Comemorou-se ainda o 1º de Dezembro, lembrando os 40 conjurados de 1640, pois já diz alguém que a história dos heróis tem de escrever-se á luz bruxuleante dos seus túmulos. É ali que a língua calada fala mais eloquentemente; os olhos cerrados irradiam profusamente a claridade duma vida impoluta e os braços descaídos fazem brandir, como nunca, a espada justiceira dos seus exemplos.

1º Dezembro

Até na morte são heróis, porque morrendo vivem no pensamento dos vivos. Os seus túmulos são as colunas da história; os exemplos o sangue das pátrias e o coração o altar das novas imolações.
Negar isto, é rematada cegueira; denegrir a sua vida é inveja cobardia; rasgar a história é imperdoável traição.
Por certo, cada um de nós ainda não rasgou a história na sua mente e no coração ainda não se apagou o amor sagrado da Pátria. Sendo assim, á luz fulgurante da nossa história, descobriremos o sentido profundo e atual deste dia no coração de portugueses e guardaremos a alta lição dos conjurados – uma página da história de imputável valor heroico.
Leiamos, pois, esta página aberta ao acaso:
– Era uma vez um rei valente, jovem e esperançoso. A História chama-lhe D. Sebastião. Que importa o nome? Nós preferimos chamar-lhe o jovem Rei-Sol, porque o brilho da sua mocidade era capaz de ofuscar a claridade de milhares de sóis.
A história curta da sua vida diz ainda:
– Foi um jovem valente e o seu fulgor sentiu lá nas terras orientais as agonias do entardecer. No coração trazia Portugal. Alcácer-Quibir seria o poente dum reinado, o eclipse duma nacionalidade, mas ele, montado no seu corcel de fogo, voltaria numa manhã de nevoeiro, quando os portugueses dormissem, para derrubar do seu trono os intrusos.
Povo apanha o conde AndeiroHaveria de reinar, já que, antes de morrer, muitos o haviam matado no seu coração. Porém, Portugal não encontrou a morte e um eclipse jamais é negação de sol e 1580 não era sinal de perda de independência. Foi um desvio ocasional do rumo da história, uma página por escrever no glorioso livro dos nossos destinos. É que a história das pátrias, como a dos homens, por vezes, sofre cortes inesperados, cruza-se e entrelaça-se, mercê de circunstâncias várias no tempo e no espaço. A razão é simples. Cada homem isolado, com a sua personalidade inconfundível, é, conscientemente ou não, uma das muitas letras que, sabiamente combinadas, fazem a história gloriosa ou infame dum povo. A vida é de quem a souber viver, a história é de quem a escrever melhor. Eis a razão por que, em todos os tempos, as pátrias tiveram o seu período negro e a história as suas erratas. A nossa fora começada por D. Afonso Henriques, escrita com o sangue de heróis, aquecida com as lágrimas salgadas e quentes e ilustrada pela mão hábil dos seus chefes.
Já diz o poeta, em versos, a ressoar de unção e de verdade:
Ó Pátria…ó mar,
Quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal
.

Em 1580 acabaram os reis? Gelou o sangue dos heróis? As lágrimas já não salgaram? Não.
A voz dos poetas não emudecera, os heróis não minaram de pasmo ante o espectro de Alcácer-Quibir, nem a paleta dos artistas perdera o contraste e a perspetiva das cores.
O Rei-Jovem eclipsara-se gloriosamente nas escaldantes terras de África e o povo sem o apoio psicológico sentia profundamente a orfandade prematura. O Rei-Sol havia declinado no poente da vida e os portugueses, amarfanhados com tão duro golpe, inclinaram forçadamente a cabeça ao jugo castelhano. Algemadas as mãos, jamais o espírito irrequieto se submeteu a ferros estrangeiros.
Sessenta anos durou o cativeiro do corpo nacional que não o espírito.
Na manhã do dia 1 de Dezembro de 1640 despertou a aurora, rica de promessas. Os grilhões, carcomidos pela ferrugem dos erros castelhanos, quebraram-se; a base do trono, mirrada pela hipocrisia e cobiça, ruiu estrondosamente nesse 1º de Dezembro de 1640. Portugal riu-se do papão, caído de bruços, e o medo-arma psicológica- venceu-se a si mesmo e o jovem Rei-Sol voltou triunfante com a vitória dos conjurados heroicos de 1640, na pessoa de D. João IV, Duque de Bragança.
Todos, remoçados da alma nacional, com fé no ressurgimento nacional, saíram para a rua e, no coração de cada um, cresceu a esperança, ateou-se o fogo sagrado. Portugal, o gigante que desconhecia a sua força, conscientemente aprendeu a lição dos seus heróis que galhardamente derrubaram do trono o poderio espanhol e aclamaram D. João IV, Rei de Portugal.

Por outras razões e não com um historial tão longo e complicado como o do cativeiro de 1580 a 1640, o povo português republicano, o exército e a armada, descontentes com a má governação dos atuais políticos monárquicos, outra solução não havia a tomar, senão empreender uma revolução de que resultou a vitoriosa implantação da República, no dia 5 de Outubro de 1910.
Exilado o Rei D. Manuel II, foi nomeado um governo provisório, a que presidiu Teófilo Braga.

RepúblicaEis a lição profunda da página histórica dos conjurados de 1 de Dezembro de 1640 e dos revolucionários de 5 de Outubro de 1910.
Com tais feitos heroicos, impensável seria retirar os feriados, ainda que provisoriamente, de 1 de Dezembro, dia da restauração da Independência de Portugal do jugo de Espanha; do dia 5 de Outubro, comemorativo da implantação da República com os seus ideais e dos dias de Corpo de Deus e de Todos os Santos, dias Santos de Guarda, de tão grande devoção da maioria do povo português, mesmo assim, foram retirados.
Rasgar a história, a memória coletiva dum povo que é Portugal, não é, por certo, patriotismo.
Assustados e revoltados, dos heroicos conjurados e revolucionários que jazem no eterno descanso ouvem-se gritos de contestação, dizendo que só se calarão, quando os feriados retirados voltarem a ser comemorados.
Em sinal de agradecimento e reconhecimento, desculpai terem-vos quebrado o silêncio sagrado em que viveis. Obrigado pelo vosso heroísmo, porque até na sepultura sois heróis.
Descansai eternamente que bem o mereceis, na certeza de que Portugal continuará a respeitar e a comemorar os feriados retirados
Daniel Machado