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O Doutor Tavares de Melo – o Morgado de Santo Amaro – foi o maior de entre os proprietários do concelho do Sabugal.

Manuel Leal Freire - Capeia ArraianaTive o grato prazer de lidar muito de perto com aquele grande terratenente e de ser seu seu comensal ao longo dos anos por que vivi na cidade de Castelo Branco.
O Morgado tinha sempre a mesa posta para os correligionários amigos – mesa fartíssima e muito portuguesa.
E eu – com o meu particularíssimo amigo Henrique de Atahyde, quando nos apetecia lá íamos de longada até Santo Amaro usar da hospitalidade do velho fidalgo e receber uma lição de portugalidade.
Tavares de Melo ultrapassara já a casa dos noventa, mas mantinha-se aprumado, alto e direito como um ferro pedral.
E com uma enorme lucidez, apenas traída por uma arreliadora falha de memória para nomes.
Estranhamente não se recordava do nome de Salazar, então nosso todo poderoso primeiro-ministro, que assinalava como o contabilista que manda de Lisboa.
Mas discreteava sobre o Integralismo Lusitano e a Nobiliarquia Portuguesa.
O meu companheiro Henrique de Atahyde era mais monárquico que o Senhor Dom Duarte e tinha um nome ainda mais extenso do que o dos pretendentes à Coroa de Portugal. Com efeito, assinava-se ele Henrique Manuel da Senna Bello Queirós Pinto de Atahide de Serpa e Mello e não sei quantos antropónimos mais, rematando em Tavares Geraldes.
Com o nosso anfitrião usava os eónimos Tavares e Mello. MELLO sem dom, prova de grande filhamento e TAVARES devia ser TAVAREZ como aquele Tavarez Rombo armado cavaleiro com Dom Afonso Henriques em Zamora.
E não se desdenhava sequer do ónimo GIRALDES que ressumava ao Sem Pavor, redimido de quadrilheiro pela integração de Évora no património régio…
Assim, em amena e folgosa cavaqueira, se passavam as copiosas banqueteações.
Algumas vezes, ali assistimos à passagem das ovelhas que em transumância desciam das cumeadas da Estrela para as campanhas do Almurtão.
O Morgado organizava uma espécie de serões para trabalhadores em homenagem aos zagais da mesta. Até com a contratação de robertos.
E uma das cubas grandes da ampla adega levava grande míngua.
Mas o Morgado rejubilava.
E título e quinta afamavam-se. Aliás, até economicamente a opção rendia. No tríduo da festarola, os rebanhos deixavam nas veigas uma forte adubadela, que bem seria paga pelos batatais, ajudando a uma maior produção e ainda à qualidade do produto.
Batatas boas são as das três «itas» – terra granita, água granita e caganita.
A Quinta produzia milhões que não apenas milhares de arrobas. Como também se alçapremava a todas as outras em cântaros de azeite.
De resto, o nome era-me familiar desde os verdes anos pela apanha da azeitona.
Um casal meu vizinho – Joaquim Carreto e Maria Antónia Neto, morando embora a fartas léguas de Santo Amaro, porque eram parentes de um dos feitores do Morgado, na sazão aparelhavam o burro e rumavam para a apanha.
Voltavam com o animal a ajoujar sob a carga de azeite e azeitona com que os mimoseavam, retribuindo bem o trabalho.
E gababam a hospitalidade do bom fidalgo, cuja fama voava por uma outra razão.
Fora um dos primeiros portugueses a possuir automóvel. Logo na primeira década de mil e novecentos.
Ao mesmo tempo que um Bragança, irmão de Dom Carlos, o Dom António, que ficou conhecido por o Arreda – por gritar ao povo, quando passava tripulando o bólide – arreda, arreda
«O concelho», história e etnografia das terras sabugalenses, por Manuel Leal Freire

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O Doutor Joaquim Mendes Guerra, do casteleiro, homem de grande cultura e qualificado relacionamento, foi um grande lavrador do concelho do Sabugal.

Manuel Leal Freire - Capeia ArraianaUm notável trabalho publicado pelo Doutor Francisco Manso, sob o título Revolução dos Nabos, ultimamente referenciado na imprensa regional, trouxe-me à memória o que foi a actuação daquele grande terratenente em prol da lavoura do concelho e dos seus agentes, tradicionalmente desprezados, quando não mesmo vilipendiados por todos os poderes centrais, regionais e até locais.
Aquele levantamento popular foi já também objecto de uma outra publicação do grande estudioso Jesué Pinharanda Gomes, que, no entanto, dera outro nome à mesma série de ocorrências, apelidando-a de motim, das aguilhadas ou dos aguilhões…
Se um terceiro estudioso se lembrasse de lhe chamar insurreição contra a pragmática dos luxos poderia justificar o movimento pela irritação provocada nos ganadeiros pela equiparação, para efeitos de aplicação de taxas dos luxos da pomerania aos mastins castelhanos-serras da Estrela ou outros molossos afectados em primeira linha á guarda dos rebanhos, ao tempo ainda fortemente submetidos à dizimização pelas alcateias na região abundantes.
O povo entendia mal as razões de filosofia que, apregoavam os legisladores, estavam na base das novas sanções que iam atingir pequenos proprietários e jornaleiros, eles sim, fortemente carecidos de protecção.
Será curioso anotar que o levantamento apenas teve sucesso em parte do concelho, pode dizer-se que apenas nos que haviam pertencido aos extintos concelhos de Sortelha e Vila do Touro, tendo-lhe ficado totalmente inemnes as aldeias feudatárias dos antigos municípios de Alfaiates e de Vilar Maior e pouco havendo aquecidos os ânimos da restante terra fria sabugalense. Espontâneo, o movimento não teve figuras centrais, pelo que, quando chegou a horas de prestar contas à justiça, a acefalia reinou.
Foi então que o Doutor Mendes Guerra chamou a si a protecção dos que se viram acossados pelas justiças, muitas vezes injustas e normalmente muito poderosas para com os fracos.
Constituídos réus de delito público, foram submetidos a várias medidas de coacção, e, de entre elas, à prestaçao de cauções de montante elevado para o que não dispunham de dinheiro corrente, bens de raiz cabondes e, menos ainda, fidúcia bancária.
E toda essa cara e intrincada trama judicial foi resolvida pela Família Mendes Guerra. Como depois na fase processual subsequente, a do pagamento de preparos, custas de parte e de honorários a advogados.
De frisar é ainda o uso de influências em prol da causa dos ditos amotinados.
Joaquim Mendes Guerra era um homem de grande cultura e qualificado relacionamento. Fora leitor de Português em diversas universidades alemãs. Era um integralista da primeira geração e muito próximo ideologicamente de António Sardinha, Hipólito Raposo, o Conde de Monsaraz e Pedro Teotónio Pereira.
Pertencente a uma elite católica, gozava da amizade do Cardeal Cerejeira e dos vários irmãos e primos Dinis da Fonseca.
Jornalista de mérito, tinha assento permanente na redacção do diário monárquico Voz, nos cadernos do CADC e outros órgãos oficiosos da Igreja.
De resto, ele próprio criou e deteve um jornal posto ao serviço da Lavoura – A Gazeta do Sabugal.
Além disso, prestou à agricultura do concelho, um relevante serviço, criando e provendo de quadros o Grémio da Lavoura.
Ali, foi coadjuvado por um ilustre gerente que ele próprio contratou e preparou para o exercício do cargo – o senhor Pinto Monteiro, pai do Procurador Geral da República do mesmo nome.
«O concelho», história e etnografia das terras sabugalenses, por Manuel Leal Freire

Martim Codax foi um poeta das Rias Bajas de Vigo que também o poderia ter sido dos picos de Xalma.

Manuel Leal Freire - Capeia ArraianaEscreveu Hugo Rocha, que foi no Porto ilustre crítico literário e não menos ilustrado membro da Academia Galega, que não se concebe facilmente nos dias de hoje o que teria sido um poeta do século XIII, como Martin Codax e os seus pares.
Pelo menos, não se concebe facilmente o que tenha sido um poeta votado a cantar e declamar urbi et orbe a sua poesia.
É certo que,muito antes dos trovadores, dos jograis, dos segreis da Idade Média, a Grécia da Idade Antiga teve os rapsodos que foram os divulgadores da poesia do seu tempo, os cantores e declamadores de então.
Mais perto de nós, os celtas tiveram os bardos e as valemachias gaulesas eram canções de amor levadas pelos bardos de terra em terra, como o haviam de fazer depois os jograis e menestreis da Idade Média.
A fantasia lírica dos escaldos fez das sagas escandinavas os cantos mais típicos do Norte. A Islândia do passado conheceu as edas. A poesia escandinava e inseparável das tradições runicas. As lendas caledónias poetizadas por Ossian tiveram os seus divulgadores populares.
Falar dos nibelungos, dos poemas do Rei Artur e da Távola Redonda é falar dos famosos minessingueres germânicos. O canto épico de Rolando, os poemas cíclicos de Carlos Magno, o romanceiro de Cid Campeador eram poesia declamada, cantada e estruturalmente acompanhada a música instrumental.
Sabe-se o que todos eles declamaram mas desconhece-se-lhes o canto.
Os registos musicais são muito mais difíceis de fixar, além de os acordes sofrerem o influxo transformador do meio – até do geográfico.
Efectivamente, dizem os entendidos, as czardas russas repercutem tanto as grandes estepes como o tango argentino se filia na sintonia do pampas.
Como entre nós, o cante alentejano se modela nos barros de Beja, o fandango estremenho nas pradarias do Tejo e Sado, o vira minhoto nas colinas ondeantes das arribas de Viana…
Não sabemos que toadas terá cantado Martim Codax.
Conhecemos-lhe já perfeitamente o trovar, a sua fusão idiossincrática com o mar de Vigo, as cantigas de amar e amigo:
Ondas do mar de Vigo
Si vistes meu amigo
E, ay Deus, se verra cedo

Ondas do mar levado
Se vistes meu amado
E, ay Deus,se verra cedo

Se vistes meu amigo
O por que eu suspiro
E, ay Deus, se verra cedo

Se vistes meu amado
Por que hei gran coidado
E, ay Deus, se verra cedo

Ay ondas que eu vin veere
Se me saberedes dicer
Por que tarda meu amigo
Sen min

Ay ondas que eu vin mirar
Se me saberedes contar
Por que tarda meu amigo
Sen min

Se tivesse vivido no Ribacoa, Martin Codax teria igualmente cantado o amor em cantigas de amigo.
Só que o estro sopraria da serra, que não do mar.
Mas a língua seria a mesma – um romanço com muito de charro.
«O concelho», história e etnografia das terras sabugalenses, por Manuel Leal Freire

«Os Falares Fronteiriços do Concelho do Sabugal e da Vizinha Região de Xalma e Alamedilha»

Manuel Leal Freire - Capeia ArraianaTanto se tem falado do charro, das terras do charro e da unidade hipotalássica que a região constitui que nos sentimos obrigados a falar, aqui e agora, dum livro editado pela Universidade de Coimbra já no ano de mil novecentos e setenta e sete, e da autoria da filóloga Clarinda de Azevedo Maia e que tem o título com que encimamos a presente charla.
No prefácio, assinala a autora depois de frisar o carácter de trabalho escolar do livro – tese de licenciatura com que a obra nasceu, o destaque que pretendeu dar à avaliação do grau de penetração do castelhano e do português nestas duas faixas extremas – a raia sabugalense e as terras de Xalma, situadas na periferia dos dois países e até aos nossos dias em desfavoravéis condições de comunicação e por isso mesmo bastante conservadoras.
E daí também a complexidade deste trabalho sobre matéria dialectal nalguns aspectos com muito de pioneirismo.
Trabalho de grande folego científico, forma o seu corpo principal, explica a Autora, além duma extensa introdução, onde são postos em relevo os factos de carácter histórico e ainda a amplitude e a frequência dos contactos estabelecidos ao longo da fronteira cujo conhecimento é indispensavel para uma rigorosa interpretação dos factos linguísticos, toda a parte consagrada ao estudo e análise das características dos falares das duas regiões que em introdução caracteriza.
Transcrevamos:
Muito motanhosa e de acesso difícil, em precárias condições de acesso e comunicação com os seus vizinhos de Espanha e Portugal, a região de Xalma é uma das mais isoladas e menos exploradas de toda a Ibéria, seca ou húmida.
Aliás inóspita e de acesso difícil é toda a Serra da Gata, nomeadamente daquela parte de onde emergem o Coa, o Erges e o Águeda.
E os cerca de vinte quilómetros que vão da carcerenha San Martin de Trevejo á portuguesa Aldeia do Bispo, passando pelo Pico de Xalma ou Jalama, a mais de mil e quinhentos metros de altitude, são ásperos e difíceis com caminhos nem sequer de ferradura.
E nessa longa caminhada, que leva meio-dia passa-se junto de Payo e Navasfrias, pequenas povoações serranas, em muito acentuadas condições de isolamento…
Depois, frisava a Autora:
Em grande isolamento, se encontravam também as aldeias raianas portuguesas do Sabugal.
Intervém ainda negativamente a pobreza do solo e a rudeza do clima, de nítida influência continental áspera – invernos muitíssimo rigorosos e verões excessivamente quentes.
As dificuldades uniam.
E assim se impôs um caldo de cultura que marca e individualiza.
«O concelho», história e etnografia das terras sabugalenses, por Manuel Leal Freire

O milénio pasado foi o tempo das nações-estado que, de resto, já se haviam começado a desenhar na segunda metade do antecedente por reflexo da grande crise provocada pela queda de Roma e consequente desagregação do seu império.

Manuel Leal Freire - Capeia ArraianaO reino dos francos, antecâmara da actual França, foi o primeiro.
Naquilo que nós, hoje, chamamos de Europa Central e Europa de Leste, fervilharam então os gérmenes que cissiparizando-se, deram as centenas de principados, ducados e guelfas que, pelo fenómeno oposto viriam a dar os grandes impérios… O de Otão, antecessor do Sacro e do bismárquico, dos margraves de Viena de Austria, consubstanciado nos Habbsburgos, do de Pedro, o Grande, fundador de São Petersburgo, centralizador dos canatos que o seu ceptro unificou, o dos turcos-otomanos que as quezílias de Bizâncio deixaram passar aquém Danúbio.
Aqui, na Península Ibérica iam sucedendo os godos, visigodos, ostrogodos, suevos, alanos e vandaluzes, precursores das monarquias neogóticas que, por seu turno, vieram a gerar a Espanha dos condados, mãe de reinos.
E assim surgiu o reino de Portugal o país mais antigo e estável em fronteiras de todo o velho Continente.
O resto da península foi até mil e quinhentos um mosaico de reinos, dificilmente unificado por Fernando e Isabel, soberanos cada um seu trono, contendor um do outro até á cruzada contra Boadbil que expulsaram de Granada.
A França é de registo mais antigo. Mas não tem conseguido manter a integridade territorial, baldeada segundo os sucessos e insucessos das guerras com a Alemanha.
E ainda de mil novecentos e quarenta a mil novecentos e quarenta e cinco esteve partida em duas, só a de Vichi, gozando de independência aliás relativa.
Terrivelmente oscilantes em todas as direcções tem sido as fronteiras da Alemanha, dividida até ao tutano em duas durante metade do século passado.
A Itália foi durante milénio e meio uma autêntica manta de retalhos… com os reinos do Piemonte, de Nápoles e as Duas Sicilias, os ducados de Parma e de Veneza, as repúblicas de Piza e de Florença…
E das partilhas, levantamentos, cissiparizaçoes e fenónemos inversos é testemumho o que foram as partes europeias, primeiro, do Império Bizantino, depois, do otomano.
O segundo milénio foi o da dança das nacionalidades, agredindo-se reciprocamente.
O Milanado oscilava servindo alternadamente duas cortes em guerra endémica, a Casa de Áustria e a Monarquia Francesa. De tal modo que os seus militares tinham uma farda de dupla cor. Bastava virar a casaca
O Imperio Russo, czariano primeiro, comunista depois, entra em maré cheia ou vazia, ao sabor de preiamares e baixamares.
Unificado sob mão ferrea, cissipariza-se quando o centralismo abranda e no momento presente são às dezenas as repúblicas minúsculas que apareceram no xadrez.
Até a Geórgia, pátria de Estaline, entra na contradança em que também figuram os pequenos estados bálticos – Estónia, Letónia e Lituânia.
Ainda no Báltico, a Suécia, ora assume dignidade imperial, ora se reduz a uma pequena coroa.
De modo que a Europa das Pátrias e Nações e das regiões mais ou menos autónomas, no nosso milénio tem de ser a Europa das Pequenas Comunidades.
E nesta cabem as Terras do Charro…
«O concelho», história e etnografia das terras sabugalenses, por Manuel Leal Freire

Pode dizer-se que o toureiro vai à praça para ganhar dinheiro, posição social, glória, aplausos, mas não é verdade.

Manuel Leal Freire - Capeia ArraianaO toureiro vai á praça para se encontrar com o touro, ao qual tem muito que dizer e a que, a um mesmo tempo, teme e adora.
É certo que os aplausos do público o incitam, lisonjeiam e animam. Mas ele está embevecido no seu rito e vê e ouve o público como se estivesse noutro mundo.
E, efectivamente, está. Está num mundo de criação e de abstracção.
Como os expectadores, cada um dos quais imaginariamente toureia o touro, com um capote imaginário e de modo diferente do que está vendo.
Assim o toureiro transforma-se num mito diferente para cada um dos expectadores e o touro passa a ser a única realidade e o primeiro actor.
É que todos sentem intimamente o desejo de tourear, sem pensar que o toureio é uma arte dificílima, que reclama génio individual, impõe escolas e tem modas.
Mas esta vontade lateja imanente em todos os espanhóis. Por isso, todos se sentem actores, actuando na praça com o toureiro.
Achando natural e não incrivel uma verónica de Belmonte ou um farol do inimitável Rafael, El Gallo.
E este desejo profundo de enfrentar o touro baila profundamente no ânimo de qualquer jovem espanhol.
São, aliás em número incontável os que se arrojam à praça, saltando dos tendidos,
con un trapito rojo y una caña en vez de espada, como verdaderos ecce homos de la fiesta… o se desnudan para pasar el rio y torear desnudos á la luz de la luna.
La Fortis Salamantina, torre que se reflecte no espelho do Tormes e a Giralda de Sevilha, alcandorada sobre o Guadalquivir são os dois minaretes simbólicos sob os quais se vive a aficion.
Claro que tudo vem do Sul.
O passodoble ressuma a sangue andaluz e toda a escola e ciência do toureio brotam da Serra Nevada para baixo. Mas, hoje, o Campo Charro tem bravas ganaderias que brilham nos redondéis de todo o mundo.
E assim o mérito divide-se entre os sinos da torre salamantina, carregada da universitária cultura renascentista e as badaladas da Giralda ressonantes ao mais belo arabismo em que há todo um rosário de ressonâncias e um gigantesco touro negro decantado já pelos poetas e que excita todos os ânimos.
«O concelho», história e etnografia das terras sabugalenses, por Manuel Leal Freire

Nesta Europa das «Pátrias Chicas», «Santas Terrinhas» ou «Terrae Patrum», que é a deste primeiro século do terceiro milénio, não há dúvidas de que as freguesias onde se pratica a capeia raiana constituem, agregando-se-lhes as espanholas onde se usam os falares fronteiriços de Alamedilha e Xalma, um bloco monolítico.

Manuel Leal Freire - Capeia ArraianaLevantadas em derredor das encostas portuguesas e castelhanas da mesma cadeia orográfica, cercadas até há pouco por uma dupla cintura de caminhos de ferradura, servindo de nascentes a rios – Coa, Águeda e Erges – que, por caminhos diversos e dispares, se irão juntar nas imensidades do Mare Nostrum, as respectivas populações, embora binacionais, têm secularmente vivido existência que bem se pode dizer comunitária.
O trigo e o azeite da parte salamantina, as mantas de toucinho e as tarraças de untura, as azeitonas e os escabechados de peixe grosso, as laranjas e os melocotones das encostas de lá tornaram-se triviais na mesa dos ribacudanos fronteiriços.
Como os povos de Alamedilha a Valverde del Fresno ou San Martin de Trevejo se habituaram ao leite, enchidos ou carnes frescas do lado de cá e até às nossas batatas e aos nossos feijões.
É o lado mais fortemente materializado – o da sustentação do corpo – a agir harmoniosamente com os laços linguísticos e a tradição em geral.
Dialectos carregados de leonismos, levam a que cá e lá aonde são muitos os que falam não grave, mas charro.
Historicamente, à guerrilha miguelista levantada na Raia Sabugalense pelo Padre João Barroca, correspondem os vários curas carlistas que deram corpo à Primeira Guerra Civil de Espanha, um século anterior à Cruzada do Caudilho Franco.
Ainda hoje são muitas as irmandades de almas e confrarias sufragiantes que mandam celebrar os seus trintários de missas em conventos transfronteiriços.
E dando resposta ao despovoamento e descristianização imperantes na parte portuguesa são padres e sacristãos feudatários da Sé de Cidade Rodrigo, que a de Cória eclipsou-se, quem se encarrega das cerimónias fúnebres em terras da Capeia.
Material e espiritualmente, constituem, pois, os Charros uma unidade hipotalássica.
«O concelho», história e etnografia das terras sabugalenses, por Manuel Leal Freire

A capeia raiana deriva do culto de Mitra? Entendemos que não… pondo, antes, o acento tónico no aspecto lúdico.

Manuel Leal Freire - Capeia ArraianaEntre os numerosíssimos estudiosos que se têm debruçado sobre a origem e a essência da capeia raiana e do seu símbolo maior – o forcão – não podemos deixar de considerar os que têm pretendido religá-la ao culto de Mitra.
As ligações de Aníbal, o Barca, filho de Amilcar e neto de Asdrubal, a Mitríades, rei do Ponto e sumo sacerdote daquele antiquísssimo rito, podem servir de base para o estudo.
Anibal, o grande chefe cartaginês que não soube aproveitar o choque vivido em Roma com as derrotas de Canas e do Lago Transimeno, deixando-se ficar em doce far niente com as moças da Apulia, tinha para com a Ibéria Interior profundos laços de vivência.
Aqui recrutara os tércios e tiufados que o acompanhariam nas travessias dos Pirinéus e dos Alpes.
Daqui teria levado as cabras que municiaram de leite e carne os seus famosos esquadrões – rezes que enfeitadas nos chifres com luzentes archotes disseminaram o terror por entre as legiões, de Cipião.
Aqui se abasteceu com municiosos carregamentos de queijo velho de ovelha que forneceu aos seus homens um suplemento alimentar que lhes permitiu enfrentar os gelos na travessia dos dois maiores colossos orográficos da Europa.
Como todos os colonizadores deixou também entre nós sinais materiais e espirituais.
E, dentre estes, os cultos, um dos quais foi certamente o de Mitra, o do Minotauro e o de Zeus – touro divino responsável pelo rapto da Europa.
Tanto mais quanto é certo que os cartagineses eram os herdeiros e depositários das civilizações fenícia e cretense.
Aliás foi essa característica marcadamente mercantilista e nauta a principal responsável pelo fracasso de Cartago ante Roma – que extremando os campos fez desta a cidade eterna enquanto daquela só restam umas vagas ruínas na foz do Rio Bragadas, algures na Costa Tunísina.
E quanto à capeia raiana, como, de resto, à tourada em geral, embora lhe reconheçamos um aspecto cultual, de religiosidade profunda, pensamos nada ter a ver com o púnico culto de Mitra.
Mas sendo essencialmente uma manifestação lúdica da valentia dos vergalhudos da Raia, comporta e transporta fé.
«O concelho», história e etnografia das terras sabugalenses, por Manuel Leal Freire

O meu estimado parente e confrade nesta irmandade dos cultores do Regionalismo Sabugalense , de que já seu pai foi denodado lutador, vem dando público testemunho do seu amor à Terra Patrum, de uma entranhada vivência da nossa vida comunitária e de um apurado sentido da História numa série de crónicas reveladoras dum domínio da dificil língua portuguesa a atestar a sua passagem por essas excelentes casas de formação intelectual que foram e continuam a ser os seminários.

Manuel Leal Freire - Capeia ArraianaNuma exaustiva análise do ciclo dos cereais panificáveis, um dos pilares da economia de subsistência que caracterizou a vida das famílias da zona antes do grande surto migratório, tratou exemplarmente e de forma absolutamente exaustiva como se aproveitavam até os campos mais sáfaros e difíceis de agricultar, pois só a enxada ali podia penetrar, por vezes até com precedência da picareta e do ferro pistolo, utilizado para remover pedregulhos.
Era a prefiguração do poema de Correia de Oliveira:
Quando a preguiça morrer
Até o monte maninho
Até as penhas da serra
Darão rosas, pão e vinho

As terras centeeiras, assim chamadas por não terem aptidão para qualquer outra cultura eram objecto de permanente atenção.
Até quando estavam de pousio.
Repare-se que era este que determinava a existência de folhas ou terras afolhadas
A fraca fertilidade natural da generalidade das tapadas – nome dado aos agros onde se cultivava o pão – vocábulo identificado com o centeio – levava a que se dividisse o limite das freguesias em zonas – normalmente três.
As terras integradas em cada uma dessas áreas – as folhas – só davam cereal de três em três anos. E, mesmo assim, com baixos índices de produção. A menos que o lavrador possuisse rebanho que as estrumasse. Ou lhes reforçasse o tónus de rentabilidade, através de químicos. Mas estes eram caros e o dinheiro pouco. Além de que nem sempre atingiam compensatório índice de produção.
E as pastorícias de gado sempre foram apanágio de poucos.
Remover o solo pelo arado com a decrua e uma ou duas estravessas, antes da sementeira e depois com a aricagem permitiam uma azotagem natural e quanto mais vezes a relha passasse mais o ar entraria.
E mais se converteriam em matéria orgânica os corpos parasitários.
Mas até nisto se tinha de ser comedido, que o ferro era caro e aguçar as pontas, mau grado a modicidade dos ferreiros, também pesava.
Ao esforço do lavrador e das reses de jugo não se faziam contas. De outro modo, bem caras ficariam palhas e paveias.
Nos anos de pousio, as courelas eram abertas aos rebanhos.
E das restolhadas subsequentes às ceifas até às sementeiras trinta e seis meses depois, cresciam pequenos arbustos, nomeadamente giestas e bela-luz que bom jeito davam para a cozinha, o forno, a cama dos gados, a tapetagem das ruas.
No entrementes, os moços de lavoura não esqueciam nem desdenhavam da rabiça, vaidosos da sua condição.
Alfaiates não são homens
Sapateiros também não
Homens sim são os ganhões
Que enchem as arcas de pão.

«O concelho», história e etnografia das terras sabugalenses, por Manuel Leal Freire

O manejo do forcão só pode ter êxito assente naquelas quatro virtudes que servem de epígrafe a este texto. A inteligência do rabejador, a destreza dos capinhas que puxam a rez para a lide, a valentia dos laterais e a heroicidade dos fronteiros.

Tourada com forcão

Manuel Leal Freire - Capeia ArraianaComo sabe qualquer iniciado na terminologia do toureio, o responsável pela corrida tem o titulo profissional de inteligente.
Do latim – raízes em inter e legere – é o que lê por sinais, nos dizemos o que é capaz de ler nas entrelinhas, como que discreteando o texto.
A inteligência é fonte de virtudes, até de força, a darmos crédito ao aforismo – nunca faltou força onde sobeja a inteligência, sendo, pelo contrário, a ignorância mãe de todas as derrotas, impotências e franquezas.
Numa corrida, o inteligente tem de saber ler, tanto a feridade o toiro, como a estrelinha do bandarileiro, ou a argúcia do par cavalo-cavaleiro ou ainda a temeridade dos moços de forcado. Para decidir a prossecução ou suspensão da lide, a natureza da pega ou denegar até que seja tentada.
Na capeia raiana, o verdadeiro inteligente é o rabejador, capaz de entrar na psique do touro, adivinhar-lhe os movimentos, perscrutar-lhe as hesitações.
E ao saber das suas leituras ou cognições fazer dançar toda a triangulação, impondo-lhe rota e compasso.
Lembro na Aldeia da Ponte dos meus verdes anos, a inegualável técnica de dois mestres.
Primeiro, o Senhor Quitério e, depois, o Senhor Pausidro, de ascendência espanhola… Albergaria de Arganhã, sendo o nome pelo qual era conhecido provavelmeme um crase sincopada de Paulo Isidro.
Mas que soberbas lições de rabejamento.
E que intuiçao não demonstravam os capinhas. Sem outras armas que uma boina e uma saca a desviarem a rez da sua crença natural e levando-a a investir contra o forcão, onde o esperava o garbo dos laterais e a força hercúlea dos fronteiros.
Destes seja-me permitido destacar os dois que em Aldeia da Ponte marcaram na minha meninice… o Manuel Marcos e o Zé Barreiras. Dois autênticos hércules que faziam afocinhar qualquer toiro.
Rogo também trinta segundos de atenção para dois que foram modelo de capinhas, igualmente em Aldeia da Ponte, o Zefo, que morreu no Brasil, onde se firmava como empresário, e o Manuel Gusmão, conhecido pelo Forcalheiro por o pai ter vivido nos Forcalhos, onde comandou a guarnição fiscal. Ele próprio foi também elemento aliás muito qualificado daquela polícia aduaneira, pois tratava-se pessoa muito inteligente, séria e de bom trato…
«O concelho», história e etnografia das terras sabugalenses, por Manuel Leal Freire

O termo Charro aparece-nos com vários significados.

Manuel Leal Freire - Capeia ArraianaUmas vezes, para designar uma das várias regiões naturais por que se divide a província de Salamanca – o Campo Charro – uma extensíssima chapada de cereais e montado, contraposta às alcantiladas arribas do Douro, às serras de Gata e de Francia, aos condados de Penharanda ou ducados de Tormes, a famosíssima Casa de Alba.
Não falta também quem, generalizando, use a palavra como sinónimo de camponês salamantino na sua autêntica pureza e genuinidade.
Desprimorando mais o vocábulo alguns dizem-no sinónimo de rude, grosseiro, inculto.
E é neste sentido que genericamente se fixam os dicionaristas… por todos Domingos Vieira no seu celebérrimo tratado Tesouros da Língua Portuguesa.
E constata-se aqui uma desfocagem que de algum modo faz deslissar o tema para um ângulo de observação que é aquele que aqui se pretende imprimir-lhe.
O termo – admitem os investigadores, radicará no vasconso, idioma muito rude e, fiel às origens – significa linguajar rude, próprio de gente iletrada e isolada do mundo, contrapondo- se ao falar fidalgo, grave, ou de acordo com as regras da escola.
Na Aldeia da Ponte ou nas Batocas da minha meninice, ainda me diziam que eu, por frequentar o ensino primário na cidade da Guarda, falava à grabe e o Gregório Nave, meu contraparente por afinidade, por viver na Nave Longa, fazenda raiana, onde lidava muito com albergarios e alamedilhos, falava charro.
Ora, o charro é mesmo um dialecto, um português ainda carregado de leonismos e já mesclado de castelhano, que se falava até há pouco, e ainda há quem o use, nas terras de Xalma.
«O concelho», história e etnografia das terras sabugalenses, por Manuel Leal Freire

Voltamos a Frederico Garcia Lorca para de novo dissertarmos sobre a magia do toureio e suas cores. Agora,fazemos apelo a uma charla sobre SOL Y SOMBRA.

Manuel Leal Freire - Capeia ArraianaTranscrevamos, traduzindo:
Basta escrever aquelas duas palavras, assim, sol com letra amarela e sombra com letra escura para caracterizar a estética do toureio.
E assim teria que ser quando se jogasse com o sol e a sombra, quando daquelas palavras se queira fazer metáfora e conceito.
E isto não depende de nuvem, espelho ou muro, mas apenas do toureiro, pois é dele que brotam na arena o sol e a sombra.
Lagartijo, por exemplo, conseguiu corridas, em que não houve senão sol – gloriosa experiência de uma estética de estátuas, como a do touro, antes das banderilhas.
A sombra, em Lagartijo, era pura especulação, ou mera simulação.
Ele amava a nudez e a linha concreta, amava a roda do sol e suprimia o ângulo infinito da sombra.
Mas para muitos outros toureiros continuou a haver sol e sombra.
Bombito, esse aprendeu a lidar, sem riscos, com o sol e a sombra.
El Gallo levou a um alto expoente esse jogo de luzes.
Mas só a capeia raiana tem o condão de fazer apelo a um terceiro elemento – o arbóreo, personificado no forcão.
É a imagem protectora do carvalho-roble, é a floresta intrometendo-se neste duelo homem-touro.
Todos os contendores se sentem atraídos e protegidos por aquele nume.
O touro avança buscando na sombra projectada pelos troncos e ramos da floresta perdida.
Os bravos e possantes moços que guarnecem as alas, sentem o alívio de asas e o próprio rabejador na sua essência de timoneiro, não deixa de pressentir o hálito benfazejo da árvore mesmo desnudada.
As divindades que se acoitam no bosque transferem-se meteoricamente para a arena.
A dança do forcão é um baile mandado em que, fantagórica, mas harmoniosamente se agitam todas as divas da pradaria…
Até os freixos para que os vaqueiros sobem quando o espírito do mal açula os toiros.
«O concelho», história e etnografia das terras sabugalenses, por Manuel Leal Freire

Segundo Frederico Garcia Lorca, o mais sublime cantor do gosto ibérico pelo toureio, este tem dois santuários: La Fortis Salamantina, torre de Salamanca, que se remira nas pradarias do Tormes, e a Giralda, de Sevilha, que se reflecte nas verduras do Gualdaquivir.

Manuel Leal Freire - Capeia ArraianaE concretiza – O touro de lide só pode crescer com a erva mágica daquele segundo rio, que é o de Herrera e de Gongora, ou a dos plainos do primeiro, que é o de Lope de la Vega e Frei Luis de Leão.
O Poeta, que, por certo, ninguém se atreverá a classificar de retrógrado, reaccionário ou fascista, como que santificava a arte de tourear.
Ouçamo-lo:
Na segunda metade do verão peninsular abrem-se as praças de touros, ou seja os altares.
O homem sacrifica a brava rez, filha da dulcíssima vaca, deusa do amanhecer que vive no orvalho. A imensa vaca celeste pede também o holocausto do homem e recebe-o.
Todos os anos caem os melhores toureiros.
Parece que o touro, como que guiado por um instinto não revelado, ou por uma secreta lei desconhecida, elege o toureiro mais heróico para abatê-lo, como nas tauromaquias de Creta se escolhia a virgem mais pura e delicada.
Desde Pepe-Hillo ao inolvidável Ignacio Sanchez Mejias, passando por Espartero, Antonio Montez e Joselito, há uma incontável série de mortos gloriosos, de espanhóis sacrificados por uma obscura religião, incompreensível à primeira vista, mas que constitui a chama perene que torna possível a gentileza, a galanteria, a generosidade, a bravura sem ambições, onde ganha força o carácter inalterável do nosso povo.
Todo o espanhol se sente arrastado por essa força que empolga o touro e o toureiro e é uma força irreflexiva.
Lorca falava de dois santuários da arte brava e bravíssima.
Nós aditamos-lhe um terceiro:
Esta pequena tira da orla raiana do Sabugal onde se pratica a capeia.
Espectáculo único no mundo, mas intensamente vivido por esta corda de povos que vai de Nave de Haver aos Fóios e pouco se afasta da primeira linha de fronteira.
Uma zona de transição do carrasco para o carvalho-roble, o carvalho lusitano.
Ou, se preferirmos outra nomenclatutra, do planalto charro para as alturas da Lusitânia Citeriot.
«O concelho», história e etnografia das terras sabugalenses, por Manuel Leal Freire

Antes da difusão generalizada dos chamados lares académicos, um dos problemas mais complicados que se punham às famílias que pretendiam matricular filhos no ensino secundário e residiam fora dos centros populacionais onde não existiam liceus ou colégios, era o do alojamento.

Manuel Leal Freire - Capeia ArraianaOs hotéis e até as pensões, mesmo humildes, eram manifestamente inacessíveis para a quase totalidade das bolsas, além de não condizentes com o ambiente pretendido.
A solução foi propiciada por muitos particulares que, recebendo estudantes, obtinham reforço para os seus orçamentos, por via de regra magros.
E havia até pessoas, muitas vezes viúvas ou filhas-família, que, por qualquer razão, não haviam casado, para as quais esta actividade era a única fonte de rendimentos.
Os candidatos a hóspedes eram na generalidade descendentes de lavradores meãos que, tendo embora abundância do que a terra lato sensu ia dando, padeciam já de uma endémica falta de dinheiro. Daí que o alojamento fosse em parte sustentado pelo fornecimento de determinados víveres. Aliás, em casos extremos, o pagamento poderia ser feito unicamente com géneros.
Era o regime do farnel, que habitualmente se compunha de batatas, feijões, chicharos, gravanços, toucinho, enchidos, queijos, ovos, aves de capoeira e até caça.
As hospedeiras controlavam os regimes de modo a equilibrar os gastos.
Genericamente, vigorava uma divisão equitativa entre as duas formas de pagamento. Mas eram raros, raríssimos mesmo, os casos em que o dinheiro era o único meio.
Nisto se distinguiam os filhos dos contrabandistas, ou mais precisamente dos empresários de contrabando, que mesmo de pequenos negócios – e os grandes eram raridade – dispunham de dinheiro fresco e vivo. E que, para além de pagarem ao contado, por vezes até adiantadamente, deixavam nos bolsos dos estudantes mesadas que os distinguiam do comum.
Sob este duplo aspecto, os filhos dos contrabandistas eram um escol.
«O concelho», história e etnografia das terras sabugalenses, por Manuel Leal Freire

Necessidades de povoamento ou políticas de fomento fizeram que frente a cada uma das aldeias portuguesas da orla raiana se erguesse uma outra de bandeira espanhola.

Manuel Leal Freire - Capeia ArraianaRestringiremos, obviamente a nossa indagação, ao limes sabugalense na sua actual formulação ou seja à língua de terra que do nosso lado vai de Batocas, pequeníssimo burgo anexo da também pequena freguesia de Aldeia da Ribeira, até Malcata.
E por Espanha, da salamantina Alamedilha à já carcerenha Vilamiel, a primeira encontra-se praticamente colada à Raia e das Batocas não distará mais do que meia légua.
Os casamentos mistos eram frequentíssimos e apoiados pela Igreja Católica que, gozando de grande autoridade moral e de não menor influência política, removia os possíveis óbices de ordem legal que se viessem a suscitar.
Aliás era na igreja paroquial de Alamedilha que os batoqueiros cumpriam os preceitos da Madre, que, segundo a doutrina, nos Céus está em essência, nomeadamente ouvindo missa inteira aos domingos e festas de guarda, confessando-se pela Quaresma, comungando pela Páscoa da Ressureição, mandando celebrar exéquias e ritos pelos defuntos e ausentes.
Era no seu manúblio que os mais senhoritos passavam as horas de sesta e os tempos de lazer. Era junto das modistas e bordadeiras locais que as batoqueiras se iniciavam nas práticas da costura. Como era aos peluqueros alamedilhos que sécias e peraltas recorriam para operações de alindamento que, em Portugal, só achariam lá para as bandas da Guarda. Era ainda ali que as donas de casa se dirigiam ou mandavam molinetes para artigos de primeira necessidade.
Comprar cerilhas se entretanto se haviam esgotado os fósforos, azeite, sal, umas mandrujas de escabeche, uma almotolia de azeite era o trivial e habitual.
Rumando para Sul, segue-se do lado português Aldeia da Ponte, e do espanhol Albergaria de Arganhã.
Uma e outra ficarão a cerca de meia légua da Raia. São duas povoações importantes. Ligava-as através do Vale de Todo o Lugar e da sua continuação um troço do Caminho de Santiago. Os espanhóis aproveitaram-no construindo, há mais de cem anos, uma magnífica estrada que do nosso lado não teve continuaçao. Também, a ferrovia da Beira Alta, início da Grande Linha que chega a Vladivostoque, devia passar por ali, muito melhor traçado do que o que deu Vilar Formoso-Fuentes de Oñoro – o que foi impedido pelo Padre Paulo Chorão, rico terratenente e poderoso político, que temendo pelo corte de suas propriedades e a perdição de suas paroquianas, fez desviar o traçado inicial.
Aqui, tanto num povoado como no outro já havia comerciantes de alguma robustez.
Trata-se de freguesias com forte marca de monumentalidade religiosa, expressa no caso de Aldeia da Ponte por dois antigos conventos e uma densa teia de oradas.
O emparelhamento que se segue é Forcalhos-Casilhas de Flores, distando entre si cerca de duas léguas. Mas porque Casilhas está muito para dentro de Espanha, oito quilómetros sensivelmente de caminhos enlameados ou encharcados, os forcalheiros ou chocalheiros, como tamnédm se lhes chama, sentem-se mais atraídos por Albergaria ou Fuenteguinaldo, quando não Navasfrias, embora este burgo ainda salamantino seja par da Lageosa da Raia, distando-se também à volta de duas léguas
Aldeia do Bispo dista dois quilómretros da Fronteira e faz vida mercantil tanto com Navasfrias, povoado de que dista uma légua, como com Valverde del Fresno, que ficando três vezes mais longe goza da vantagem de se encontrar muito melhor provisionada.
Este Valverde é, por igual, o entreposto de Fóios, distando-se os dois burgos sensivelmente duas léguas. A povoação espanhola que lhe fica mais próxima é, todavia, Eljas, já carcerenha.
Mas o entreposto de Valverde domina como sucede ainda com Malcata.
Em toda aquela corda de povos, as relações vão muitas vezes para além da primeira linha, até para entrar em áreas de muito menor vigilância ou até já presunção de legalidade.
É o que sucede com Espeja, Puebla, Carpio, Pena Parda e Payo ou até Trevejo, San Martin, Vilamiel, Santo Estevao de Bejar.
O contrabando fazia-se por veredas e a corta-mato, mas mesmo à vista de Deus e do Mundo persistiram los caminos de herradura. E, como refere Clarinda de Azevedo Maia, in Os Falares Fronteiriços do Concelho do Sabugal e da Vizinha Região de Alamedilha e Xalma, o isolamento, o caracter montanhoso da região, aliados à pobreza do solo e à rudeza do clima, de nítida influência continental de Castela-Velha – inverno muitíssimo rigoroso, verão excessivamente seco e quente e grandes desvios de temperatura – ajudam a explicar toda uma vasta gama de entretecidas contratações…
«O concelho», história e etnografia das terras sabugalenses, por Manuel Leal Freire

Se para ser cargueiro não se exigia mais que uma mediana robustez de peito e pernas e para ser empresário o problema era de fundo de maneio e capacidade de relacionamento, o guia, só o poderia ser, se aliasse a um perfeitissimo conhecimento do terreno, uma velocidade e capacidade de carga que a Natureza só concede excepcionalmente e, acima de tudo, uma coragem a roçar o temerário.

Manuel Leal Freire - Capeia ArraianaEste vocábulo guia, na sua simplicidade dissilábica é dos que mais linhas exige dos dicionaristas e dos que mais nótulas e comentários lhes suscita.
Comum de dois, quando relativo a pessoas – que podem ser celícolas, como o anjo da guarda, simplesmente feminino quando referido a autorizações de marcha ou despacho – os tratadistas dizem, para a primeira hipótese, que guia é pessoa que conduz outra ou outras, a ou as acompanha e lhe ou lhes mostra o caminho.
Para a segunda hipótese, tanto pode ser roteiro que indica o caminho que se há-de seguir, como obra que encerra instruções; como a famosa carta de guia de casados do nosso Dom Francisco Manuel de Melo,,,
Nas operações de contrabando, a primeira tarefa é a da escolha da rota – caminho pouco simpático e acessível às patrulhas fiscais, de horizontes muito curtos e com obstáculos naturais a corridas de perseguição.
Mas, porque há sempre o receio de qualquer iscariotes que faça denúncias ou se espera comunicação dos vigilantes de serviço que inculquem perigo para o delineado trajecto, logo desde a primeira hora se estabelecem alternativas. E, conjecturando-se sempre a hipótese de aparecimento de guardas ou carabineiros, estudam-se cenários de diversão, a partir dos possíveis nós de intervenção.
Iniciada a travessia, o lugar da frente pertence sempre a um guia, que leva uma pseudo-carga, logo abandonada a voracidade dos homens do fisco, caso apareçam.
Mas o guia não foge do perigo, busca-o mesmo para decobrir e entreter possíveis apreensores. A carga serve de negaça. Mas quando dela se despoja, atira para os ares com um fortíssimo ahhuu que alerta toda a fila.
Os cargueiros, embora no encalce, vão separados um a um por algumas dezenas de metros. E, enquadrados – de tantos a tantos, segundo o valor das cargas, podendo ser um para dois, no caso de mercadorias muito caras – por outos guias, que à ordem de debandada, fornecem aos seus protegidos, novo itinerário. Aliás, quando um cargueiro, por mais timorato ou acossado, perde a carga, o seu guia tudo fará para recuperá-la.
Meu pai, que foi guarda fiscal, contou muitas vezes, apontando o autor comum dos mais famosos guias de toda a Raia, que o Zé Júlio, das Batocas, se safou com três cargas de estanho, de vinte e cinco quilos cada uma, fugindo com elas pelos brejos…
Houve muitos guias que deixaram fama, como o Chicata, das Naves, o Berrnau, que sendo da Bismula, passava por batoqueiro, em virtude de viver amancebado com uma estalajadeira das Batocas… Os mais decantados de todos foram, no entanto, os quadrasenhos.
Porque alguns morreram crivados de balas pelos civiles que, vindos das crueldades da Guerra Civil de Espanha, tinham pouco respeito pela vida – sua e dos outros…
Os folhetos de cegos davam-se conta dos insucessos:
Era valente e sem manha
Amado pelos cargueiros
Quando ia para Espanha
Foi morto pelos carabineiros

Assim rezava o libreto, alusivo ao Aristides Perricho, que se podia transcrever só com mudança do identificativo para Leu, Léi, Balhé ou Balecho, nome de alguns dos caídos nas ravinas de Gata e Gredos.
«O concelho», história e etnografia das terras sabugalenses, por Manuel Leal Freire

O contrabando era nas terras raianas um modo de vida legitimado pela comunidade e fonte de receitas para quase todos.

Manuel Leal Freire - Capeia ArraianaAmigos meus, que, no Sabugal, exerceram funções de magistrados judiciais – juízes de direito e procuradores – me relataram repetidamente que, inquirindo, aos costumes, em sede processual, réus, queixosos e simples testemunhas, quanto à profissão exercida, muitas vezes ouviram a resposta: «sou contrabandista».
Pessoas, que viveram longos anos como cargueiros de jorna, não se haviam tais depoentes apercebido da ilegalidade da condição, pelo que se lhes afigurava tão legítimo ser contrabandista como pastor ou cavão, moço de servir ou carregador de número.
Aliás, para um raiano, de qualquer extracto social ou grau académico, a actividade sempre será de baixo delito e nunca será pecaminosa para aqueles que arriscam a vida como carregueiros e guias e, nem mesmo desqualifica socialmente os que se sujeitam à perda de património.
Outro tanto não se poderá já dizer de onzeneiros que se aproveitam das aflições ou debilidade financeira dos operacionais, para engrossar a conta, emprestando a juros altíssimos dinheiro próprio ou adrede sacado na banca, com exorbitâncias inimagináveis.
Comecemos a nossa análise pelos cargueiros de jorna, recrutados noite a noite para levarem a bom termo uma dada porção de mercancia – cinquenta quilos nas de valor semelhante ao da uva mijona, vinte a vinte e cinco nas de valor mediano e cargas levíssimas quando a coisa era valiosa. De café, artigo permanente numa transacção de séculos, as cargas rondavam os vinte quilos. Mas a incursão aventurava-se muito para além da linha de fronteira por dez léguas ou mais.
Durante a Segunda Grande Guerra, a Espanha, conotada com as potências do Eixo e devedora para com a Alemanha dos meios de combate propiciados a Franco, sofria internamente de terríveis carências e queria propiciar a Berlim materiais que lhe eram vedados, mas se poderiam obter em Portugal.
Minérios de estanho e volfrâmio, além de outros de grande raridade, passaram a Raia de Poço Velho aos Fóios, ocupando todas as noites centenas de cargueiros alombando cada um os seus vinte e cinco quilos.
A viagem era curta e de pouco risco, que, do lado espanhol, não havia apreensões e do lado de cá o trânsito só era condicionado quase rente ao limes.
Aos milhares de toneladas, mas em cargas individuais de quintal, passavam todas as noites para centros de armazenagem que iam dos Campanários de Azaba a Sant Esteban de Bejar deperdícios de borracha – da virgem à das ligas mais pobres – e de cornos de qualquer animal que os tivesse ostentado.
Foi meia década de pleno emprego.
O rapazola que acabara de tomar corpo cabonde podia ganhar a jorna todas as noites. E os homens feitos enquanto aguentassem dispunham de igual oportunidade.
A jorna ia dos vinte escudos na veniaga dos cornos aos cinquenta na dos minérios. Atendendo a que um cavador ganhava ao dia dez escudos a seco e cinco a de comer, trabalhando de sol a sol, e que neste jornadear, Espanha vai, Espanha vem, o percurso se faria, correndo tudo bem em quatro, cinco horas, a paga era tentadora.
E até estudantes em férias se atreviam a experimentar embora depois as pernas e sobretudo as costas dessem de si.
Com a rendiçao incondicional da Alemanha, acabou aquele ciclo.
E uma nova era de quase emprego só surgiu com o contrabando de vacas mas já no fim da era do escudo.
Cada passador trazia só uma rez e recebia, se a operação se finalizava com êxito, cinco contos de reis. Os rapazes da Confraria dos Solteiros não queriam outro modo de vida e muitos bons e honrados pais de família obtiveram um excelente reforço para os seus quase sempre muito baixos orçamentos de passigo.
«O concelho», história e etnografia das terras sabugalenses, por Manuel Leal Freire

Começamos por transcrever do trabalho «Algumas Notas», do geógrafo e sociólogo valedespinhense, que foi também um dos mais notáveis professores do Liceu da Guarda, o saudoso doutor Carlos Alberto Marques, esta constatação.

Manuel Leal Freire - Capeia ArraianaOs povos raianos do Ribacoa são altamente influenciados em toda a sua vida pela Espanha. Vestem-se à espanhola, com fazendas fabricadas na Catalunha. Usam alpergatas ou albarcas que da Espanha vêm. Comem azeitonas e consomem azeite que se produz nas províncias espanholas de Salamanca e Céceres, fumam tabaco espanhol e dançam à espanhola.
Depois, o Autor acrescentava num misto de lamentações com arroubos de amor pátrio: Só, gracias agamus Domino – demos graças a Deus (traduzo eu para quem não tenha sequer uns rudimentos de latim) – não são ainda espanhóis pelo sentimento.
A seguir expressava um receio: O de que, pela força dos costumes e dos hábitos, o sabugalense raiano se venha a espanholizar de tal sorte que perca o amor da sua pátria, enfraquecendo e desfazendo as barreiras nacionais.
Esta ideia ressalta um pouco no Cancioneiro:
Amo e adoro Portugal
Mas não me sai da ideia
Que a Pátria é o guarda fiscal
O citote e a cadeia.

Possivelmente, los pueblos cercanos de Espeja a Las Eljas teriam as mesmas razões de queixa quanto a Manuel Azaña e Casares Quiroga, governantes à epóca, sendo certo que o tempo não corrigiu antes agravou as dissemetrias e do lado de cá e de lá os tratadistas continuam a queixar-se da fronteira do subarrolho
Quando Carlos Marques começou a escrever – antes, pois, da Segunda Guerra Civil Espanhola – as povoações, mesmo os simples hojares de Castela e da Estremadura Cacerenha, dispunham de estruturas que à Raia Sabugalense só chegaram meio século mais tarde.
Alamedilha, modesto pueblocito fronteiro às Batocas,umas vezes referenciado como Del Chozo, outras como Del Azaba, ribeiro feudatário do Águeda e que individualiza vários termos, v g Carpio e Ituero, foi electrificado por Primo de Rivera, nos anos vinte do século passado. Para desespero dos larápios de calle que se queixavam da existência de candeias que alumiavam toda a noite e se não apagavam nem com a chuva nem com o vento, mas para gáudio dos alamedilhos de bem, que eram quase todos.
E para além de energia eléctrica, o burgo dispunha, como todos os outros de escassa população, de um serviço médico, assegurado por um praticante, suponho que facultativo em início de carreira e de uma botica aprovisionada do essencial. Gozava também de apoio administrativo, com um contable, afectado, embora, a várias aldeias, mas com horário certo em todas elas, e até de um pequeno clube, o Manublio, onde à hora da sesta – este nome vem da linguagem canónica (hora de sesta, hora do calor, meio dia solar) – e à noite, se bebia, moderamente por força dos regulamentos, charlava e bailava.
Em Madrid, o Governo estabelecia preços políticos, apoiados para uma extensa série de artigos. Para a pana, barata e que durava uma vida, mesmo nas calças de um moço de campo. Para o calçado, alpergatas de cotio e albarcas, misto de borracha e não sei que mais, mas que até mais do que as calças eram quase eternas. No cesto dos preços protegidos cabia o pão-trigo obrado à espanhola, como nós ainda hoje dizemos, o azeite, de elevado grau de acidez, porque fundia mais, a carne de toucinho, em grandes peças.
E de tudo isso beneficiavamos nós.
Na sazão, chegavam à Raia carregamentos sobre carregamentos de melocotones, laranjas e pimentos para curtir (não-picantes e picantes), gingas garrafais e miúdas. Também havia mimos subsidiados – torrões e galhetas, gomas e açucares. Ou petiscos, como peixe grosso em escabeche, vindo em dornas, toucinho fumado, azeitonas… Havia cigarros fortes e conhaques.
Prevenindo ou tratando doenças lançavam-se no mercado ceregumiles e vinhos nutritivos de carne. E até se propiciavam a baixo preço visnus para as damas e perfumes para secias e peralvinhos – todos com nomes sonoros como maderas del-Oriente ou diamante negro.
Todos esses artigos de preço político chegavam a Portugal, trazidos pelos que iam usá-los ou mais comumente, por contrabandistas de bufarinha. E foram um elemento importante para o dia a dia, as agruras das más horas e a letificação dos dias santificados.
«O concelho», história e etnografia das terras sabugalenses, por Manuel Leal Freire

O concelho do Sabugal é geograficamente trimorfe, economicamente biforme e historicamente policéfalo.

Manuel Leal Freire - Capeia ArraianaA policefalia resulta do facto de o nosso concelho, na sua actual definição territorial, abranger freguesias que até às ultimas reformas de JOSÉ DA SILVA PASSOS, pertenceram umas aos extintos municípios de SORTELHA, TOURO — a vila do Touro —ALFAIATES e VILAR MAIOR, todas as que já lhe pertenciam, e, ainda, uma, a de CERDEIRA DO COA, do desaparecido termo de CASTELO MENDO.
Como se sabe, com a irrupção do liberalismo e queda do ANTIGO REGIME, MOUSINHO DA SILVEIRA deu início a uma série de reformas marcadamente iconoclastas, porque todas elas tendentes a destruir o passado, cortando com a tradição.
Os seus principais executores receberam ápodos que a História registou e, de algum modo, sintetiza a obra de extinção por eles promovida.
V. g.
JOAQUIM ANTONIO DE AGUIAR — O MATA FRADES
Responsável pelo confisco dos bens da Igreja Católica, o encerramento dos conventos, a expulsão dos religiosos.
BENTO PEREIRA DO CARMO — O RASGA BANDEIRAS
Que decretou o fim das corporações de artes e ofícios, também conhecidas por grémios ou bandeiras e das Santas Casas da Misericórdia, nacionalizando a de Lisboa, que nunca mais recuperou o estatuto de associação de fiéis católicos, transformando-se em ludolândia ou seja em instituto nacional de jogos.
E, para o caso de que agora tratamos, o DEGOLA CONCELHOS que extinguiu cerca de oitocentos concelhos.
Só no distrito da Guarda, acabou com oitenta e seis, reduzindo a catorze os cem preexistentes.
Frise-se que o nome PASSOS JOSÉ serviu para o caracterizar relativamente a seu irmão — PASSOS MANUEL, que teve uma muito meritória acção nos domínios da escolaridade.
De resto, também a reforma administrativa personificada em Passos José foi muito positiva, adequando o número de concelhos a uma nova realidade baseada em vários pressupostos, designadamente na substituição dos caminhos de ferradura pelas novas vias, com o encurtamento dos tempos de viagem.
Já se anuncivam as vias férreas.
E o caminho beirão de São Tiago só não foi aproveitado como novo itinerário por o PADRE PAULO, grande terratenente em Aldeia da Ponte, temer cortes nos seus agros e perversões nos paroquianos.

Um território trimorfe
Consabidamente, é o concelho do Sabugal de grande extensão territorial.
Não tanto, é certo, como o de Odemira, que dizem ser o maior da Península, ou sequer o de Idanha-a-Nova, nossa vizinha porque apenas separadas por terras de Penamacor.
Mais pequenos do que estes dois, é, no entanto superior em área a noventa e oito por cento dos outros municípios.
Além disso, tem a particularidade de abranger três zonas fortemente diferenciadas — uma de montanha, outra de planalto e a terceira com características de cova.
A primeira encosta-se a Espanha e ocupa os contrafortes portugueses das regiões salamantinas de Francia e Gata, do lado de cá chamados genericamente Serra de Malcata, embora com subdenominações interessantes, v g das Mesas, baseado no encontro de quatro bispos — da Guarda, de Pinhel, de Coria e de Cidade Rodrigo — todos lado a lado, mas cada um num banco de pedra incrustado na sua área de jurisdição.
A zona de planalto abrange a parte restante dos antigos concelhos de cima Coa que o do Sabugal presentemente integra.
A zona de cova tem por epicentro o Casteleiro e assume as características que os geógrafos costumam congregar no conceito de TERRA QUENTE DO NORTE.
Até por oposição á anterior tipicamente TERRA FRIA DO NORDESTE.
Quem se achar interessado em aprofundar esta genérica conceptualização, pode fazê-lo através de três autores sabugalenses — todos eles, no entanto, da zona serrana:
o geógrafo CARLOS MARQUES, de Vale de Espinho.
O romancista NUNO DE MONTEMOR, nascido em Quadrasais.
O poliígrafo PINHARANDA GOMES, também quadrasenho.
Este nome ressuma a COA, de CUDA.
E as relações com a montanha, para nós sacralizada vieram para o Cancioneiro.
O lugar de Quadrasais
Ao fundo da terra fica

Ler «Maria Mim», ou até «Crime de um Homem Bom», do segundo, «O Motim do Aguilhão no Sabugal» ou «Práticas de Etnografia», do terceiro, e, sobretudo, «A Bacia Hidrográfica do Coa», do primeiro, para além de um enorme prazer espiritual, ganhará excelências de conhecimento.

Economicamente marcado pelas assimetrias morfológicas nuns casos, noutros pelas influências espanholas, biforme no mínimo, poliforme em boa parte.
Como economia de subsisteêcia, baseada numa quase sempre deficiente exploração agro-pecuária, se terá de classificar a que secularmente se viveu no concelho.
Dos cereais panificáveis só o centeio, semeado por todas as freguesias, em regime de folhas, é que se produzia de modo a cobrir as necessidades locais.
O trigo, afora os barros do Soito, resumia-se a pequenas belgas, que apenas davam para uma pastelaria, singelamente pobre.
A cevada, a aveia, o milho, cultivavam-se sobretudo como forraginosas, poucas dando grão.
Não se usava pão de milho.
O grosso mal chegava para as sementeiras, revertendo o sobrante para as papas, gordas ou doces,consoante a maré.
E o miúdo, por aqui chamado painço, ia para o bico dos pintainhos, amorosamente chocados e desemburrado
A grande cultura era a da batata que cobria todo o agros que dispusesse de alguma àgua para rega e até o sequeiro cuja humidade desse algumas garantias.
Entremeando, espetavam-se feijões que generosamente — muito mais que o cem por um dos evangelhos — pagavam o desvelo.
E nos tornadoiros, cresciam alfaces e beterrabas porqueiras ou agigantavam-se abóboras.
Mas eram as batatas e feijões que asseguram a entrada no orçamento familiar de alguma moeda corrente.
O regadio, para além de cobrir as necessidades de hortícolas, contribuía para o passadio dos gados com carradas de nabos e muitos feixes de ferrã.
O mato, para além de prover o forno e o lar, contribuía pelas ramadas verdes para alimentação de cabras e ovelhas e pela folhagem seca — caruma e ramalhos — para camas e esterqueiras, no que também ajudavam muito os giestais.
Os proprietários de mais geiras podiam ainda extrair mais proventos pela venda de madeira — freixo, carvalho e pinho, sendo de acrescentar que o último, pela sangria de resinagem alguma coisa rendia e mais renderia, se não fora a cupidez das empresas e a manigãncia dos operadores locais.
Algumas manchas florestais da azinheira, por aqui chamada carrasco, permitiam, quando de maior extensão, o porco de montado.
Aliás, mesmo isolada, apanhava-se-lhe a lande bolota ou boletra, dizíamos, para a engorda, no que competia com o roble, segundo o Cancioneiro, árvore de excelência.
Pois,
Não há pau como carvalho
Que dá num ano quatro frutas
Dá a bogalha, o bogalho
Bolotas e maças-cucas

Mas isto, observam os de idade e saber, são tretas, que árvore a sério é o castanheiro.
Para além dos muitos contos de reis vindos para o concelho pela castanha vendida para fora, foi ela que evitou a fome e varreu a tuberculose.
Crua, cozida, em caldo.
Transformada em pão…
E também contribuía para a lírica, até mordaz:

Menina, já que as castanhas
Lhe são tão apreciadas
Por artes ou artimanhas
Vou-lhe dar duas piladas

E se achar poucas as duas
Eu juro por minha fé
Dar-lhe não apenas duas
Mas três, quatro ou mais até…

«O concelho», história e etnografia das terras sabugalenses, por Manuel Leal Freire

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Inicia-se hoje a edição de mais uma coluna assinada pelo escritor raiano Manuel Leal Freire no Capeia Arraiana, designada «O concelho», na qual abordará temas históricos e etnográficos do concelho do Sabugal. Esta rubrica terá edição quinzenal, alternando com a crónica «Terras do Jarmelo» de Fernando Capelo.
Com esta nova crónica, Manuel Leal Freire passa a assinar quatro colunas no «blogue de todos os sabugalenses», a saber: «Poetando» (ao domingo), «O concelho» (à quarta-feira), «Caso da Semana» (à quinta-feira) e «Politique d’Abord – Reflexões de um politólogo (ao sábado).

plb e jcl

JOAQUIM SAPINHO

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