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O historiador Jorge Martins publicou em tempos de comemorações centenárias mais um livro intitulado «A República e os Judeus». O autor recorda no jornal «Público» que com a República «os judeus tinham vida pública e não se escondiam na sinagoga como seres exóticos e marginais».

O historiador Jorge Martins dispensa apresentações. Escritor e cronista no Capeia Arraiana fez coincidir o lançamento de mais um livro sobre a história dos judeus com as comemorações do Centenário da República que vão acontecendo um pouco por todo o País.
No jornal «Público» escreveu, recentemente, um artigo intitulado «A 1.ª República – A conquista da cidadania» do qual publicamos um excerto:
«A Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) obteria a sua legalização a 9 de Maio de 1912, através de um alvará do Governo Civil de Lisboa. Como o regime republicano facilitava a reorganização da CIL, foram criadas várias instituições: o Boletim (1912); a Associação de Estudos Hebraicos Ubá-le-Sion (1912), organização cultural sionista; a Biblioteca Israelita (1914); o Albergue Israelita (1916), antecessor do Hospital Israelita; a Federação Sionista de Portugal (1920); a associação Malakah Sionith (1915), fundada por Barros Basto no Porto; a Escola Israelita (1922), obra de Adolfo Benarus; o Hehaver (1925), organização juvenil sionista, que desempenharia importante acção de apoio aos refugiados durante a 2.ª Guerra Mundial.
A República também veio criar condições favoráveis à descoberta do fenómeno criptojudaico nas Beiras e Trás-os-Montes. Foi o judeu polaco e engenheiro de minas Samuel Schwarz, contratado em 1915 para vir trabalhar em Portugal, quem desencadeou a chamada «Obra do Resgate», dirigida, a partir de 1926, pelo capitão Barros Basto, republicano “dos quatro costados”, o responsável pelo ressurgimento e legalização da Comunidade Israelita do Porto em 1923, a construção da sinagoga Mekor Haim («Fonte da Vida»), inaugurada em 1938 e a fundação de várias comunidades judaicas (27 entre 1924 e 1934).» (excerto do artigo de Jorge Martins no jornal «Público».)
O excelente prefácio do livro, assinado por Miguel Real, aconselha à leitura da obra pela importância das suas investigações históricas:
«Pelos seus livros publicados, nomeadamente os três volumes de «Portugal e os Judeus» (2006) e a «Breve História dos Judeus em Portugal» (2009), Jorge Martins é hoje, indubitavelmente, o maior historiador português vivo do judaísmo. Não é de admirar, assim, que, em harmonia com as Comemorações do I Centenário da República, ora seja publicado o seu estudo «A República e os Judeus» (…)
No século XX, especialmente no tempo da I República, são exemplarmente estudados e realçados os casos dos projectos de colonização judaica de Moçambique e de Angola, que teriam mudado radicalmente a face económica e religiosa destas colónias portuguesas, elevando em muito o seu peso estratégico internacional, alterando porventura a totalidade subsequente da história portuguesa deste século (…)
Se, por via da política do confronto directo com as instituições católicas, existe claramente uma questão religiosa na I República, não existe, como o estudo de Jorge Martins o prova com clareza, uma questão religiosa com as comunidades judaicas portuguesas. Não existe, portanto, uma questão judaica na I República.
Um livro de aconselhável leitura nos 100 anos do aniversário da implantação da República.» (Prefácio de Miguel Real.)
Jorge Martins é professor, investigador do Centro de Estudos de História Contemporânea Portuguesa do ISCTE e cronista no Capeia Arraiana.
O Capeia Arraiana dá os parabéns a Jorge Martins por mais uma obra indispensável na História de Portugal.
jcl
Concluído que está o primeiro estudo estatístico a partir das fichas dos processos inquisitoriais dos réus naturais ou residentes no Sabugal, vamos agora entrar numa fase mais morosa, mas mais elucidativa da leitura do conteúdo dos processos.
Estamos convictos de que a leitura dos processos nos poderá ajudar, entre outras informações, a localizar a judiaria do Sabugal e confirmar a existência de uma Arca Sagrada – Aron Hakodesh ou Ekhal (designação ibérica) – na Casa do Castelo, corroborada por vários investigadores, designadamente por uma delegação israelita que a visitou recentemente.

De facto, seria da maior importância para a criação de um Roteiro dos Judeus do Sabugal – integrado num Roteiro dos Judeus das Beiras – a validação, pela via documental, da Arca Sagrada da Casa do Castelo. Desse modo, teríamos um importantíssimo ponto de apoio para o Roteiro dos Judeus do Sabugal e uma belíssima peça, conservada pela Casa do Castelo, como pólo de referência, caso se confirme também que aquela habitação era um local de culto, privado ou comunitário. Isto poderia querer significar que a Casa do Castelo faria parte da judiaria do Sabugal.
Convém ter em conta que, após a expulsão / baptismo forçado dos judeus (1496/1497), as comunidades judaicas portuguesas se extinguiram, dispersaram ou reorganizaram noutros locais mais próximos, agora na forma criptojudaica. Já sabemos que os réus sabugalenses da Inquisição se dispersaram pelas Beiras, praticamente por concelhos próximos do Sabugal. Em consequência, é possível que tenham mantido locais secretos de culto no próprio Sabugal.
A escolha dos processos inquisitoriais incidirá, pois, numa primeira fase, nos que se referem aos réus residentes na vila do Sabugal quando da sua prisão. Deste modo, pretendemos encontrar moradas e, a partir delas, conhecer os locais das práticas judaicas. Assim, deixamos para outra fase os processos referentes a réus residentes noutras localidades do concelho. De seguida, serão estudados os processos dos réus naturais do Sabugal, mas residentes noutros concelhos.
Dos 37 processos referentes a réus identificados como residentes na vila do Sabugal, vamos estudar 12, que estão digitalizados pela Torre do Tombo. Todos eles estão acusados de judaísmo.

Como facilmente se depreende, esta fase irá demorar meses e implicará a interrupção desta primeira série de artigos no Capeia Arraiana. Regressaremos quando tivermos dados concludentes sobre os objectivos pretendidos e acima enunciados.
Até breve!
«Na Rota dos Judeus do Sabugal», opinião de Jorge Martins
martinscjorge@gmail.com
NUNES – LIGAÇÕES A OUTRAS FAMÍLIAS – Os Nunes são o terceiro apelido mais representado entre os réus sabugalenses. Se, como vimos, os outros dois apelidos mais numerosos – os Rodrigues e os Henriques – se cruzaram entre eles, verificamos que os Nunes também se misturaram com aquelas duas grandes famílias judaicas do Sabugal.
Contudo, ao contrário dos Rodrigues e dos Henriques, mais cedo os Nunes começam a ser presos no Sabugal. Se entre 1560 e 1665, os réus nascidos no Sabugal acabaram presos noutros concelhos: Guarda (4), Fundão (2), Sabugal (2), Trancoso (1), Penamacor (1), Seia (1), Lisboa (1). A partir de 1670 e até 1745, os réus começam a ser presos no Sabugal, 6 dos quais nascidos no próprio concelho, o que revela a aposta no regresso às origens. Eis a listagem dos concelhos onde foram presos nesse período, com um destaque significativamente desmesurado par o Sabugal, com 21 réus, seguidos do Rio de Janeiro (4), Guarda (1) e Pinhel (1).


De sublinhar a diáspora dos Nunes para o Brasil, caso singular entre os réus sabugalenses. É um caso a estudar. Também vale a pena referir o elevado número de réus naturais da Guarda (6) e de Pinhel (4), pois são concelhos da região beirã bem identificados nas deslocações dos judeus sabugalenses.
CONCELHOS BEIRÕES DAS PRISÕES DOS NUNES | |
MAPA 1 – ENTRE 1560 E 1665 | MAPA 2 – ENTRE 1670 E 1745 |
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Como se vê, as Beiras também são a região preferida das deslocações dos réus sabugalenses. De facto, não se afastam muito e regressam ao Sabugal com o decorrer do tempo. Por outras palavras, os primeiros réus presos não haviam nascido no Sabugal, mas, um século depois, começariam a ser presos nesse concelho.
Através dos processos inquisitoriais podemos constatar que, pelo menos desde os finais do século XVI, os Henriques se misturaram com os Nunes: a ré Leonor Henriques, presa em 1616, era filha de Duarte Henrique e Beatriz Nunes. Quanto aos Rodrigues, cruzaram-se com os Nunes pelo menos desde meados do século XVII, pois o réu Diogo Rodrigues da Costa, preso em 1660, era, nessa data, viúvo de Serafina Nunes. Nesse mesmo ano, encontramos o primeiro cruzamento dos Rodrigues com os Henriques: o réu Jorge Rodrigues Dias era casado com Ana Simoa Henriques e era filho de António Rodrigues Dias e Brites Henriques. As três famílias fundem os laços matrimoniais – de acordo com os dados dos processos – em 1661: a ré Maria Henriques era casada com Simão Rodrigues Aires e era filha de Jerónimo Henriques e Filipa Nunes.
Em conclusão, pelo menos cerca de um século após a introdução da Inquisição em Portugal, as principais famílias judaicas nascidas ou/e residentes no Sabugal já estavam ligadas por laços matrimoniais. Esta situação persistiu até meados do século XVIII, data de que possuímos dados sobre processos inquisitoriais. Contudo, esta realidade certamente entrou pelo século XIX e, quiçá, ainda hoje se encontrarão, no Sabugal e em outros concelhos beirões, essa mistura de ancestrais famílias judaicas. Acresce recordar que a partir de 1765 deixou de haver processos inquisitoriais com acusações de práticas judaizantes. A isso não foi alheia a acção da legislação pombalina, que referimos anteriormente.
«Na Rota dos Judeus do Sabugal», opinião de Jorge Martins
martinscjorge@gmail.com
RODRIGUES – A MAIOR FAMÍLIA SABUGALENSE – Tal como para os Henriques, podemos estabelecer dois períodos para os Rodrigues. O primeiro, entre 1544 e 1704, em que os réus naturais do Sabugal acabariam presos fora do concelho de nascimento. E o segundo, entre 1704 e 1752, em que os réus presos no Sabugal nasceram sobretudo noutros concelhos, mas alguns deles já haviam nascido no concelho, o que revela algum regresso dos Rodrigues ao Sabugal.
Com efeito, entre 1544 e 1704, os Rodrigues nascidos fora do Sabugal foram presos em Pinhel (3), Penamacor (2), Almeida (1), Guarda (1). Entre 1704 e 1752, os Rodrigues naturais do Sabugal foram presos no próprio concelho (6), na Guarda (7), na Covilhã (2), em Viseu (2), no Rio de Janeiro (1), em Seia (1), no Fundão (1), em Miranda (1), em Beja (1), em Lisboa (1), em Tavira (1), em Valladolid (1), na Galiza (1).


No primeiro período (até início do século XVIII), as prisões dos descendentes do Sabugal ocorreram apenas em concelhos das Beiras, mas nenhum deles foi preso no próprio Sabugal. Já na primeira a metade do século XVIII, a maioria dos Rodrigues nascidos fora do Sabugal acabariam presos nas Beiras, particularmente na Guarda e no próprio Sabugal. Confirma-se, como para os Henriques, o regresso dos judeus de apelido Rodrigues ao Sabugal.
CONCELHOS BEIRÕES DAS PRISÕES DOS RODRIGUES | |
MAPA 1 – ENTRE 1544 E 1704 | MAPA 2 – ENTRE 1704 E 1752 |
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Também aqui se verifica que as Beiras são o local predilecto de acolhimento dos Rodrigues. Os mapas permitem observar a importância dos (actuais) concelhos das Beiras para aquelas famílias, do mesmo modo que para os Henriques, como vimos na crónica anterior. Em conclusão, os réus da Inquisição portadores dos apelidos Rodrigues e Henriques não se afastaram das Beiras.
Já tínhamos visto que o cruzamento mais frequente dos Henriques tinha sido com os Rodrigues. Para além daqueles, os Rodrigues, tal como os Henriques, misturaram-se em segundo lugar com as famílias de apelido Nunes (9), seguidos dos Lopes (6), Vaz (3), Álvares, Mendes, Dias e vários outros, episodicamente. Confirma-se, portanto, que não só as famílias Rodrigues, Henriques e Nunes são as mais numerosas entre os réus sabugalenses, como se cruzaram entre elas ao longo dos séculos, criando uma grande família judaica de criptojudeus do Sabugal.
Também foi possível traçar uma genealogia provisória de um dos ramos da família Rodrigues, como se pode constatar abaixo.
GRÁFICO – GENEALOGIA PROVISÓRIA DE UM RAMO DOS RODRIGUES |
Nota: Entre parêntesis os anos das prisões e as idades nessas datas |
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«Na Rota dos Judeus do Sabugal», opinião de Jorge Martins
martinscjorge@gmail.com
A SAGA BEIRÃ DOS HENRIQUES – Apesar da insuficiência dos dados de que dispomos neste momento percebe-se já que as famílias judaicas do concelho do Sabugal se cruzaram. Na verdade, a conhecida prática endogâmica das comunidades judaicas ajuda-nos a perceber melhor como se organizaram, movimentaram e resistiram os2 judeus às perseguições inquisitoriais. No Sabugal não terá sido diferente do resto do país.
Com efeito, as Beiras e Trás-os-Montes são autênticos laboratórios de investigação da história do criptojudaísmo. Aliás, é muito provável que as Beiras constituam a principal referência para os estudos judaicos durante o período de vigência dos tribunais do Santo Ofício (Lisboa, Coimbra, Évora), entre 1536 e 1821.
Atendendo às referidas insuficiências de dados, escolhemos as duas grandes famílias judaicas do Sabugal: os Henriques e os Rodrigues, como vimos anteriormente. Obviamente, há que ter em conta que estamos a falar apenas daqueles que caíram nas malhas da Inquisição, o que deixa de fora os que podem ter saído incólumes, ou os que tenham emigrado.
Começamos com os Henriques. Cruzando os locais de nascimento desta grande família judaica do Sabugal com os locais de residência quando foram presos, veremos melhor os seus percursos, quer por fuga à Inquisição, quer por alastramento da sua presença na região das Beiras, por razões familiares (casamentos) ou profissionais (actividades comerciais).


Ao observar o quadro, constatamos que podemos estabelecer dois grandes períodos para os Henriques. O primeiro, entre 1565 e 1725, em que os portadores daquele apelido nascidos no Sabugal acabaram presos pela Inquisição no próprio Sabugal (5), na Guarda (4), no Fundão (2), em Almeida (1), em Seia (1), em Santarém (1), nos Açores (1), na Galiza (1), no Brasil (1). Podemos concluir que os judeus, depois de algumas prisões de sabugalenses no próprio Sabugal, fugiram da sua terra natal para se fixarem noutros concelhos, principalmente na região das Beiras.
No período seguinte, entre 1725 e 1752, os Henriques nascidos noutros concelhos viriam a ser presos no Sabugal, naturais de Almeida (7), de Pinhel (6), de Penamacor (3), do Sabugal (2), Guarda (1), de Idanha-a-Nova (1), do Fundão (1), de Faro (1).
De facto, observa-se o percurso inverso, ou seja, um certo regresso ao Sabugal. Em todo o caso, foram menos os Henriques naturais do Sabugal a serem presos no seu próprio concelho (2) do que no período anterior (5).
CONCELHOS BEIRÕES DAS PRISÕES DOS HENRIQUES | |
MAPA 1 – ENTRE 1565 E 1725 | MAPA 2 – ENTRE 1725 E 1752 |
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Em suma, as deslocações dos Henriques – todos eles acusados de judaísmo – quase que se circunscreveram às Beiras ao longo de quase dois séculos de perseguições inquisitoriais (1565-1752), como se pode verificar nos mapas seguintes.
Quanto aos cruzamentos, por casamentos, dos Henriques com outras famílias judaicas, destacam-se os Rodrigues, com 13 ligações familiares, seguida dos Nunes, com 11 e de uma diversidade enorme de outras famílias, embora com diminuta representatividade, tais como: Almeida, Magalhães, Costa, Gonçalves, Mercado, Cunha, Solla. Com estas ligações, temos um alargamento da grande família judaica das Beiras em geral e do Sabugal em particular.
Para investigação futura, aqui fica uma genealogia provisória, muito incompleta certamente, de um dos ramos da família Henriques, com os anos de prisão dos réus identificados.
«Na Rota dos Judeus do Sabugal», opinião de Jorge Martins
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AS SENTENÇAS INQUISITORIAIS – A apreciação das sentenças proferidas pelos tribunais da Inquisição pode ajudar-nos a traçar o panorama da acção do Santo Ofício no concelho do Sabugal.
Recordem-se, no entanto, duas contingências com que confrontavam os réus nesta matéria:
1) o advogado de defesa era escolhido pela própria Inquisição e, em consequência, era mais um denunciante dos indefesos réus;
2) o confisco dos bens dos réus era uma fonte de rendimento fundamental para aquele tribunal, pelo que importaria menos que as penas aplicadas fossem muito violentas, do que a apropriação de bens.
SENTENÇAS | |||||
SENTENÇAS | H | M | AJ | OA | TOTAIS |
Absolvição | 1 | – | – | 1 | 1 |
Admoestação | 1 | 1 | 1 | 1 | 2 |
Cárcere e Hábito | 14 | 26 | 40 | – | 40 | Degredo | 9 | – | 3 | 6 | 9 |
Falecimentos no cárcere | 6 | – | 6 | – | 6 |
Falecimentos no hospital | 1 | – | – | 1 | 1 |
Penitências espirituais | 4 | 3 | 7 | – | 7 |
Perdão Geral | 1 | – | 1 | – | 1 |
Proibição de Ordens | 1 | – | – | 1 | 1 |
Reconciliados | – | 1 | 1 | – | 1 |
Relaxados | 1 | 1 | 2 | – | 2 |
Residência Fixa | 1 | – | 1 | – | 1 |
Segredo | – | 2 | 1 | 1 | 2 |
Soltura | 17 | 15 | 25 | 7 | 32 |
Sentença Desconhecida | 19 | 19 | 29 | 9 | 38 |
No actual estado de investigação não estamos em condições de analisar as sentenças de cerca de um quarto dos processos (38). Para os restantes três quartos de processos, sabemos que há um elevado número (40) de condenações ao cárcere e hábito, as mais das vezes perpétuo, seguido de perto pela sentença de soltura (32). Libertar muitos réus sem condenação a uma pena grave, que poderia ser a de simbólicas penitências espirituais, não se configura muito relevante, porque, entretanto, os seus bens haviam sido confiscados no momento da prisão e, por norma, já não seriam devolvidos, independentemente da sentença proferida.
Mesmo assim, ainda se verifica um número significativo de degredados, as mais das vezes para as inóspitas condições das colónias. Também se registaram 7 falecimentos (6 no cárcere e 1 no hospital) no decorrer dos processos. Isto deve-se, seguramente, às violentíssimas torturas de a que os presos eram sujeitos. Sabe-se que, durante a tortura, havia um médico a observar os réus, não para os proteger da violência e os tratar, mas para que não morressem em plena tortura, mas para que pudessem continuar a ser torturados.
A sentença mais grave era a de relaxados, que condenava os réus a morrer nas fogueiras, ateadas em locais públicos ventosos, atados a um poste alto, para que fossem lentamente consumidos pelas chamas. Geralmente, era perguntado aos condenados à fogueira, já atados ao poste, se preferiam morrer na fé judaica (ou outra não cristã) ou se convertiam, à hora da morte, ao cristianismo. Os que escolhiam a conversão eram garrotados (enforcados) primeiro e queimados depois. Os que não conseguiam abandonar o judaísmo, mesmo nesse terrível momento em que sabiam que iam morrer, eram queimados vivos, sofrendo durante horas, pois os órgãos vitais não eram logo atingidos, perante a população ululante.
Se agruparmos as sentenças em três níveis de dureza, verificamos as penas mais duras são em menor quantidade (18) e as mais leves em maior quantidade (48), ficando as restantes num nível intermédio (40). Para o nível mais duro, juntámos o degredo, o falecimento no hospital ou no cárcere e a sentença de relaxado. Para o nível intermédio, considerámos apenas o cárcere e hábito, que era muito usual nas sentenças, sendo muitas vezes considerado perpétuo e noutras reduzidas a um pequeno período. As restantes sentenças foram consideradas penas leves.
«Na Rota dos Judeus do Sabugal», opinião de Jorge Martins
martinscjorge@gmail.com
OS ANOS DAS PRISÕES INQUISITORIAIS – Os judeus sabugalenses desde cedo começaram a ser atormentados pela Inquisição. O primeiro processo data de 1544, oito anos após a introdução do Santo Ofício em Portugal e o último de 1795, numa altura em que aqueles tribunais religiosos já estavam em declínio.
Com efeito, se a Inquisição foi autorizada pelo Papa em 1536, o primeiro auto-de-fé realizou-se em Lisboa em 1540, para apenas quatro anos depois serem suspensos (1544-1548) pela Santa Sé, assim como o confisco de bens seria suspenso entre 1546 e 1558. Compreende-se assim a não existência de prisões no Sabugal durante 16 anos (1544-1560), pois, para a Inquisição, o mais importante era a fonte de rendimento que esses confiscos constituíam. Também se percebem os 21 anos sem prisões (1675-1696), pois a própria Inquisição foi suspensa pelo Papa entre 1674 e 1681.
Provavelmente, o maior período sem prisões (1634-1660) prender-se-á com a União Ibérica (1580-1640), período em que a Inquisição portuguesa terá sofrido a influência da Inquisição espanhola em decadência, aligeirando a sua acção em Portugal e muitos cristãos-novos se instalaram em terras do império espanhol e com mais facilidade no Brasil, designadamente em consequência da invasão e administração de territórios brasileiros pela Holanda entre 1624 e 1654, facultando aos judeus o livre culto.
A última prisão de um réu do Sabugal acusado de judaísmo ocorreu em 1773, justamente o ano da lei do Marquês de Pombal que pôs fim à distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos. Outro fenómeno curioso foi o da constatação de que nos primeiros cem anos de actividade da Inquisição as prisões terem ocorrido à baixa média de uma em cada três anos, mas nos cem anos seguintes terem triplicado para a média de um processo por ano.




Se fragmentarmos esse longo martírio da acção inquisitorial no concelho do Sabugal (1544-1795) em períodos de 50 anos, podemos ver melhor quais foram aqueles em que se concentraram as prisões. Entre 1544 e 1600 registaram-se 22 processos; entre 1601 e 1650, apenas 14; entre 1651 e 1700 subiram para 34; entre 1701 e 1750 registou-se o maior número: 65 e entre 1751 e 1795 o menor número: 6. Em suma, as prisões foram em maior número na segunda metade do século XVII e na primeira metade do século XVIII.

Dos anos em que houve mais prisões no Sabugal, destacam-se o de 1745 (13), 1703 (12), 1670 (8) e 1726 (7). A segunda metade do século XVIII, ou seja, o período final da acção inquisitorial revelou-se o mais violento para os sabugalenses, o que já se sabia para a generalidade do país. Com efeito, enquanto a inquisição espanhola estava em declínio, a inquisição portuguesa ressurgiu com mais violência após a restauração da independência portuguesa (1640).

Se atentarmos nos gráficos abaixo, verificamos que o pico mais alto de processos se situa na primeira metade do século XVIII, com a esmagadora maioria de acusações de judaísmo, que acompanha a curva do total de processos, à excepção do período de 1544-1600.


Quanto à distinção entre homens e mulheres, sobretudo os acusados de judaísmo, elas foram em maioria no pior período para os judeus sabugalenses – na referida primeira metade do século XVIII –, demonstrando, uma vez mais, que por serem as mulheres as principais responsáveis pela transmissão das práticas judaicas aos filhos, estavam mais sujeitas a denúncias e consequentes prisões.


«Na Rota dos Judeus do Sabugal», opinião de Jorge Martins
martinscjorge@gmail.com
DESLOCAÇÕES DOS RÉUS SABUGALENSES – A mobilidade dos judeus apanhados nas malhas da Inquisição constitui um precioso indicador para o conhecimento das teias genealógicas judaicas numa determinada região. Isso configura-se particularmente claro na região das Beiras.
Repare-se, que só estamos a analisar processos referentes ao concelho do Sabugal. Imagine-se o que seria se o fizéssemos para os restantes concelhos das Beiras.

Analisando a naturalidade dos réus que vieram morar para o concelho do Sabugal, verificamos que 22 (30%) não saíram do concelho, sendo originários das freguesias do Sabugal (11), do Soito (5), de Alfaiates (4), da Nave (1) e de Vilar Maior (1). De fora do concelho do Sabugal vieram residir 37 réus para o Sabugal, 12 para o Soito, 7 para Aldeia da Ponte e 5 para Alfaiates, perfazendo um total de 50. Ficámos também a saber que os locais mais frequentes dos réus que vieram, de outros concelhos, residir para as freguesias do Sabugal foram os seguintes: 8 da Guarda vieram viver para o Sabugal e 2 para o Soito; 7 de Almeida para o Sabugal; 5 de Pinhel para o Soito e 2 para o Sabugal e 3 de Idanha-a-Nova para o Sabugal.

Quanto aos locais para onde foram residir os réus naturais do concelho do Sabugal, constatamos que se mantém, obviamente, o número (22) dos que permaneceram no concelho onde nasceram, como vimos. Para fora do concelho foram viver 49 réus, número idêntico aos que vieram de fora para o Sabugal, como também vimos.
Os destinos mais frequentes dos réus naturais de Sabugal foram os seguintes: Guarda, com 10 réus; Lisboa, com 7; Rio de Janeiro, com 4; Penamacor, Covilhã e Fundão, com 3 réus cada. Sublinhe-se alguma tendência para os réus se manterem relativamente perto do Sabugal. O estudo futuro da genealogia poderá revelar a familiaridade de muitos desses réus, que se deslocavam permanentemente, quer para fugir às perseguições da Inquisição, quer devido ao seu envolvimento em redes comerciais, também elas praticadas por membros das mesmas famílias.


LEGENDA: 1-Sabugal, 2-Almeida, 3-Pinhel, 4-Trancoso, 5-Celorico da Beira, 6-Guarda, 7-Belmonte, 8-Manteigas, 9-Seia, 10-Covilhã, 11-Fundão, Penamacor, 13-Idanha-a-Nova, 14-Castelo Branco, 15-Viseu, 16-Vila Nova de Paiva, 17-Tarouca, 18-São João da Pesqueira, 19-Póvoa de Lanhoso, 20-Miranda do Douro, 21-Tomar, 22-Santarém, 23-Lisboa, 24-Beja, 25-Tavira, e 26-Faro.
LINHAS: azul: concelhos que pertencem à Associação de Municípios da Cova da Beira; verde: zona aproximada das Beiras.
Como se pode observar no mapa, as deslocações dos réus entre o Sabugal e os outros concelhos está muito concentrada na zona das Beiras, pelo que seria muito interessante conhecer detalhadamente as famílias que se vão espalhando pela região, revelando a dimensão do fenómeno criptojudaico nesta região, que se sabe ser muitíssimo importante. Acresce que vários concelhos que integram a Associação de Municípios da Cova da Beira (AMCB) estão no coração das movimentações judaicas, como também se pode constatar. Ganha enorme relevo o facto de, para além do Sabugal, Belmonte, Guarda e Trancoso serem concelhos da AMCB, cujas câmaras municipais têm trabalho reconhecido sobre a presença judaica nos seus concelhos. Para além destes, podemos, para já, acrescentar-lhe Penamacor, que tem um número muito elevado de processos inquisitoriais. Esta realidade exigiria uma política cultural concertada, talvez liderada pela AMCB, no sentido de criar uma Rota dos Judeus das Beiras, que integrasse, entre outras, as vertentes da antropologia, da história e do turismo, uma vez que o turismo cultural e religioso é hoje uma actividade de grande importância para os municípios e para as regiões.
«Na Rota dos Judeus do Sabugal», opinião de Jorge Martins
martinscjorge@gmail.com
NATURALIDADE E MORADA DOS RÉUS – Para conhecer o percurso geográfico dos réus do Sabugal, designadamente a mudança de residência em consequência das perseguições inquisitoriais, vamos analisar a sua naturalidade e morada, por freguesia, tanto quanto nos é possível neste momento.
Temos 131 processos (91,6% do total) com identificação da naturalidade e/ou morada quando da sua prisão, dos quais, 104 (79,4%) se referem a réus acusados de judaísmo. Podemos verificar, portanto, que a elevada percentagem de judaizantes se mantém, pelo que nem seria necessário discriminá-los por freguesia.

Das 40 freguesias actualmente existentes no concelho do Sabugal só conseguimos apurar processos da Inquisição para 18. Convém, desde já, assinalar duas condicionantes para os resultados obtidos. A primeira é que só depois de lidos os processos na íntegra é que poderemos confirmar se todos eles se referem efectivamente a naturais ou moradores na freguesia do Sabugal, dada a enorme diferença verificada em relação às restantes freguesias. A segunda condicionante para compreendermos os valores com que vamos trabalhar, prende-se com o facto de não haver coincidência entre o número de processos para cada freguesia e a soma dos naturais e moradores, em virtude de alguns deles serem simultaneamente naturais e moradores.
Refira-se também que a morada diz respeito, em alguns (poucos) casos a réus que foram presos em locais onde exerciam a sua actividade profissional ou podiam mesmo estar apenas de passagem ou escondidos. Finalmente, registe-se que estamos a analisar processos e não réus, alguns dos quais foram presos mais de uma vez e até com uma grande diferença de anos, pelo que surgem repetidos, acontecendo mudar de morada entre as duas prisões.
Se hierarquizarmos as freguesias pelo número de processos existentes, temos quatro que se destacam das restantes 14, a saber: o Sabugal a grande distância com 71 (54,2%), seguida do Soito com 13 (9,9%), de Alfaiates com 11 (8,4%) e da Aldeia da Ponte com 10 (7,6%).

O mapa da distribuição dos processos pelas freguesias do concelho do Sabugal mostra-nos uma presença de judaizantes por quase todo o concelho, apesar da diferente dimensão e de não contemplarem 22 das suas 40 freguesias.
Mas, o mais importante para o presente estudo é conhecer a quantidade relativa de processos com acusações de judaísmo e de outras acusações nestas quatro freguesias. Para o Sabugal temos 66 processos (93%) com acusação de judaísmo e 5 (7%) com outras acusações; para o Soito, 12 judaizantes (92%) e apenas 1 (8%) não acusado de judaísmo; para Alfaiates, 10 judaizantes (91%) e 1 (9%) com outra acusação; e para a Aldeia da Ponte temos 8 acusações de judaísmo (80%) e 2 (20%) com outras acusações. São números que revelam os locais mais associados à persistência da prática judaica.
Acrescente-se a curiosidade de o Soito ter 12 processos referentes a mulheres e apenas 1 homem. Como é sabido, eram geralmente as mulheres judias que se encarregavam da transmissão da prática secreta do judaísmo aos filhos. Ora, aí está uma freguesia onde será deveras interessante estudar o fenómeno.
Na próxima crónica abordaremos as deslocações dos réus, quer dizer as terras de origem dos que vieram viver para o Sabugal e as terras de destino dos que nasceram no Sabugal.
«Na Rota dos Judeus do Sabugal», opinião de Jorge Martins
martinscjorge@gmail.com
OS APELIDOS DOS RÉUS SABUGALENSES – Há um mito muito divulgado acerca dos nomes de origem judaica, que consiste em considerar os apelidos com nomes de árvores como prova da ascendência judaica.
Na verdade, a generalidade dos estudos e dos estudiosos da questão têm concluído que isso não corresponde aos casos conhecidos. Os apelidos dos réus do Sabugal (naturais ou/e residentes) vêm confirmar esta desmistificação.

O estudo dos apelidos dos processos inquisitoriais dos réus naturais ou residentes no concelho do Sabugal desmistificam cabalmente esta ideia generalizada entre nós.
Os nomes de plantas ou árvores dos réus sabugalenses com processo aberto são apenas oito no conjunto dos 143: Carvalho: 2, Pereira: 2, Sabugueiro: 1, Silva: 2, Silveira: 1.
Coisa pouca, se compararmos com os apelidos com mais referências que encontrámos nos processos em análise.

A situação ficará melhor esclarecida se nos concentrarmos nos doze apelidos predominantes, com destaque para os 4 primeiros, que, em conjunto, representam 65 réus acusados de judaísmo: Rodrigues (24), Henriques (21), Mendes (10) e Nunes (10).
Se observarmos a situação social desses réus, dos 26 Rodrigues, 20 são homens e 6 são mulheres, dos quais 23 são cristãos-novos e 3 são de estatuto social desconhecido; dos 21 Henriques, 6 são homens e 15 são mulheres, dos quais 16 são cristãos-novos, 1 cristão-velho e 4 desconhecidos; dos 10 Mendes, 3 são homens e 7 são mulheres, todos cristãos-novos; e dos 11 Nunes, 7 são homens e 4 são mulheres, sendo 9 cristãos-novos e 2 de estatuto social desconhecido.
Finalmente, dos 68 processos referentes aos réus com esses quatro apelidos, 85% eram cristãos-novos e 96% estavam acusados de judaísmo. Não há dúvidas, portanto, quanto à ascendência judaica destas famílias sabugalenses.

Os apelidos constituem mais um contributo para a construção do perfil do judeu sabugalense, a juntar aos anteriores, a saber: homem ou mulher com uma média de 37 anos de idade, com o estatuto social de cristão-novo, o estatuto profissional de mercador ou similar e o apelido de Rodrigues para os homens e de Henriques para as mulheres.
Contudo, é preciso ter em conta que nos estamos a referir apenas aos apelidos dos réus e não aos dos seus pais e até dos avós. Através dos processos inquisitoriais que estamos a analisar, conhecemos a quase totalidade dos pais dos réus e apenas alguns avós, mas será o suficiente para estabelecermos as redes familiares dos cristãos-novos sabugalenses e poder, em consequência, conhecer melhor a genealogia do judaísmo sabugalense ao longo de mais de dois séculos de persistência criptojudaica, quer dizer, do judaísmo praticado no segredo das famílias perseguidas pelos tribunais das Inquisições de Lisboa, Coimbra e Évora.
«Na Rota dos Judeus do Sabugal», opinião de Jorge Martins
martinscjorge@gmail.com
ESTATUTO PROFISSIONAL DOS RÉUS – O estatuto profissional dos réus dos 143 processos da Inquisição referentes ao actual concelho do Sabugal não é conhecido para cerca de metade deles.
Com efeito, 72 processos identificam a actividade profissional dos réus e 71 não identificam. Sublinhe-se que estamos a falar apenas das descrições divulgadas pela Torre do Tombo, situação que pode alterar-se após a consulta detalhada dos processos. Contudo, já temos dados suficientes para caracterizar as profissões dos réus acusados de judaísmo, que é a questão mais importante para o presente estudo.

Dos 72 processos com identificação das actividades profissionais dos réus, 69 referem-se a homens e apenas 3 a mulheres. Estas últimas estavam todas acusadas de práticas judaicas e uma era tendeira, outra vendedora e a última sem ofício. Quanto ao estatuto social dos réus desses 72 processos, 51 (70,8%) eram cristãos-novos, 9 (12,5%) eram cristãos-velhos e 12 (16,7%) eram de estatuto desconhecido. Dos réus com estatuto profissional conhecido, 56 (78%) estavam acusados de judaísmo. Estes valores permitem-nos ter uma ideia aproximada das profissões dos réus sabugalenses acusados de práticas judaicas. É disso que trataremos de seguida.
Das actividades profissionais destaca-se a de mercador com 18 réus (25%), seguida da de tendeiro com 5 réus, das de clérigo e lavrador com 4 cada e da de almocreve com 3. Todas as restantes profissões têm apenas 1 ou 2 réus a exercê-las.
QUADRO 2 – ACTIVIDADES PROFISSIONAIS PREDOMINANTES | ||||
MERCADOR | TENDEIRO | CLÉRIGO | LAVRADOR | ALMOCREVE |
18 | 5 | 4 | 4 | 3 |
A primeira conclusão que pode tirar é que se confirma aqui a actividade mais praticada pelos judeus. Se agruparmos algumas actividades similares dos acusados de judaísmo teremos uma perspectiva mais detalhada da sua realidade profissional: 31 dedicavam-se a actividades comerciais e 6 a actividades artesanais.
QUADRO 3 – ACTIVIDADES COMERCIAIS | ||||||
ALMOCREVE | CONTRATADOR | MERCADOR | TENDEIRO | TRATANTE | VENDEDOR | TOTAL |
3 | 1 | 17 | 5 | 4 | 1 | 31 |
QUADRO 4 – ACTIVIDADES ARTESANAIS | |||||
CONFEITEIRO | CURTIDOR | FERRADOR | SAPATEIRO | TOSADOR | TOTAL |
1 | 1 | 1 | 2 | 1 | 6 |
Ainda assim, temos quatro lavradores, actividade pouco habitual nos judeus, por imposição legal desde a Idade Média. Quanto a profissões socialmente mais conceituadas temos: estudante de leis, farmacêutico, feitor de alfândega, juiz de órfãos, mordomo, ourives, e rendeiro. Repare-se no facto de haver um único ourives, uma profissão associada ao estigma do judeu rico e poderoso.
Se tivermos em conta que os réus acusados de judaísmo têm habitualmente um elevado grau de probabilidade de se tratar, de facto, de praticantes da religião judaica (apesar de todos os perigos que isso implicava), através dos dados já obtidos, podemos definir o perfil do judeu sabugalense vítima da Inquisição: era um homem ou uma mulher, com 37 anos de idade, estatuto social de cristão-novo e estatuto profissional de comerciante.
«Na Rota dos Judeus do Sabugal», opinião de Jorge Martins
martinscjorge@gmail.com
IDADE E SEXO DOS RÉUS SABUGALENSES – De um total de 143 processos das Inquisições de Lisboa, Coimbra e Évora referentes a naturais ou/e residentes no actual território do concelho do Sabugal entre os séculos XVI e XVIII, apenas 81 (57%) exibem a idade dos réus na descrição elaborada pela Torre do Tombo.
É com aqueles em que estão identificadas as idades que vamos trabalhar estatisticamente. Dos 81 processos, 72 (88,9%) referem-se a réus acusados de judaísmo e 9 (11,1%) a outras acusações. É uma proporção compatível com a percentagem de processos de acusação de judaísmo (81,1%) no total dos 143 processos em estudo, como mostrámos na crónica anterior.
QUADRO 1 – PROCESSOS COM A IDADE DOS RÉUS | |
N.º DE PROCESSOS | N.º DE PROCESSOS COM AS IDADES DOS RÉUS |
143 | 81 (57%) |
QUADRO 2 – PROCESSOS COM AS IDADE DOS RÉUS ACUSADOS DE JUDAÍSMO | ||
COM AS IDADES | ACUSADOS DE JUDAÍSMO | OUTRAS ACUSAÇÕES |
81 | 72 (88,9%) | 9 (11,1%) |
Quanto às idades dos réus, o mais novo tinha 14 anos quando foi preso nos cárceres da Inquisição e o mais velho tinha 80 anos (ambos estavam acusados de judaísmo). Eis a lista completa das idades: 14 anos: 1 processo; 15A: 2P; 17A: 1P; 18A: 3P; 19A: 4P; 20A: 1P; 21A: 1P; 22A: 1P; 23A: 2P; 24A: 2P; 25A: 2P; 28A: 5P; 30A: 7P; 31A: 3P; 32A: 1P; 33A: 6P; 34A: 1P; 35A: 3P; 37A: 1P; 38A: 2P; 40A: 5P; 41A: 1P; 42A: 1P; 43A: 1P; 44A: 1P; 45A: 1P; 46A: 1P; 47A: 2P; 50A: 3P; 55A: 1P; 56A: 3P; 60A: 6P; 64A: 1P; 65A: 1P; 68A: 1P; 70A: 1P; 75A: 1P; 80A: 1P.
Se hierarquizarmos as idades mais frequentes, obtemos a seguinte lista:
QUADRO 3 – IDADES MAIS FREQUENTES DOS RÉUS | |||||||||||
IDADES | 30 | 33 | 60 | 28 | 40 | 19 | 18 | 31 | 35 | 50 | 56 |
N.º DE RÉUS | 7 | 6 | 6 | 5 | 5 | 4 | 3 | 3 | 3 | 3 | 3 |
Para se tornarem mais claras as faixas etárias com maior incidência, atentemos no seguinte gráfico:

Deste gráfico, ressaltam à vista as faixas etárias dos 31 aos 40 anos (22 processos) e dos 21 aos 30 anos (20 processos). Juntas, estas duas faixas etárias representam mais de metade (52%) dos processos com referência às idades dos réus. Assim, e em conclusão, os sabugalenses mais assolados pela Inquisição viviam na idade adulta (21-40 anos). Não deixa de ser significativo que a terceira faixa etária mais encarcerada estivesse abaixo dos 21 anos, como se pode verificar pelo quadro abaixo:
QUADRO 4 – HIERARQUIZAÇÃO DAS FAIXAS ETÁRIAS DOS RÉUS | |||||||
FAIXA ETÁRIA | 31-40 | 21-30 | 14-20 | 41-50 | 51-60 | 61-70 | 71-80 |
N.º DE PROCESSOS |
22 (27,16%) |
20 (24,69%) |
12 (14,81%) |
11 (13,58%) |
10 (12,34%) |
4 (4,93%) |
2 (2,46%) |
Quanto às idades dos réus, resta acrescentar os 9 processos de não acusados de judaísmo: 2 processos de 28 anos; 2 de 30 anos; 1 de 33 anos; 1 de 43 anos; 1 de 55 anos; 1 de 56 anos e 1 de 70 anos, ou seja, 4 da faixa dos 21-30 anos; 1 da faixa dos 31-40 anos; 1 da faixa dos 41-50 anos; 2 da faixa dos 51-60 e 1 da faixa dos 61-70 anos. Nada que contrarie a tendência geral das idades dos encarcerados pelas Inquisições.
Estes dados permitem-nos constatar que o judaísmo resistiu no concelho do Sabugal ao longo dos mais de dois séculos de investidas do Santo Ofício, pois os adultos e os jovens, que teriam mais a perder do que os idosos, não abandonaram a prática da sua religião ancestral, apesar das conhecidas sevícias a que eram submetidos nos cárceres da Inquisição. Não eram os velhos descuidados que caíam nas malhas do “fero monstro”, nome por que foi designada a Inquisição por um judeu português exilado, chamado Samuel Usque, que publicou, em Ferrara (Itália), uma notável obra em língua portuguesa, intitulada “Consolação às Tribulações de Israel”. Pelo contrário, eram os homens e as mulheres mais maduros e activos que persistiam em desafiar os inquisidores
E, por falar em mulheres, elas foram quase tantas como os homens a sofrer as agruras da sua coragem religiosa. Com efeito, os 143 processos estavam assim repartidos por sexo: 77 homens, ou seja 53,85% e 66 mulheres, ou seja 46,15%.
Para se poderem comparar os números de processos por sexo, referentes a cristãos-novos, cristãos-velhos e de situação social desconhecida, observe-se o quadro que segue:
QUADRO 4 – HIERARQUIZAÇÃO DAS FAIXAS ETÁRIAS DOS RÉUS | |||||||
FAIXA ETÁRIA | 31-40 | 21-30 | 14-20 | 41-50 | 51-60 | 61-70 | 71-80 |
N.º DE PROCESSOS |
22 (27,1%) |
20 (24,6%) |
12 (14,8%) |
11 (13,5%) |
10 (12,3%) |
4 (4,9%) |
2 (2,4%) |
Quanto às idades dos réus, resta acrescentar os 9 processos de não acusados de judaísmo: 2 processos de 28 anos; 2 de 30 anos; 1 de 33 anos; 1 de 43 anos; 1 de 55 anos; 1 de 56 anos e 1 de 70 anos, ou seja, 4 da faixa dos 21-30 anos; 1 da faixa dos 31-40 anos; 1 da faixa dos 41-50 anos; 2 da faixa dos 51-60 e 1 da faixa dos 61-70 anos. Nada que contrarie a tendência geral das idades dos encarcerados pelas Inquisições.
Estes dados permitem-nos constatar que o judaísmo resistiu no concelho do Sabugal ao longo dos mais de dois séculos de investidas do Santo Ofício, pois os adultos e os jovens, que teriam mais a perder do que os idosos, não abandonaram a prática da sua religião ancestral, apesar das conhecidas sevícias a que eram submetidos nos cárceres da Inquisição. Não eram os velhos descuidados que caíam nas malhas do “fero monstro”, nome por que foi designada a Inquisição por um judeu português exilado, chamado Samuel Usque, que publicou, em Ferrara (Itália), uma notável obra em língua portuguesa, intitulada “Consolação às Tribulações de Israel”. Pelo contrário, eram os homens e as mulheres mais maduros e activos que persistiam em desafiar os inquisidores
E, por falar em mulheres, elas foram quase tantas como os homens a sofrer as agruras da sua coragem religiosa. Com efeito, os 143 processos estavam assim repartidos por sexo: 77 homens, ou seja 53,85% e 66 mulheres, ou seja 46,15%.
Para se poderem comparar os números de processos por sexo, referentes a cristãos-novos, cristãos-velhos e de situação social desconhecida, observe-se o quadro que segue:
QUADRO 5 – SEXO DOS RÉUS | ||||
SEXO | CRISTÃOS-NOVOS | CRISTÃOS-VELHOS | DESCONHECIDOS | TOTAIS |
HOMENS | 52 (67,5%) | 10 (13,0%) | 15 (19,5%) | 77 (53,8%) |
MULHERES | 50 (75,7%) | 5 (7,6%) | 11 (16,7%) | 66 (46,1%) |
«Na Rota dos Judeus do Sabugal», opinião de Jorge Martins
martinscjorge@gmail.com
A presença de uma comunidade judaica no Sabugal está documentada (pelo menos) desde o início do século XIV. Os reconhecidos estudos medievais da historiadora Maria José Ferro Tavares incluem a comuna judaica do Sabugal entre as três dezenas que identificou para o período de 1279-1383, tendo confirmado documentalmente a sua existência em 1316, através de uma dívida dos judeus do Sabugal ao rei D. Dinis em 16 de Agosto desse ano.
QUADRO 1 – CRISTÃOS-NOVOS E CRISTÃO-VELHOS | |||
N.º DE PROCESSOS | CRISTÃOS-NOVOS | CRISTÃOS-VELHOS | DESCONHECIDOS |
143 | 102 (71,3%) | 15 (10,4%) | 26 (18,3%) |
QUADRO 2 – TOTAL DE ACUSAÇÕES – 143 PROCESSOS | |||||
JUDAÍSMO | BLASFÉMIA | HERESIA | BIGAMIA | VISÕES | OUTRAS |
116 (81,1%) | 5 (3,4%) | 5 (3,4%) | 4 (2,7%) | 2 (1,3%) | 11 (8,1%) |
QUADRO 3 – ACUSAÇÕES DE CRISTÃOS-NOVOS | ||
N.º DE PROCESSOS | JUDAÍSMO | OUTRAS |
102 | 97 (95%) | 5 (5%) |
Mas a comunidade judaica do Sabugal manteve-se até ao final do século XV. Com efeito, a menos de um ano da expulsão dos judeus, que D. Manuel I decretou em Dezembro de 1496, também há prova documental da persistência da judiaria do Sabugal, como o atesta uma carta de D. Manuel datada de 12 de Janeiro de 1496. O resto da infeliz história dos judeus portugueses dessa época é conhecido: depois do decreto de expulsão de 1496, seguiu-se o baptismo forçado de 1497, com a consequente proibição do judaísmo e a destruição das comunidades judaicas de todo o reino, sobretudo a partir da introdução da Inquisição, que existiu legalmente entre 1536 e 1821.
Mas, se desapareceram as comunidades judaicas, não aconteceu o mesmo ao judaísmo que, de forma secreta ou disfarçada, sobreviveu a quase três séculos de acção criminosa dos tribunais da Inquisição de Lisboa, Évora e Coimbra (e Goa, na Índia). De entre os cerca de 45.000 processos das Inquisições, existentes na Torre do Tombo, alguns narram a resistência dos judeus do Sabugal. Por isso, fomos à procura deles e encontrámos 143 processos relativos a pessoas que viviam ou/e haviam nascido no actual território do concelho do Sabugal quando foram parar aos cárceres do Santo Ofício.
A partir de hoje, daremos aqui, no Capeia Arraiana, conta dos resultados preliminares da análise desses processos. A primeira conclusão que podemos tirar é que, dos 143 processos, 102 foram identificados como cristãos-novos (descendentes de judeus), representando 71,3%, enquanto apenas 15 se referem a cristãos-velhos (descendentes de cristãos) e representam 10,4%. Se tivermos em conta que 26 processos (18,3%) não identificam o estatuto social dos réus, restam-nos 127 processos com estatuto social conhecido, aumentando para 80% a percentagem de cristãos-novos contra 20% de cristãos-velhos. Em consequência, podemos concluir que os judeus eram a vítima predilecta dos inquisidores.
Continuando a analisar os processos do Sabugal, temos 116 (81,1%) acusados de judaísmo, 5 (3,4%) acusados de blasfémia, 5 acusados de heresia (3,4%), 4 acusados de bigamia (2,7%), 2 acusados de visões (1,3%) e 11 (8,1%) julgados por várias acusações, com 1 processo cada um: sacrilégio, luteranismo, sodomia, perjúrio, pacto com o demónio, impedimento do ministério do Santo Ofício, violação de Ordens religiosas, abuso da função de padre, feitiçaria, intitular-se abusivamente oficial da Inquisição e molinismo (seita religiosa).
Finalmente, dos 102 processos a cristãos-novos, 97 (95%) foram acusados da prática da religião judaica. Os restantes 5 (5%) foram acusados de blasfémia, bigamia, heresia, de impedir o ministério do Santo Ofício e violação de Ordens religiosas. Também se pode concluir que a acusação de judaísmo era esmagadoramente maioritária. Em suma: a Inquisição foi, efectivamente, introduzida em Portugal para perseguir os judeus e o judaísmo e o caso do Sabugal confirma plenamente essa tese.
«Na Rota dos Judeus do Sabugal», opinião de Jorge Martins
martinscjorge@gmail.com
O sabugalense por adopção, professor Jorge Martins, dá início este sábado, às 18 horas, às suas crónicas semanais «Na Rota dos Judeus do Sabugal» sobre as investigações que tem feito em arquivos como, por exemplo, a Torre do Tombo, sobre a comunidade judaica da região raiana do Sabugal. Bem-vindo e bem-haja pela sua disponibilidade.
jcl e plb
Estes três desenhos do castelo do Sabugal, da autoria de Duarte d’Armas, fazem parte da obra «Livro das Fortalezas que são situadas no extremo de Portugal e Castela» (c. 1509), editada a pedido de D. Manuel I. O rei encarregou o autor de fazer o levantamento de todas as fortificações que faziam fronteira com Castela, desde Caminha a Castro Marim.
O cartógrafo Duarte d’Armas, nascido cerca de 1465 em Lisboa, escudeiro da Casa Real, desenhou os castelos solicitados em duas panorâmicas e uma planta. As suas anotações, onde se pode ver a localização da vila do Sabugal, constituem um precioso contributo para o estudo da vila medieval e da sua evolução. Este exemplar, tratado pelo historiador António Baião, encontra-se depositado no Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo.
A publicação pelo Capeia Arraiana destes três desenhos do Castelo do Sabugal, pouco conhecidos dos sabugalenses, é um modesto contributo para a história do concelho e um primeiro passo para futuras investigações sobre a história da comunidade judaica local que, já se pode afirmar hoje, sobreviveu à expulsão dos judeus de Portugal em 1496 e ao estabelecimento da Inquisição em 1536. Há provas documentais de que os judeus do Sabugal resistiram à Inquisição até meados do século XVIII, ou seja, até ao seu funcionamento efectivo, em boa hora interrompido pelo Marquês de Pombal.
Proximamente, daremos a conhecer no Capeia Arraiana os resultados preliminares desses estudos em curso.
Jorge Martins
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