levar décadas a recuperar e apagar. Os custos são muito elevados.
A escola democrática de qualidade tem que contar com o contributo indispensável destes agentes, elementos essenciais numa escola que se quer inclusiva e com igualdade de oportunidades para todos os alunos à entrada e à saída.
Apostar num combate ao défice, cortando meios às escolas e ao sistema educativo, desvalorizando a carreira docente, é cercear e bloquear o desenvolvimento e o futuro do país, que tem que ser mais competitivo e dinâmico, numa clara aposta na formação e na educação.
Era Aristóteles que afirmava na sua Metafísica que «Todos os homens desejam por natureza saber», fazendo assim parte da natura rerum esta curiosidade pelo conhecimento, sendo certo que sempre existe um pedaço de estupidez mesmo na mente do homem mais sábio.
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Para ler: Poderá ser um bom fim-de-semana para revisitar a obra poética do surrealista Alexandre O’Neill, nomeadamente, «Poesias Completas» da Imprensa Nacional Casa da Moeda. (1951-1986), 3.ª edição, 1990.
«Les somnambules», de Arthur Koestler.
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Para ouvir: «Travadinha, Feiticeira de Cor Morena», Le Violon du Cap Vert, Ruda Records.
«Ser Solidário», José Mário Branco, EMI–Valentim de Carvalho.
«Cantares do Andarilho», José Afonso, Moviplay, SA.
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– Quase – Este advérbio caracteriza na perfeição a mentalidade e incapacidade sistémica para concretizar.
É frequente justificarmos os insucessos com este quase, como que numa tentativa de desresponsabilização pelos fracassos, tentando imputar a responsabilidade para terceiros fugindo ao julgamento da opinião pública. Diz então o nosso povo que «a culpa morreu solteira». Não será chegado o momento de num acto de maturidade cívica, avaliarmos o desempenho dos outros com base na sua capacidade ou não de realização, afastando subjectivismos e afectividades?
Na verdade, como alguém escreveu, quem quase vive já morreu e quem quase morre ainda vive, pelo que devemos utilizar mais horas a fazer do que a planear e nunca adiar a vida. Se o meio-termo fosse plausível, o mar não teria ondas.
Uma das gerações mais criativas e atormentadas poeticamente foi a geração da Orpheu, o grupo responsável pela introdução do Modernismo e do Futurismo nas artes e letras portuguesas no início do século XX, numa tentativa de «dar uma bofetada no gosto público». Fizeram parte deste grupo como é consabido, Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros, Amadeo de Souza-Cardoso e Santa Rita Pintor.
Mário de Sá-Carneiro no seu poema «Quase», desenvolveu densamente esta realidade, escrevendo:
Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
Quasi o amor, quase o triunfo e a chama,
Quasi o princípio e o fim – quasi a expansão …
Mas na minh´alma tudo se derrama…
Entanto nada foi só ilusão!
Nos finas do século XIX, ninguém melhor que o grande Eça de Queiroz, no seu romance «O Crime do Padre Amaro», define esta realidade de forma perfeita. No final do romance e de todo o enredo, perante uma sociedade anquilosada, cada vez mais afastada do resto da Europa, no Largo do Loreto em Lisboa onde apenas se vislumbram sinais do Portugal decadente dos finais do século, as classes sociais responsáveis por toda essa degradação, junto à estátua de Luís de Camões que ocupa o centro do Largo e numa conversa animada criticam «todos aqueles que se queixam, que dizem tolices sobre a decadência de Portugal, e que estamos num marasmo, e que vamos caindo no embrutecimento…» Estes personagens nem sequer têm categoria para se encostar à estátua do grande Camões, quase se encostando às grades que cercam a estátua! Eça, o mestre da prosa de bom sabor, utiliza este recurso estilístico para de forma perfeita nos dizer que o «quase» é o sentimento dos mentecaptos.
Será que o atraso em que nos encontramos se deve essencialmente ao facto de sermos governados por maus políticos, que com frequência se refugiam neste quase à medida daqueles que não foram talhados para o cargo que ocupam?
O grande poeta de língua castelhana Ruben Dario, escrevia,
Quasi, quasi, me dissiste
Que quasi , quasi te he querido,
De no ser por el del quase,
Quase me caso contigo!
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Para ler: Poderá ser um bom fim-de-semana para revisitar a obra poética de Mário de Sá-Carneiro, nomeadamente, «Obra poética de Mário de Sá-Carneiro» Editorial Presença, Lisboa, 1985.
«O crime do Padre Amaro», de Eça de Queirós, Livros do Brasil.
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Para ouvir: «Bebo & Cigala», Lágrimas Negras, BMG.
«Joaquin Rodrigo – Concierto Aranjuez», Narciso Yepes, Deutsche Grammophon.
«Dollar Brand v/ Abdullah Ibraim», Live at Montreux 1980.
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Para ver: «I’m your Man», DVD de Leonard Cohen, ed. Lionsgate, Cameo.
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