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Dizia-me um amigo meu que as melhores histórias são as histórias de vida, as histórias contadas na primeira pessoa.
O livro que acaba de publicar a editora Verso da Kapa, de Patricia Lopes, tem por título Missão – diário de uma médica em Moçambique. É um livro enternecedor e apaixonante. Lê-se de um fôlego. Quando se começa, dificilmente se larga. Está salpicado de histórias comoventes e coloridas, eivadas de um verdadeiro ambiente africano, e estou convencido que cada um dos leitores não se importaria de ter acompanhado a Dra. Patrícia Lopes nas suas viagens de voluntariado ao norte de Moçambique, para partilhar o entusiasmo desta jovem pediatra que se empenhava de tal modo no tratamento das crianças e jovens doentes, a ponto de ter feito uma transfusão de sangue de si próprio para salvar a vida de um menino que estava condenado a morrer. Nota-se uma grande paixão pelo povo macua, tão cheio de tradições ancestrais que o protegem, mas que também o subjugam.
Na sua redoma lisboeta, sentia-se sufocada pelo ram-ram de um curso de medicina demasiado distante das pessoas doentes. Jovem e intuitiva, pressentia ser a África o melhor terreno para pôr em prática o saber acumulado dos estudos de pediatria. A medicina tropical iria estudá-la no terreno, com o seu olhar clínico sempre atento, corroborado com o saber acumulado das irmãs da congregação religiosa de S. João de Deus, em cujo convento a Dra. Patrícia se alojou durante o seu trabalho de voluntária num hospital pediátrico em Iapala.
Entre ir para a prestigiada universidade de Harvard, onde tinha sido selecionada e anuir a um apelo humanitário em África, que a atraía num desejo de servir e de curar crianças necessitadas e, ao mesmo tempo a repelia pelo seu imaginário de florestas atravancadas de animais selvagens, de insetos repelentes, de cobras venenosas, em cima dos cajueiros, e de perigos em todos os cantos, preferiu lançar-se generosa e abertamente à escuta de uma outra cultura, dar do seu melhor a um país que quase a enfeitiçou, aprendendo mais nas suas estadas de voluntariado do que em qualquer curso da melhor universidade americana.
É que o diagnóstico médico na África, e mais concretamente na civilização macua, não é apenas ciência médica, é também antropologia, semântica, sociologia, psicologia, uma autêntica abordagem multidisciplinar. E a Dra. Patrícia não iria aprender isso em Harvard. Inteligente como é, depressa percebeu que o diagnóstico não é só olho clínico, baseado no saber da medicina. É também antropologia, conhecimento das tradições. E nesta civilização têm um peso tremendo. Felizmente que lá estava a irmã Lurdes, com a experiência de largos anos em África – um autêntico livro aberto junto de quem a Dra. Patrícia tentava obter as explicações para compreender os comportamentos menos inteligíveis das pessoas que a vinham consultar. Claude Levi Strauss não saberia mais que aquela competente e boa irmã.
Com este livro, Patrícia Lopes recria um estilo literário muito intimista – o do Diário, que nos atrai e nos empolga, sem conseguirmos retirar os olhos de uma leitura apressada e viva, a fervilhar de imagens. Estamos ao lado da Patrícia, no hospital de Iapala, no norte de Moçambique, em plena savana, a muitas horas de viagem de Nampula, e não queremos sair de lá. Terminando o tratamento de um doente, temos logo vontade de acompanhá-la para partilhamos os sentimentos, as angústias em frente de outros doentes que só vêm ao hospital em último recurso.
São textos saborosos onde se ri ás gargalhadas, como aquele sobre uma jovem mamã que foi a Nampula fazer o registo de um filho recém-nascido e que não lhe aceitaram o nome. Disseram-lhe que não era um nome normal. Veio lamuriar-se às irmãs que a ouviam um pouco distraidamente. Curiosa, a Patrícia perguntou-lhe.
– Mas, afinal, qual era o nome que lhe queria dar?
– Padre Arlindo
Com esta, também nós nos escancarámos às gargalhadas com a Patrícia que, morta de riso, para não chocar a jovem mamã, deixou cair um brinco no chão para esconder a cara debaixo da mesa. Depois compreendera que o padre Arlindo tinha sido um missionário – categoria de pessoas muito importantes – que tinha ficado amigo do papá do bebé, quando trabalhava em Nampula.
Ou aquele em que descreve o calvário para reparar a prótese dentária que uma irmã tinha partido. Habituada ao desenrasque africano, a irmã acreditou que alguém lhe poderia valer, mesmo se o velho estomatologista indiano, a viver em Nampula há trinta anos, não dispunha do equipamento adequado. Por conselhos de uns e de outros, as irmãs e a Patrícia dirigiram-se em vão à garagem em frente do mercado, que dispunha de material para soldar e ao latoeiro que executava trabalhos minuciosos. Por fim, e em desespero de causa, aceitaram ir ao reparador de bicicletas e das câmaras-de-ar, ao senhor Castelo Branco, que a consertou com uma cola milagreira e a poliu de seguida com um pano de flanela mais negro que um tição ardido.
– Já está. Experimentar, irmã.
Gostava mesmo de lá estar para ver a cara da irmã que, depois de a ter limpo com a ponta dos dedos, sujeitou-se a metê-la na boca, mesmo em frente do senhor Castelo Branco. Trabalho perfeito pelas mãos de artista moçambicano que Deus dotou com tanto engenho, aprovado e elogiado pelo velho estomatologista indiano.
Neste livro, ri-se às gargalhadas, mas também se chora ao lado das mães desconsoladas que fazem quilómetros a pé com os filhos doentes embrulhados nas capulanas sobre as costas, depositando toda a esperança nesta jovem voluntária e dedicada que de vez em quando decidia interromper os estudos de pediatria, em Lisboa, para acudir à miséria infantil moçambicana.
Está de parabéns a Dra. Patrícia Lopes por este lindo livro onde se espelha a sua inteligência e dedicação pelos outros e a sua generosidade, a tal ponto de ter decidido entregar todo o produto dos direitos de autor à APARF – Associação Portuguesa Amigos de Raoul Follereau, que tem lutado contra a erradicação da lepra – flagelo de mutilação física e sobretudo moral, pois as pessoas afetadas por esta doença são degradadas da família e da comunidade em que vivem, consideradas como autênticas párias da sociedade.
Por isso e por tudo o mais, vale a pena ler e comprar o livro da Patrícia Lopes: Missão – diário de uma médica em Moçambique.
Joaquim Tenreira Martins
O livro «Como se desenha uma casa», de Manuel António Pina, venceu a oitava edição do prémio de poesia Teixeira de Pascoaes.
O prémio literário foi criado pela Câmara Municipal de Amarante e a sua atribuição ao último livro de Manuel António Pina resultou de uma escolha entre 166 livros apresentados a concurso, de 159 autores.
A entrega do prémio, a título póstumo, está marcada para 15 de Dezembro, no auditório da Biblioteca Municipal Albano Sardoeira, em Amarante.
Manuel António Pina, poeta, escritor, jornalista, Prémio Camões em 2011, natural do Sabugal, faleceu no Porto a 19 de Outubro deste ano, com 68 anos.
O prémio Teixeira de Pascoaes, de periodicidade bienal, foi instituído em 1997, aquando da passagem dos 120 anos do nascimento do poeta de Amarante.
plb
AMANHÃ, 6 DE AGOSTO, TUDO COMEÇA… NA LAGEOSA DA RAIA
«Pouca gente saberá explicar que fenómeno é este que faz com que as pessoas mais idosas, muitas vezes de bengala e com dificuldade de movimentos, consigam sair de casa e encalampeirar-se num palco ou enfiar-se num buraco debaixo de um carro, para não perder nem um carxinho do espectáculo! Por vezes, dá-se a desculpa do filho ou do neto que andam no corro… Outras, foge a boca para a verdade e confessa-se: «Não há nada melhor que a capeia! Não sou capaz de ficar em casa… Para o ano, quem sabe se cá estou!»
Texto de António Cabanas e Fotos de Joaquim Tomé (Tutatux) retirados do livro «Forcão – Capeia Arraiana»
Vá às capeias arraianas que se realizam na raia sabugalense durante o mês de Agosto. Consulte o calendário das capeias de 2012 que o blogue disponibiliza.
jcl e plb
O secretário-geral do Partido Socialista vai estar em Penamacor, a sua terra natal, no dia 5 de Agosto (domingo), para apresentar o livro «As Estranhas e fantásticas histórias de Jolon», que reúne textos de Jolon, o correspondente do Jornal do Fundão naquele concelho.
Segundo noticia a agência Lusa, José Lopes Nunes (Jolon) nasceu na freguesia de Aranhas, Penamacor, a 29 de Setembro de 1943, e foi chefe de redacção do jornal A Verdade de Penamacor, do qual António José Seguro era director.
O livro das edições A23 percorre, ao longo de 300 páginas, os últimos 40 anos da vida do concelho do distrito de Castelo Branco, destacando tradições, profissões em vias de extinção e «histórias fantásticas de velhotes que povoam a paisagem humana da raia», refere a editora em comunicado.
O livro será apresentado às 18h30 por António José Seguro e o director do Jornal do Fundão Fernando Paulouro Neves, no auditório da pólo da Academia de Música e Dança de Penamacor, no antigo quartel militar da vila.
plb
O salão nobre da Câmara Municipal do Sabugal foi pequeno para acolher as centenas de pessoas que assistiram à cerimónia solene de homenagem a Pinharanda Gomes, que se realizou no Sabugal, no dia 9 de Junho, em momento prévio à inauguração do Centro de Documentação com o seu nome.
A mesa da cerimónia foi constituída por António Robalo (presidente da Câmara Municipal), Manuel Felício (bispo da Guarda), Norberto Manso, João Bigotte Chorão, Paulo Leitão Batista, Renato Epifânio, José Eduardo Franco, para além do próprio Pinharanda Gomes. Todos usaram da palavra para enaltecer o homem e a obra, num momento marcante, que juntou inúmeras pessoas, vindas dos mais variados pontos do país.
Ressaltou das intervenções a importância e a imensidão da obra escrita do filósofo quadrazenho, a qual abarca diversas áreas do saber. O bispo da Guarda, D. Manuel Felício fez questão de tomar a palavra para enaltecer a decisão de Pinharanda Gomes de se afirmar como intelectual à margem das universidades, no sentido de que estas estão divorciadas do espírito e do pensamento português. João Bigotte Chorão enalteceu o grande escritor que é Pinharanda Gomes, com uma obra multifacetada, e cuja monumentalidade o coloca no ponto mais alto dos homens de cultura do Portugal contemporâneo.
Destacou-se a presença de muitos quadrazenhos, que assistiram comovidos à cerimónia de homenagem ao ilustre conterrâneo.
Depois a comitiva deslocou-se dos Paços do Concelho para o edifício da Biblioteca Municipal, onde foi oficialmente inaugurado o Centro de Estudos Pinharanda Gomes, que reúne os livros da biblioteca pessoal do autor, que a ofereceu ao seu concelho através da Câmara Municipal. O espaço passa a estar aberto ao público, sujeito a um regulamento próprio, para que os investigadores interessados possam procurar ali matéria para os seus estudos em variadíssimas temáticas.
Um grupo de «Cantadeiras de Quadrazais», capitaneadas pela presidente da Junta de Freguesia, entoou cantigas tradicionais, perante a surpresa do homenageado, que se mostrou particularmente comovido com esta homenagem do povo da sua terra natal.
plb
O ser é insólito; é dentro de si, a ciência de ser é-lhe infusa, mas dela não possui consciência, porque, o que possui cons-ciência, já não é insólito puramente, pois, pela consciência, comunica com o outro que, próximo ou distante, se lhe apõe, expõe ou opõe.
Dessa forma, o ser só devém real pelo pensar e, por isso, o motivo de, na ordem lógica, o ser vir colocado depois do pensar.
A consciência do ser não é a ciência que o ser infusamente em si possui, derramada em ubérrimas nascentes; é a relação do infuso saber do ser com o outro, ser ou coisa, que lhe é exterior, ou extrínseca. O sufixo cons, da palavra consciência, indica o ponto e o instante em que o encontro do ser e do pensar estala, num saber clarividente, ou que vê claro, o saber comungado, comunicado, ou cons-ciente. Não há forma de consciência insólita, só a relação do ser e do pensar, com seus difluentes colaterais (as formas individuadas do pensar) gera e suporta a consciência, que, neste caso, não deve ser tomada como valor da ética, mas como conceito gnoscológico. A consciência é a teoria do conhecimento em discurso. O que gera a consciência é a relação do pensar com o ser e do ser com o pensar, o pensamento que, inscrito no ser, a ele, todavia, se opõe, e, todavia, o garante e justifica. O pensamento de um cientista não garante o ser da ciência, mas, ao opor-se ao fenómeno científico, fundamenta a realidade que só advém real, porque ele, cientista, se lhe opõe, e a pensa como objecto. O objecto tem a validade que o sujeito pensante lhe confere.
Entre uma concepção absoluta do ser como ser insólito – ao modo de Parménides – e uma concepção racionalista do ser como relação do pensamento para o ser – ao modo cartesiano – todas as tesas cabem numa teoria do ser, desde que postulem a primeira condição relacional entre o ser que pensa, o ser pensado, e o ser que pensa no ser, ou principal origem.
Pensante, o homem é sujeito, dispõe de uma realidade específica, própria e autónoma, enquanto enfrenta o ser como objecto de pensamento. O homem é dito animal racional porque, entre os animais (quem poderá garantir a dita irracionalidade destes outros?) parece ser o único que enfrenta o ser, ou o especula de frente (no espelho, que é espéculo, se enfrenta toda a imagem nele contida), dele se distinguindo, dele se autonomizando, garantindo para si, homem, a propriedade de ser racional. Esse que, sendo o próprio, não se confunde com o outro; o que, ao situar-se, na afirmação de propriedade situada, testemunha a autonomia de uma propriedade mental. A forma mais perfeita, e por isso de todo em todo inalienável, de propriedade privada. O fisco dos bens materiais, a solicitação dos bens financeiros e industriais, agrícolas e comerciais, são nada, quando equiparados às tentativas para diminuir a propriedade mental de cada homem.
O que pensa, e é como pensa, distingue entre pensamento e movimento, entre mentalidade e seriedade, entre capital e manual, entre realidade e eventualidade. Este assume a forma universitária de ser, a que não poderá ser, caso lhe faleçam a propriedade pensante e a autonomia movente. A imagem que cada um tiver do mundo será a imagem que o mundo terá dele, porque, imagens delidas e sobrepostas no mesmo espelho, aí, onde o pensamento pensa o ser, o próprio ser ascende no pensamento. Tais imagens hão-de ser as palavras, os lares onde o ser habita, segundo a maravilhosa expressão de Heidegger! Os lares, que testemunham a existência de uma propriedade de ser e uma autonomia de pensar! Quanto mais a minha casa for a minha casa, mais poderei abrir a porta aos vizinhos, ou, só o que sabe e tem garantia do saber, se abre sem temor do saber do outro, porque não corre o risco de sufocar, porque está prevenido contra as hipóteses do pior colonialismo, o colonialismo mental.
O que ambiciona ser ele próprio, e não outro, terá a todo o momento de confluir no impróprio (ou não próprio) e a todo o momento desse impróprio efluir. A total individualidade do ser continuará insularizada, mesmo que participe na mais pura socialidade, enquanto a individualidade pensante for a que a si mesma se pensa, e aos outros em si, jamais renunciando ao princípio de autenticidade: ser existencialmente o retrato de ser mentalmente, na parte de ser que couber a cada um.
Pinharanda Gomes
Este texto do filósofo quadrazenho Pinharanda Gomes foi publicado pela primeira vez em 1971 no jornal A Capital, vindo depois a integrar o volume «Pensamento e Movimento» editado em 1974,o qual reúne um conjunto de reflexões agregadas em cinco temas estruturantes: o Ser, o Estar, o Mover, o Saber e o Unir. Transcrevemos este interessante texto tendo em conta a homenagem que o Sabugal vai prestar ao seu escritor no dia 9 de Junho, por ocasião da inauguração do Centro de Estudos constituído com os livros e documentos que o autor doou ao concelho do Sabugal.
plb
A Feira do Livro de Penamacor já decorre na Biblioteca Municipal, onde irá permanecer até ao final do mês de Abril.
Ficção, auto-ajuda, biografias e livros infantis, são exemplos do que se pode encontrar no certame.
O destaque vai porém para a visita da escritora Catarina Águas, que no dia 28 de Abril, pelas 14h30, fará a apresentação do livro «Letras com História».
Em simultâneo com a Feira do Livro, a Biblioteca Municipal acolhe até ao final do mês de Abril a exposição «Pedras de Leitor». A mostra, baseada no trabalho de Madalena Bensusan, visa a divulgação do livro e da leitura.
«Um dia, olhando para o Tejo, imaginei pequenas criaturas sobre as rochas adaptando as suas formas a cada uma delas, em busca da posição ideal para a leitura. Foi assim que surgiu esta exposição, juntamente com a mensagem que pretende transmitir, a de que é urgente e necessário que todos façamos uma corrida ao livro», refere a autora.
O horário da feira/exposiçãoé o seguinte: segunda a sexta-feira, das 10 às 13 horas e das 14 às 18 horas.
plb (com CM Penamacor)
«A Estátua» e «Caminhos de Liberdade», primeiros livros de José António Pinho, vão ser apresentados em Penamacor, no próximo dia 14 de Abril, pelas 16 horas, no auditório da Escola de Música, sito no ex-Quartel.
Defensor da liberdade e dos direitos dos trabalhadores, o autor cedo viria a conhecer a perseguição e várias prisões civis e militares durante o Estado Novo. A 1ª Companhia Disciplinar de Penamacor, onde permaneceu entre Maio de 1962 e Setembro de 1963, fez parte desse roteiro imposto pela sua postura de opositor ao regime, razão por que, volvidos 50 anos, faz questão de aqui apresentar as suas primeiras obras, que relatam, justamente, os acontecimentos determinantes que viveu na sequência da campanha de Humberto Delgado e das eleições presidenciais de 1958.
O acto enquadra-se nas comemorações do 38º aniversário da Revolução de Abril.
Para complementar a apresentação, o grupo Lua Nova e o duo António Duarte e Paulo Madeira recordarão algumas das canções de intervenção que marcaram a luta pela liberdade no tempo da ditadura.
plb (com CM Penamacor)
No dia 9 de Junho vai ser inaugurado, no Sabugal, o Centro de Estudos Pinharanda Gomes, local que reunirá o acervo documental particular que o filósofo de Quadrazais doou à Câmara Municipal.
Depois de alguma delonga no avanço do projecto, e atrasos na catalogação dos livros que Pinharanda Gomes cedeu ao Município, o Centro de Estudos com o nome do escritor vai finalmente tornar-se uma realidade.
O Centro de Estudos Pinharanda Gomes funcionará em paralelo à Biblioteca Municipal do Sabugal, tendo contudo uma sala própria e independente, que abergará o documental, tal como é a vontade expressa do escritor.
A catalogação dos livros, embora ainda incompleta, já foi remetida ao doador, que reside em Santo António dos Cavaleiros, concelho de Loures. O presidente da Câmara Municipal, António Robalo, deslocou-se já por duas vezes a casa do escritor, em datas recentes, manifestando-lhe que a Câmara está efectivamente apostada na implementação do projecto. O presidente encarregou ainda o seu assessor Norberto Manso da coordenação da instalação do Centro de Estudos e da sua inauguração através da organização de uma cerimónia pública.
Por vontade expressa de Pinharanda Gomes o acto inaugural será uma cerimónia simples, que contará com a sua presença e a de um ou dois oradores que falarão sobre a obra escrita e o pensamento do filósofo.
Jesué Pinharanda Gomes doou os seus livros e documentos ao Município do Sabugal através de um protocolo assinado em 3 de Outubro de 2008 com o então presidente Manuel Rito Alves.
O documento prevê a doação da biblioteca completa do escritor, constituída por cerca de três mil e quinhentos volumes e opúsculos, das mais várias temáticas, bem como a sua correspondência particular, as insígnias académicas e outros objectos pessoais.
Os livros ficarão à fruição pública logo com a inauguração do Centro de Estudos, porém, nos termos do que foi acordado, a correspondência particular apenas poderá ser consultada após a sua morte.
O Centro de Estudos terá por finalidade servir os estudantes e os estudiosos das matérias de que faz parte o acervo de livros ali contidos, bem como o estudo da obra monumental do escritor Pinharanda Gomes.
plb
«Raia Morena» é o livro de poemas de João Valente, que foi apresentado no Sabugal no dia 17 de Fevereiro, no restaurante Robalo.
A apresentação do livro coube ao escritor valdespinhense Joaquim Tenreira Martins, a que se seguiu a leitura de algumas das poesias que compõem a obra. O livro é editado pela Orfeu, editora sedeada em Bruxelas, cujo proprietário, Joaquim Pinto da Silva, também marcou presente no lançamento de mais uma obra daquela editora no Sabugal.
João Valente nasceu em Coimbra, mas as suas raízes estão no concelho do Sabugal, mais propriamente na Ruvina e em Vilar Maior. Estudou Filosofia e Teologia no seminário da Guarda e no Instituto Superior de Teologia de Évora. Licenciou-se em Direito pela Universidade Católica de Lisboa e fez uma pós-graduação em Assessoria Empresarial pelo ISLA de Leiria, cidade onde reside e exerce advocacia.
O conjunto de poemas que compõem o livro está enquadrado em diferentes temáticas: Paisagem, Infância, Amores, Gente, Quotidiano e Adeus.
João Valente é colaborador regular do blogue Capeia Arraiana, onde mantém a rubrica «Arroz com Todos».
plb
João Valente vai prendar-nos com um excelente livro de poesias intitulado Cancioneiro da Raia Morena, a ser apresentado no próximo dia 17 de Fevereiro, pelas 18 horas, no Restaurante O Robalo, Sabugal.
A águia da bonita foto da capa do livro, da autoria do Kim Tomé, com a diáfana luminosidade das seis horas da manhã, num dia de primavera, nas alturas da Serra da Malcata, vagueia ao sabor da suave brisa, tal como o João Valente deambula de terra em terra, na sua escrita e imaginação, à cata da sua raia morena.
Apesar de exercer há alguns anos a adovacia em Leiria, o autor tem as suas raízes na raia, em terras de Riba Côa, concelho de Sabugal .
João Valente, ao longo deste livro, não se cansa de as percorrer e recordar, a ponto de eu desejar ter como cicerone não qualquer outro guia turístico para as visitar, mas o João Valente em pessoa. Porém, na falta deste jovem poeta, vou levar comigo o Cancioneiro da Raia Morena do nosso amigo João Valente, quando pretender deambular também pelas sendas da raia beirã. E digo nosso porque os poetas fazem parte de nós próprios. São como os entes queridos que vivem em nossa casa. Diria que são os nossos netos, a ternura, o olhar virgem e puro de uma criança. Manifestam os nossos sentimentos, reavivam-nos a memória, sacodem-nos para novos desafios. Os poetas não nos deixam tranquilos.
A emoção que já sentia ao ver os horizontes coloridos, cheios de matizes nas tardes de verão, é agora reforçada com a leitura do Cancioneiro da Raia Morena que farei antes de adormecer. Será um bálsamo tranquilo que me apaziguará, qual santo remédio para as minhas insónias de velho caminheiro nas terras beirãs. As suas poesias emprestam-me um olhar novo para quebrar a rotina que já não me deixa ver as pedras, os carvalhos, os castanheiros, os álamos, as montanhas, os rios e riachos, porque a paisagem que os meus olhos vêm está coberta por camadas de poeira acumulada ao longo dos anos, a observar sempre as mesmas coisas.
A incursão em terras de Riba-Côa do Cancioneiro da Raia Morena de João Valente não é uma conquista guerreira de um El-Rei de há 800 anos. É um rosário de lembranças e de apelos, de afectos e de emoções, de maravilhas e deslumbramentos, de alertas e desesperos, de diversões e avisos, de saudades e canções.
Com o João Valente também me sinto campestre e bucólico, a vaguear por Badamalos, Ruvina, Cerdeira ou Vilar Maior, a perguntar pelo Zé Romão, a Maria Monteiro e o Alexandra Badana. É com ele que quero ir para ver se ainda vejo os namoricos na fonte, ou o desabrochar dos primeiros amores, sob o sol ardente, debaixo dos salgueiros que bordam o rio Côa, com os juncos a servirem de cama, ou o sentir do sangue a fervilhar por uma alma gémia.
Já me disseste que não podias esticar o tempo entre os tribunais e o imperativo da inspiração poética. Deixa-te de ilusões! Visitar a raia beirã é em si mesmo uma autêntica poesia, um verdadeiro cancioneiro. Com o teu livro deste um tom mais colorido a esta raia que parecia ficar um pouco esbatida pelo gasto dos anos e o abandono das gentes. Reavivaste os ânimos com esta linda obra poética. Sendo assim, não me admira que com a tua nobre e cadenciada poesia deste cancioneiro, a raia tivesse ficado ainda mais bela e, evidentemente, morena.
Joaquim Tenreira Martins
Quando há algum tempo assisti à apresentação do romance Flores de Jasmim* de João Gabriel Correia, na Livraria Orfeu, em Bruxelas, veio-me à memória o livro de Virgílio Ferreira – A Manhã Submersa**. Depois de ter lido o primeiro de um fôlego, procurei na minha biblioteca o segundo que reli com o entusiasmo da primeira hora.
A minha intuição inicial, na livraria do Joaquim Pinto da Silva, confirmou-se, e o paralelismo pareceu-me evidente.
Se bem que se trata de dois romances de épocas bem diferentes, num contexto nacional totalmente distincto, na minha opinião são talvez os dois únicos romances cuja acção se desenrola, do princípio até ao fim, num seminário.
Virgílio Ferreira descreve o universo concentracionário do Seminário Menor do Fundão, à maneira de Michel Foucault, entre o período da infância até a adolescência. Biográfico ou não, o romance de Virgílio Ferreira descreve-nos uma criança que dificilmente se consegue afirmar numa estrutura rígida, onde não é tolerado o menor desvio, sob o olhar ameaçador dos prefeitos de disciplina e dos professores O castigo físico era a regra frequente e obrigatória para endireitar os rebentos acabados de chegar das remotas aldeias beirãs dos anos quarenta.
Por seu lado, João Gabriel situa o seu romance no fim da década de sessenta, mais precisamente, no ano de 1969, ano em que o homem chegou à lua, em plena era marcelista, , no auge da contestação teológica pós-conciliar e na altura em que Paulo VI, com a encíclica Humanae Vitae, pretendeu editar normas para inculcar na consciência dos católicos a boa maneira de agir no leito conjugal.
Enquanto no livro de Virgilio Ferreira perpassa o medo e o terror, no de João Gabriel Correia a personagem tenta percorrer os caminhos de uma liberdade vigiada e controlada.
Mas João Gabriel Correia segue o seu percurso e distancia-se de Virgílio Ferreira. Em vez de descrever um ambiente fechado e inquisitorial de um seminário menor, aborda um mundo que se está abrindo no caminho da adolescência para a idade adulta, num clima quase tropical, em que os seminaristas descobrem a exuberância da vida e do amor, nos meandros da disciplina imposta pelas regras canónicas de um seminário maior.
Servindo-se da sua antiga competência profissional de psicólogo, João Gabriel Correia entra maravilhosamente na pele da personagem principal – o Júlio – para escalpelizar até à minúcia os primeiros movimentos amorosos do seminarista que descobre o mundo exterior, os outros e, enfim, a sua Guida.
Tal como no jardim das delícias dos primórdios do mundo, uma Eva introduz-se no Seminário Maior do Funchal e a sua presença não podia deixar de imprimir os traços da tentação de um Adão. Vestindo-se do manto de jornalista, a Guida penetra com curiosidade no ambiente do seminário, dando-o a conhecer nas suas reportagens num diário funchalense, onde ocupa um posto de estagiária, acabada de chegar do Continente.
Dois mundos, à partida nitidamente paralelos, acabam por se encontrar, atraídos quer pelo mistério do desconhecido, quer pelo questionamento constante de dois seres curiosos e rebeldes, quer ainda pelo intenso fervilhar de apelos insaciáveis.
Talvez por estar longe há muitos anos da sua terra natal, o autor teve necessidade de evocar os cantos e recantos do Funchal por onde as personagens vão evoluindo, proporcionando-nos assim um alegre deambular por entre ruas, praças, avenidas, jardins, cafés e restaurantes e outros monumentos da ilha.
É pois um romance situado no espaço e no tempo. É a reinvenção de uma história à maneira de Romeu e Julieta, com um fundo de proibição de normas sociais, mas também por isso mais aliciante e mais apetitoso.
Desconheço quanto tempo o autor demorou a escrever este romance. Nos encantos amorosos das mil e uma noites, João Gabriel Correia teve certamente manifesta influência do mundo árabe, aquando da sua estadia em Argel, na Delegação da União Europeia. Porém o leitor, imbuído num sôfrego enredo, não consegue despegar-se da sua leitura. As apropriadas descrições da ilha, as excelentes caracterizações das personagens muito bem recriadas, o brilhante ritmo cadenciado da linguagem dificilmente nos impedem de despegar os olhos do livro que se lê dum trago, apesar das suas 380 páginas.
Pela profundidade e beleza desta primeira obra, que muito honra a editora Orfeu, estou plenamente convencido que João Gabriel Correia, agora na Delegação da União Europeia no Haiti, (coragem por aí!) encontrará inspiração para nos brindar com outros bons escritos nos próximos tempos.
* Flores de Jasmim, de João Gabriel Correia, ed. Orfeu, Bruxelas, 2011
** Manhã Submersa, de Virgílio Ferreira, (1953), ed. Bertrand, Lisboa, 2000.
Joaquim Tenreira Martins
O escritor sabugalense Manuel António Pina, Prémio Camões em 2011, está entre os 59 escritores portugueses que subscreveram um abaixo assinado em protesto contra a projectada decisão do Governo de encerrar a Livraria Camões no Rio de Janeiro, considerando tratar-se de um acto «deplorável».
«O encerramento da Livraria Camões, no Rio de Janeiro, ao cabo de 40 anos de uma atividade que se impôs pelos critérios culturais e adequação a um contexto peculiar, constituiria um ato deplorável do decisor político», adverte o manifesto a que agência Lusa teve acesso.
Para os subscritores, cujo primeiro nome é o de Manuel Alegre, «desconsiderando uma casa cujos méritos nunca deixaram de ser reconhecidos, designadamente na relação que promove entre os países dos dois lados do Atlântico, atinge-se o valor estratégico que é a difusão da língua e cultura portuguesas, bem como as dimensões simbólicas projetadas pelo poeta celebrado no nosso Dia Nacional, que sempre encontrou no Brasil alguns dos seus estudiosos e cultores maiores».
«Portugal não deve nem pode, a nosso ver, prescindir de uma das suas armas de afirmação fundamental, a língua de Camões e quanto nela se exprime, para além de juízos conjunturais e da muito duvidosa racionalidade que os incita», sustentam os subscritores do abaixo assinado, que inclui os nomes de Maria Teresa Horta e de José Manuel Mendes, Almeida Faria, Ana Luísa Amaral, Ana Marques Gastão, António Cândido Franco, António Carlos Cortez, António José Borges, António Osório, Armando Silva Carvalho, Baptista-Bastos, Cândido de Oliveira Martins, Casimiro de Brito, Clara Rocha, Fernando J.B. Martinho, Fernando Pinto do Amaral, Francisco Duarte Mangas, Gastão Cruz, Hélder Macedo, Helena de Vasconcelos, Hélia Correia, Inês Pedrosa e Isabel Pires de Lima, Isabel Ponce de Leão, Jacinto Lucas Pires, Jaime Rocha, João Barrento, João Luís Barreto Guimarães, João de Melo, João Rui de Sousa, José Carlos Seabra Pereira, José Jorge Letria, José Manuel da Costa Esteves, Julieta Monginho, Leonor Xavier, Lídia Jorge, Manuel Gusmão, Manuela Parreira da Silva, Margarida Vale de Gato, Maria Alzira Seixo, Maria Isabel Barreno, Maria João Cantinho, Maria João Reynaud, Maria Luisa Malato, Maria Teresa Dias Furtado, Mário de Carvalho, Mário Cláudio, Miguel Real, Nuno Júdice, Patricia Reis, Pedro Tamen, Teresa Salema, Tolentino Mendonça, Urbano Tavares Rodrigues, Valter Hugo Mãe, Vanda Anastácio e Yvette Centeno.
plb (com Lusa)
Pessoa amiga colocou-me entre as mãos um excelente livro de aventuras de meados do século dezanove e que eu não descobriria certamente por mim próprio – «Les Naufragés de Auckland», de François Edouard Raynal*.
A leitura deste livro reportou-me aos meus bons tempos de jovem escuteiro, irmanado num ambiente de constante contacto com a natureza, onde tinha que se fazer apelo ao manancial de astúcias para viver um ideal fora da civilização e resistir ao conforto material envolvente.
Sem querer denegrir a imaginação inesgotável de Jules Verne, consta-se que este mesmo autor se teria inspirado neste livro para escrever a Ilha Misteriosa que data de 1875, isto é cinco anos depois.
O autor conta-nos uma robinsanada que durou vinte meses nas inóspitas ilhas de Auckland, ao sul da Nova Zelândia, no seguimento do naufrágio do navio Grafton, na noite de dia 3 de Janeiro de 1864. Cinco homens, todos de nacionalidades diferentes, e entre os quais se encontrava um português, originário dos Açores, tinham partido na Austrália (Sidney) à procura de minas de ouro na ilha de Campbell. De regresso, após missão infrutuosa, o navio encalhou e ficou destruído num fiorde das ilhas de Auckland, fustigado pelos ventos ciclópicos e pelo rigor do tempo austral.
Nestas pequenas ilhas, perto da Antártida, longe da estrada marítima que liga a Austrália à Europa através do Cabo Horn, a primeira questão, brutalmente elementar, que se coloca a estes homens, quase todos com menos de trinta anos, é como sobreviver? Se através da caça de focas e lobos marinhos poderiam assegurar razoavelmente o sustento quotidiano, outra questão se colocaria dentro em breve: como escapar a esta horrível prisão natural?
Num estado de completa miséria, será a confiança e o aproveitamento das qualidades de uns e dos outros que os irão salvar, ao formarem entre si uma pequena mas verdadeira comunidade.
O autor do livro, François Reynal, impõe-se pouco a pouco como o líder do grupo, não só pelas suas qualidades humanas, mas também pelos seus conhecimentos que adquiriu ao longo da vida.
Sem fósforos nem isqueiros, tiveram de proceder como os primitivos à difícil criação do lume e, quais vestais da antiga Roma, tinham de vigiar de dia e de noite para o não deixarem apagar.
A sua primeira realização foi ter conseguido convencer o grupo a construir uma ampla cabana de madeira de pinhos austrais, todos encarquilhados, mas solidamente amarrada ao chão para afrontar as horrendas tempestades que sopravam frequentemente da Antártida. A construção de uma sólida chaminé no interior da cabana só foi possível devido aos conhecimentos de química do autor do livro, François Reynal, que conseguiu fazer cimento, misturando a cal, obtida através da queima de conchas com areia fina que encontrava à beira do mar. A necessidade e a engenhosidade também o levaram a fabricar sabão para não perderem a auto-estima e respeito pelas suas próprias imagens. A água obtida da filtragem das cinzas de ervas marinhas e conchas era uma mistura de soda, potássio e cal, que misturada com a gordura de foca obtinha um razoável sabão bem apreciado pelos prisioneiros da ilhas de Auckland. As peles de lobos e de focas tiveram de substituir as roupas apodrecidas que lhes caiam aos bocados. Também aqui François Reynal foi inventivo ao testar o tanino de certas árvores que lhe serviu para fabricar roupas, cobertores e até sapatos com pele de focas. Um exemplar de sapatos encontra-se na Biblioteca do Estado de Vitória, em Melburno. Até cerveja com uma elevada taxa de álcool conseguiu fazer, mas cedo percebeu que não era esta a bebida indicada para pessoas desesperadas e angustiadas ao extremo. O álcool era mau companheiro e vinha perturbar o ambiente de chumbo em que pareciam estar condenados. Decidiram também queimar um baralho de cartas porque em vez de se distraírem com o jogo, perder ou ganhar era levado muito a sério, o que provocava constantes rixas entre eles.
A este grupo de homens não lhe restava outra esperança senão colocarem-se nas mãos de Deus que imploravam todas as noites, através da leitura da Bíblia que conseguiram salvar do navio Grafton.
Depois de tantas noites de desespero, o habilidoso Reynal propôs uma solução de salvação aos seus colegas: ampliar o pequeno bote de salvação recuperado aquando do naufrágio. Foi um trabalho de vários meses. Aqui a imaginação foi rainha. Reynal concebeu uma forja com um fole de peles de focas, fabricou uma bigorna para poder bater o ferro com o metal que recuperaram do Grafton, e os companheiros faziam carvão de noite e de dia. Foi necessário fazer centenas de pregos, barras de metal, machados, serras e um sem número de instrumentos para colocar a parte nova ao bote existente.
Depois do barco construído, só havia lotação para três. Os outros dois ficariam à espera de serem socorridos. Movidos a velas e a remos, a muito custo conseguiram chegar ao sul da Nova Zelândia onde foram acolhidos quase como heróis. Trataram logo de resgatar os dois companheiros que tinham ficado na ilha.
O português, que o autor designa como sendo Henry Forgès, (certamente que o seu nome teria sido adaptado) desempenhou um papel muito importante para levantar o moral deste grupo. Embarcou como cozinheiro e nesta ilha de homens desesperados assumiu a sua profissão até ao fim. Enquanto os outros iam à procura de lenha, de ervas, de crustáceos ou até de navios que poderiam avistar, o português ficava sempre à volta do lume, tentando variar a ementa de foca com carne e de carne com foca. Foi um elemento essencial no sustento quotidiano destes homens. Conseguiu fazer maravilhas na cozinha não consentindo que este grupo morresse de fome.
Henry Forgès saiu dos Açores aos 13 anos de idade, tendo trabalhado como grumete num baleeiro americano durante vários anos. Mas quando caiu doente, uma doença que lhe deformava o corpo, talvez uma espécie de lepra, os companheiros de trabalho maltrataram-no e repudiaram-no, horrorizados com o seu aspecto. Pediu então ao capitão do navio para deixá-lo numa das ilhas da Polinésia onde viveu com os nativos que praticavam ainda a antropofagia. Cansado desta vida, conseguiu embarcar num navio que por ali atracou e no qual serviu como ajudante de cozinha. Algum tempo depois, fixou-se em Sidney onde foi contratado para esta malograda expedição.
* Éditions de la Table Ronde, Paris, 2011. Este livro foi publicado pela primeira vez em 1870.
«Leituras», crónica literária de Joaquim Tenreira Martins
«A caneta é a língua da Alma»; Cervantes, in «D. Quixote».
A Bismula, com muitos séculos de existência, teve e tem pessoas que, em diversas circunstâncias de trabalho e nas mais diversificadas profissões, a prestigiaram. Todos os Bismulenses devem sentir orgulho, embora muitas vezes aqueles que têm o poder político, esqueçam os homens da cultura. Há no campo das letras, da literatura que valorizaram e deram a conhecer ao país e ao mundo, o nome da nossa Freguesia – a Bismula. Estou a fazer referência aos nossos escritores.
Na linha da frente, com diversas obras publicadas, além de imensa colaboração na imprensa escrita e falada, está o Dr. Manuel Leal Freire. A sua imensa obra literária estende-se à prosa, à poesia, que vai perpetuar a voz do nosso povo nas diversas actividades, nos usos e costumes, nas vivências históricas, etnográficas e sociais. Há o saudoso Padre Francisco dos Santos Vaz, o Padre Manuel Leal Fernandes, Ezequiel Alves Fernandes, Professor Couceiro e outros. Porém, quem a coloca também no mapa da literatura portuguesa e a nível internacional é o jornalista e escritor Manuel da Silva Ramos, oriundo da Covilhã, com o livro «TRÊS VIDAS AO ESPELHO», romance alegre e reconfortante, que se traduz num elogio ao contrabandista da zona da raia e revela-nos de uma forma detalhada da vida de uma aldeia – A BISMULA –, perdida entre pedras e solidão, cujos habitantes se dedicam à agricultura, à pastorícia e … ao contrabando, como é descrito na contra-capa.
Esta obra, em que colaborei em diversos itinerários, no referente á primeira parte, teve a sua primeira apresentação na Papelaria Barata, na Av. de Roma em Lisboa, a segunda no Auditório Municipal do Museu do Sabugal, e ainda esteve em perspectiva ser lançado numa grande tenda em Vilar Formoso, junto à fronteira, ideia que se abandonou por questões de logística. A terceira apresentação foi realizada na Covilhã. Estive em todas as apresentações, a convite do escritor, e em todas foram muito participativas. É na apresentação desta última, que senti muito orgulho ter nascido na Bismula. Não é todos os dias que se ouve o mestre dos mestres, do pensamento, da filosofia, da literatura portuguesa – José Eduardo Lourenço –, como orador da noite e comentarista.
José Eduardo Lourenço, fez uma profunda resenha do Livro «TRÊS VIDAS AO ESPELHO», e a rever-se em muitas páginas do mesmo. Ele que nasceu numa aldeia igual a tantas outras da zona fronteiriça – S. Pedro de Rio Seco – junto a Vilar Formoso, sentiu e viveu a dureza de vida daquelas gentes. Aquele ensaísta abre o livro e lê: «dormi em choças de pastores que partilharam comigo pão duro, chouriço picante, queijo de cabra e vinho tépido, aquecido nas brasas do lume ao ar livre, a vida é um poço de sofrimento». Noutra passagem Eduardo Lourenço, continua: «ficava horas nos cômoros ou por baixo das videiras, sentado nos muros de pedra que dividiam as pequenas propriedades sonhava com a França. Na Bismula não havia futuro. De Aldeia de Ribeira até ao Carril, continuava o mesmo mar desolado de pedras, silvas, giestas, azinheiras, paisagem agreste que reforça no coração a ideia de que caiu há milhares de anos nestes sítios mortos um raio infinito de pobreza».
Na diversificada assistência, muitas das pessoas com raízes nestes descritos cenários, ao ouvir estas mensagens, acompanhou-nos uma lágrima de saudade, acompanhada de sofrimento, de dor, mas também de raiva. A ESPERANÇA é a última palavra a morrer na vida do HOMEM.
A obra literária «TRÊS VIDAS AO ESPELHO» é o melhor romance, dos muitos que Manuel da Silva Ramos escreveu.
Com este texto quero homenagear Eduardo Lourenço, nosso vizinho, conterrâneo, que acaba de lhe ser atribuído o Prémio Fernando Pessoa. Ele que embora no estrangeiro teve sempre os olhares em Portugal, que soube sempre dar conselhos oportunos e sábios aos Portugueses. Eduardo Lourenço é uma referência nacional.
António Alves Fernandes – Aldeia de Joanes
No dia 17 de Dezembro (sábado) vai ser apresentado o livro «acidente poético fatal», da autoria de Américo Rodrigues, escritor, actor e director do Teatro Municipal da Guarda (TMG). O acto acontecerá na Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço, na cidade da Guarda, pelas 18 horas.
A apresentação do novo livro de poesia de Américo Rodrigues, editado pela Luzlinar e Bosqíman:os, estará a cargo de Pedro Dias de Almeida. Após a apresentação formal do livro, o autor lerá alguns poemas da obra, numa sessão agendada para as 23 horas do mesmo dia, no Café Concerto do TMG.
Américo Rodrigues nasceu em 1961 na Guarda. É licenciado em Língua e Cultura Portuguesa (ramo cientifico) pela Universidade da Beira Interior e Mestre em Ciências da Fala pela Universidade de Aveiro.
É autor de diversas publicações literárias, tais como «Na nuca» (1982), «Lá fora: o segredo» (1986), «A estreia de outro gesto» (1989), «Património de afectos» (1995), «Vir ao nascedoiro e outras histórias» (1996), «Instante exacto» (1997), «Despertar do funâmbulo» (2000), «O mundo dos outros» (2000), «Até o anjo é da Guarda» (2000), «Panfleto contra a Guarda» (2002), «Uma pedra na mão» (2002), «Obra completa – revista e aumentada» (2002), «O mal – a incrível estória do homem-macaco-português» (2003), «A tremenda importância do kazoo na evolução da consciência humana» (2003), «Escatologia» (2003), «Os nomes da terra» (2003), «A fábrica de sais de rádio do Barracão» (2005), «Aorta Tocante» (2005), «O céu da boca» (2008), «Escrevo-Risco» (2009) e «Cicatriz:ando» (2009).
Foi coordenador dos cadernos de poesia «Aquilo», do boletim/revista «Oppidana», co-director da revista «Boca de Incêndio», coordenador da revista cultural «Praça Velha» e da colecção de cadernos «O fio da memória».
Foi colunista de vários jornais. Foi-lhe atribuído o Prémio Gazeta de Jornalismo Regional e o Prémio Nacional de Jornalismo Regional.
Em 2010 recebeu a medalha de mérito cultural atribuída pelo Ministério da Cultura.
Director do Teatro Municipal da Guarda. Foi animador cultural na Casa de Cultura da Juventude da Guarda/FAOJ (desde 1979 até 1989) e na Câmara Municipal da Guarda (desde 1989), onde coordenou o Núcleo de Animação Cultural.
plb
«Um Garoto de Vila do Touro Imigrante na América Conta sua História» é um livro comovente e perturbador, que não deixa o leitor indiferente. A emoção das descrições da vida antiga, a referência à miséria sentida, a recordação nostálgica do ambiente aldeão e da simplicidade das gentes de Vila do Touro, tudo concorre para a comoção advinda dos textos.
O livro, da autoria de António Maria das Neves, é do mesmo realismo cru que caracteriza outros dois memorialistas: José Manuel Lousa Gomes, do Soito, no livro «Memórias da Minha Terra» e António dos Santos Vicente, de Fajão (Pampilhosa da Serra), na obra «Vida e Tradições nas Aldeias Serranas da Beira». É nestas obras de memória viva e sentida que se encontram descritas, em páginas de sangue, as reminiscências dos povos de outrora das aldeias portuguesas.
A vida de António Maria das Neves foi, desde logo, uma epopeia. Nasceu em Vila do Touro, em 1938, sendo o décimo segundo filho de uma mãe heróica que pariu 17 vezes, vindo a constituir a família mais numerosa da aldeia. Em 1957, com 19 anos feitos, rumou para o Brasil com os pais e os irmãos, à procura de uma vida nova, fugindo à miséria aldeana. Com o dinheiro obtido na venda dos parcos terrenos, da modesta casa, dos animais domésticos e dos singelos móveis e utensílios da lavoura, o pai mandou comprar as passagens para a América. No dia aprazado a família seguiu, em carros de aluguer, para a estação do Barracão, onde apanhou o comboio para Lisboa. Aqui apresentou-se à Junta da Emigração, e ficou a aguardar o veredicto oficial, ocupando a casa de uns primos. Passado um mês toda a família embarcou no navio «Conte Grande», que cruzou o Atlântico durante 12 longos dias. Atingida a terra prometida houve que procurar casa, arranjar emprego e tratar da subsistência. Só com muito trabalho e abundantes privações António Maria conseguiu estabilizar a vida, estudando e trabalhando, constituindo família e tornando-se num português respeitado e prestigiado em S. Paulo.
Falando de Vila do Touro, a obra aborda a dureza da vida de antigamente, onde imperava a rispidez nas atitudes e nos sentimentos. Era necessário sobreviver, que é o mesmo que dizer, arranjar pão para as muitas bocas que habitavam a casa. A mãe, andava sempre numa fona, trabalhando sem parar, sem ter vida própria, vivendo apenas para os outros. Os irmãos mais velhos tratavam dos mais novos, trabalhavam em casa e no campo, executando os trabalhos pesados e sujos do trato dos animais e da terra de cultivo. O pai, severo, e de saúde frágil, tomava conta de uma pobre taberna, anexa à casa de habitação. Tempos difíceis e de enormes provações para um povo que sabia que «todos os recursos eram de extrema importância, úteis e necessários».
A vida era duríssima, logo desde os verdes anos pois, como dizia o adágio, «o trabalho do menino é pouco, mas quem o perde é louco». Mas também havia mimos e momentos inolvidáveis na vida de um «garoto» na aldeia. A sopa de grão-de-bico da tia Cândida, a aprendizagem na escola, a corrida do galo, o tocar da matraca na Quaresma, a festa de Nossa Senhora do Mercado.
Mas o principal era dificuldades. A vida na aldeia era uma luta diária pela sobrevivência. Havia os campos para trabalhar, pois era daí que provinha a alimentação. No Verão a falta de água fazia com que se percorressem grandes distâncias para a transportar para casa. No frio invernal era preciso proteger o corpo com roupa quente, que escasseava. As canseiras nos trabalhos do campo deixavam as suas marcas num tempo em que a higiene e o adorno ainda não tinham o seu lugar. «Rostos cansados, pés descalços, cabelos desalinhados, não há beleza, formosura, nem elegância nas mulheres, nas raparigas e nas adolescentes», escreveu António Maria das Neves falando na condição feminina em Vila do Touro.
Na hora da partida, já no navio e olhando o horizonte, uma frase profunda e comovente face ao trágico destino de um povo que partia: «Adeus Portugal. Ficas sem uma numerosa família pobre a menos, que também pagava impostos».
O livro foi escrito e editado no Brasil, em 2007.
Paulo Leitão Batista
A escritora e colaboradora do Capeia Arraiana Teresa Duarte Reis vai lançar o seu novo livro infanto-juvenil, intitulado «Janela», na Biblioteca Municipal da Covilhã, no próximo dia 21 de Outubro, sexta-feira, pelas 18h30m.
A Apresentação às Escolas terá lugar a 24 de Outubro, na Escola Pêro da Covilhã, pelas 14 horas.
O livro fala de Francisca, uma criança que é surpreendida ao encontrar-se dentro dum livro. Mas a surpresa aumenta quando, da janela do seu quarto, descobre as mais variadas oportunidades de conhecer o mundo: tanto descobre a África e encontra povos nómadas com vidas que a emocionam como fica a conhecer as dificuldades e o modo de vida do pescador Narciso da Bóia ou se surpreende com as caminhadas longas e difíceis do Pai Natal; comunica com o girassol ou com a estrela-do-mar que a ajudam por meios telepáticos e surpreendentes a descobrir tudo como se visse um filme ou vivesse uma longa viagem; delira com as brincadeiras vivas do Duarte que, com a sua corda mágica pinta as campinas de amarelo e engorda a raposa magricelas ou enche os ribeiros com os barcos encantados dos piratas e espanta-se com as aventuras vividas com o menino do repuxo.
Aquela Janela traz-lhe surpresas maravilhosas e ensina-lhe coisas que algum livro ou filme jamais lhe poderia ensinar.
plb
Manuel António Pina, Mia Couto, José Luís Peixoto, Alice Vieira e Mário de Carvalho, são alguns dos escritores consagrados que vão editar livros proximamente.
O sabugalense Manuel António Pina, galardoado recentemente com o Prémio Camões, vai editar em Outubro, através da Assírio & Alvim, Como se Desenha Uma Casa, um livro de poesia inédita.
O escritor moçambicano Mia Couto, vai editar o romance A Confissão da Leoa, enquanto que Alice Vieira publica Os profetas, outro romance, e José Luís Peixoto lança o livro Abraço, todos com a chancela da editora Caminho.
Dulce Maria Cardoso vai editar O Retorno, através da Tinta-da-China, que é um romance sobre a experiência dramática da chegada dos retornados de África nos anos 70 do século passado. Pela mesma editora conheceremos ainda o novo romance de Mário de Carvalho, Quando o Diabo Reza.
António Lobo Antunes publica, ainda em Setembro, mais um romance, Comissão das Lágrimas, através da D. Quixote, que fala da guerra colonial em Angola, um tema recorrente neste autor.
Valter Hugo Mãe tem também novo romance, intitulado O Filho de Mil Homens, que sai nos próximos dias pela Alfaguara. Uma Mentira Mil Vezes Repetida é o título do novo romance de Manuel Jorge Marmelo que a Quetzal edita em Setembro, tratando-se de uma história narrada por um homem que, para escapar ao anonimato, inventa uma obra monumental.
Mas a maior expectativa gira à volta da promessa da Caminho, que se propõe editar até ao final do ano o livro Clarabóia, o romance que José Saramago quis deixar inédito, embora não se tenha oposto a que fosse publicado após a sua morte.
Boas leituras não faltarão nos escaparates das livrarias nos próximos meses.
plb
ALDEIA VELHA – CAPEIA E… ENCERRO
«O Forcão, guarnecido de homens, está a postos no meio da praça. Dispensam-se as cerimónias de cortesia, e o pedido da praça, tal como a música, as camisolas e os bonés estampados dos rapazes que pegam ao forcão. Tudo isso se reserva para a tarde. Por ora, trata-se apenas de testar a bravura dos bois, uma espécie de tenta, ou, talvez mais correcto, uma forma de dar expressão à ânsia incontida da festa, à fome dos touros! Na falta do clarim, quatro pancadas fortes na chapa metálica do portão dos curros avisam que o touro vai entrar em cena. Ei-lo, negro, bisco e desenvolto como um relâmpago, a sair de revés, a percorrer todo o perímetro do largo, a limpar, obrigando a recolher aos salva-vidas todos os que ainda permaneciam na arena. Finalmente o bicho apercebe-se do forcão, à sua direita, de onde os rapazes o desafiam insistentemente. Sem se fazer rogado, vai-se à galha, prega-lhe uma valente marrada que obriga a rodar harmonicamente todo o conjunto. Ouvem-se gritos de euforia e receio. A rapaziada aguenta firme e os aplausos irrompem, merecidos.»
Capeia
Negro
Mais negro que os fogueiros ào inferno;
Gordo,
Mais gordo que as mulheres de um rei negróide;
Bufão,
Mais bufão do que Noto, Eolo e Bóreas à compita;
Veloz,
Mais veloz que os golfinhos de Nereu –
Entrou na praça o boi galhardo.
Escarvando,
Olfacteou o argiloso chão,
Com um ar de Satã alucinado.
Depois,
Erguendo a cabeça,
Achou pequenas a pequenez da praça
E a amplidão dos céus.
Depois, ainda,
Mugiu
Em ódio clamoroso e clangoroso.
Então,
A praça entrou nos delírios do pavor.
O forcão
Quedou-se desamparado
No meio do terreiro
E os capinhas galgaram em pamco
O espaço que os separava das trincheiras.
Sozinho,
No meio da praça,
O boi,
Já gigante,
Mais se agigantava.
Empoleirado num carro,
Exalçado a lenha
E enfeitado a colchas,
O tamborileiro rufava,
Querendo rebentar o velho bode.
Então os solteiros ganharam coragem
E, saltando aos magotes para a arena,
Imobilizaram o boi
Entre os aplausos dos homens
E os gritos das mulheres.
Manuel Leal Freire
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Textos de António Cabanas e Fotos de Joaquim Tomé (Tutatux) retirados do livro «Forcão – Capeia Arraiana»
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