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Em 1807 vivem-se na Europa tempos conturbados, com os exércitos napoleónicos dominando o continente. Só a Inglaterra bate o pé, controlando os mares e mantendo-se fora da dominação e da influência de França.
No trono português não está um rei, mas um príncipe regente. D. João (mais tarde rei D. João VI), segundo filho de D. Maria I, a «rainha louca», toma conta do País e do Império de além-mar em nome da mãe. Não foi educado para ser rei. O irmão mais velho, José, morrera com varíola aos 27 anos, em 1788. Talvez por falta de preparo para a política – apenas ministrado aos príncipes herdeiros – João é um governante titubeante, sem iniciativa nem capacidade de decisão, incapaz de controlar os negócios públicos, vacilante na negociação diplomática, correndo sempre atrás dos acontecimentos.
Para agravar a situação, o príncipe regente é um homem solitário, tímido e muito supersticioso. Não conta com o apoio da mulher, Carlota Joaquina, de quem vive separado, encontrando-se apenas para assistirem às missas dominicais e às cerimónias oficiais em que é forçoso aparecerem juntos. A princesa, uma espanhola severa e muito vigorosa, vive com a rainha tonta no Palácio de Queluz, enquanto D. João se instalou no Paço Real do Convento de Mafra, rodeado de conselheiros e de monges.
A corte portuguesa é frequentada por figuras influentes da sociedade, sobretudo fidalgos carregados de títulos, bispos e embaixadores. Alguns são pessoas galantes, como o marquês de Ponte de Lima, o marquês de Alorna e o conde do Sabugal, este último um homem de cultura, muito influente. Outros são porém figuras grotescas, que se arrastam nos salões, cortejando as damas e influenciando o príncipe.
O mais dos portugueses revolve a terra, nas courelas de sua propriedade ou na imensidão das herdades senhoriais, pouco mais tirando da lavoura que o sustento da família. Mas também há os que vivem dos ofícios, normalmente instalados em vilas e cidades, conhecendo uma melhor existência, sem tantas fadigas, mas sujeitos às mesmas privações. Escasseia o pão e mal se come carne ou peixe. Nas cidades do litoral, com Lisboa na frente, há muito quem viva do comércio.
O resto dos portugueses são monges e freiras das mais diferentes ordens religiosas. Há-os aos milhares, refundidos em mosteiros e em conventos, rezando e penitenciando a toda a hora.
A economia portuguesa sustenta-se no comércio colonial. A frota mercante é grande e poderosa, só ficando atrás das de Inglaterra, França, Espanha e Holanda. As carreiras do Brasil e da India fazem-se com recurso a navios de grande porte que descarregam no porto de Lisboa, um dos mais movimentados da Europa.
O conflito diplomático permanente entre França e Inglaterra e a posição titubeante da nossa diplomacia, manifestamente subserviente a essas duas potências, levara porém ao apresamento de muitos navios e ao decréscimo da actividade comercial, o que também se deve ao demorado bloqueio dos portos do continente aos navios que tivessem por origem ou destino a Inglaterra.
As importações vêm sobretudo do Brasil, com realce para o açúcar, café, tabaco e algodão. Com origem na Europa importa-se sobretudo de Inglaterra, onde avultam os tecidos, trigo, ferro e aço. A Rússia fornece trigo e linho. Da longínqua Índia e de Macau, continuam a chegar as especiarias, louças finas e chás.
Quanto a exportações, elas têm por principal destino alguns países da Europa, com destaque para a Inglaterra, para onde segue sobretudo vinho, sal e frutos, para além das mercadorias chegadas do Brasil e da Ásia. Outro destino importante das exportações é a colónia do Brasil, para onde vão vinhos, bacalhau, tecidos e especiarias. O comércio com o Brasil tem uma importância fulcral na economia.
O mercado negreiro está também em alta, com muitos navios portugueses a transportarem escravos da costa africana para o Brasil, regressando depois a Lisboa carregados com mercadorias.
Com a economia em suspenso devido à disputa permanente entre Inglaterra e França, Portugal tenta soluções de compromisso entre as duas potências, com a diplomacia empenhada em agradar a ambos os lados. Perante as ameaças de Napoleão, o príncipe manda arrestar o património dos ingleses, mas mantém-lhes os portos abertos. O embaixador inglês, em protesto, abandona as instalações da embaixada e sedeia os seus serviços num navio fundeado no Tejo.
A Napoleão nada o acalma e exige acção enérgica contra os ingleses. Portugal tenta ganhar tempo com cartas sucessivas e o envio de emissários. Mas Napoleão nada mais quer escutar e muito menos negociar. Concita Godoy, o valido espanhol, fiel amigo de França, a negociar um acordo que ponha fim às hesitações da corte portuguesa. Assim é assinado a 27 de Outubro de 1807 o tratado de Fontaineblau, pelo qual se divide o território português entre ambas as partes e se definem os termos da invasão do país.
Poucos dias depois o exército de Junot sai de Bayonne, atravessa a Espanha e entra em Portugal de conluio com as tropas espanholas.
Assim se inicia a primeira das invasões francesas de Portugal.
«As invasões francesas de Portugal», por Paulo Leitão Batista
leitaobatista@gmail.com
Antes de se meter a caminho de Portugal Junot instala o seu quartel-general em Bayonne, no sul de França, e aí reúne o Exército de Observação da Gironda, cujo comando o imperador lhe confiou.
A força militar compôs-se à imagem de um corpo de exército, com três divisões de infantaria, uma de cavalaria, outra de artilharia e algumas companhias de engenharia, sapadores e operários, a que se juntavam os carros com bocas de fogo, barris de pólvora e trens de equipagem.
Instalado no comando, Junot aguarda que se lhe reúnam os destacamentos, o imenso material necessário para a campanha e os oficiais superiores que o imperador lhe dispusera.
Não há somente soldados franceses. Há mercenários suíços (dois batalhões), desertores alemães (um batalhão), e também alguns italianos. São porém escassos os soldados experientes na guerra. A maior parte é tropa de linha e há muitos soldados recém-incorporados. Os poucos veteranos estão na 1.ª divisão, comandada por Delaborde, que de resto virá a ser a tropa que resistirá melhor à marcha.
Ainda em Bayonne, todas as noites desertam dezenas de soldados dos vários acampamentos. Nem os aboletamentos compulsivos, que recaem sobre as famílias dos desertores, evitam as sucessivas fugas. Preocupado, Junot implora ao Imperador que mande castigar severamente os trânsfugas: «creio indispensável mandar fuzilar nesta região alguns desertores, a fim de reter os outros».
O exército reúne a custo. Falta fardamento, sobretudo botas e capotes, e o dinheiro não chega para gratificar a tropa antes de sair em campanha, como é uso no exército francês.
Ainda que mal equipadas as colunas colocam-se em movimento sob uma chuva intensa e um frio cortante, que os acompanhará em todo o percurso.
As ordens são claras e o percurso está estabelecido: Junot atravessará Espanha passando por Vitória, Burgos, Valhadolid, Salamanca, Ciudad Rodrigo, de onde avançará para Portugal e marchará sobre Lisboa.
A invasão de Portugal terá o apoio dos espanhóis, tendo em conta o interesse comum. Uma divisão juntar-se-á a Junot junto à fronteira. Outra divisão ocupará o Porto e uma terceira invadirá o Alentejo.
Poucas semanas antes, em 27 de Outubro de 1807, França e Espanha haviam assinado em segredo o Tratado de Fonteinebleau, pelo qual dividiram o reino de Portugal. O acordo estabelecia o direito da tropa francesa transitar em solo espanhol e balizava os termos do envolvimento militar de Espanha na invasão.
Junot, antes de partir de Bayonne, e já com parte do exército a marchar em solo espanhol, escreve ao imperador garantindo-lhe que cumprirá com rigor as determinações. Avançaria a marchas forçadas até à fronteira portuguesa e aí aguardaria a reunião de todo o exército para avançar em força para Lisboa. «Todo o meu exército estará reunido no dia 26 e, supondo que só a 1 de Dezembro ele entrará em Portugal, espero estar em Lisboa a 10».
Já em Vitória, no País Basco espanhol, o general pára por uma noite e reajusta os planos. Como a ordem do Imperador é para atingir Lisboa quanto antes, decide que marchará para Alcântara, local por onde entrará em Portugal, tomando o caminho mais curto e evitando a via da Beira e a praça-forte de Almeida. A linha de orientação é o rio Tejo, cuja margem direita quer seguir até Abrantes, local onde passará para a margem esquerda e seguirá pelas planuras ou usará mesmo o rio para o transporte das tropas. Se o exército português colocar alguma oposição à invasão, os planos estão traçados: «posso mantê-lo em respeito com uma pequena parte das minhas tropas e alguns espanhóis sob o comando de um oficial inteligente enquanto eu marcho com o resto do exército contra o exército português para lhe dar combate e tomar Lisboa, que é o objectivo principal da operação», escreve a Napoleão.
Os franceses sabiam que havia um plano secreto, gizado entre Portugal e Inglaterra, para a fuga da corte portuguesa para o Brasil em caso de invasão, e Junot prefere primeiramente que esse plano se concretize, por ver assim facilitada a sua acção. Seria pouco provável que o exército português se movimentasse e o general livrar-se-ia do embaraço que seria tomar conta do príncipe regente português.
Napoleão, que também estava em campanha, acompanhava as notícias da marcha sobre Lisboa, recebendo vários informes. Junot escrevia-lhe a dar conta de tudo, mas o imperador recebia relatórios paralelos de outros militares, à margem do conhecimento do general em chefe. A certo momento, Napoleão enviou uma missiva a Junot dando-lhe ordens firmes para acelerar a marcha de modo a estar em Alcântara no dia 20 de Novembro e entrar imediatamente em Portugal, sem perdas de tempo, porque a 1 de Dezembro quer Lisboa tomada. Junot assegura-lhe que cumprirá as ordens, mau grado a chuva intensa, a lama e as torrentes que não o deixam por um instante.
«As invasões francesas de Portugal», por Paulo Leitão Batista
leitaobatista@gmail.com
É Novembro de 1807 e o céu parece desabar sobre a terra. Sob chuva intensa, tocada a vento frio e cortante, uma horda de franceses avança a marchas forçadas pelos caminhos e veredas da enorme cadeia de montanhas que se espalham de Ciudad Rodrigo a Alcântara.
A tropa napoleónica entrou em Espanha e atingiu a cidade de Vitória, onde tomou o caminho de Burgos, Valhadolid e Salamanca. O plano da marcha manda avançar até Alcântara para dali entrar em Portugal.
O Exército de Observação da Gironda é composto por 26 mil homens e executa as ordens de Sua Majestade, o Imperador dos Franceses, Rei de Itália e Protector da Confederação do Reno, numa palavra Napoleão, o senhor da Europa Continental.
O general em chefe deste exército que macha veloz é Jean-Andoche Junot, Governador de Paris e Primeiro Ajudante de Campo de Sua Majestade o Imperador e Rei – feroz e corajoso combatente, a quem chamavam «A Tempestade». Merecera as graças do Imperador, que dele fizera embaixador de França em Lisboa e seguidamente tornara responsável pelo recrutamento e instrução militar em Paris. O conhecimento que tinha sobre Portugal pesou na escolha deste cabo-de-guerra para o comando da marcha até Lisboa onde garantiria o bloqueio continental decretado por Napoleão aos navios de e para Inglaterra.
A vaga é composta por três divisões de infantaria, comandadas por outros tantos generais de divisão: Delabord, Loison e Travot. Segue ainda uma divisão de cavalaria, sob o comando do general Kellerman. A artilharia roda igualmente, puxada por machos e bois, dada a falta de cavalos de tiro, e tendo por chefe o general Traviel.
É este o aparatoso exército, que saiu de França e que agora rompe pelas montanhas, espicaçado pelo chefe de estado-maior de Junot, o general Thiébaut, que a todo o custo quer garantir o cumprimento da cronologia da marcha.
Mas a chuva tudo retarda. As ribeiras crescem repentinamente e a lama invade os caminhos. As botas rompem-se e não há pares suficientes para a sua substituição. Cada soldado saíra do campo militar de Bayonne com dois pares de botas na mochila, mas a dureza da marcha faz com que muitos já caminhem descalços, sob o dilúvio, com as fardas encharcadas, pesando como chumbo. Ao cansaço junta-se a fome, a diarreia e o tifo, que derrubam os soldados a cada passo.
Entrados em Portugal, a ordem dos oficiais torna-se mais enérgica, impondo o avanço rápido, sempre em frente, sem parar. Neste ímpeto, cresce o perigo de sucumbir e ficar para trás. Não há camarada que quede para ajudar outro que cai de exaustão ou de fome. Desse se encarregará o campónio, que de navalha em punho o aliviará do pesadelo da existência.
Para os povos por onde o exército passa, o esfaqueamento de um francês caído sem forças ao redor de um caminho é a vingança pelos confiscos e pilhagens. A passagem da horda representa para os aldeões a chegada de uma calamidade.
O exército é composto por dezenas de milhares de bocas esfaimadas que querem ser alimentadas a todo o custo. Não há trem de mantimentos e a tropa fandanga socorre-se ao que encontra no caminho. O transporte das bocas de fogo, da pólvora e das equipagens não deixou espaço para as provisões alimentícias. Os poucos caixões de biscoito há muito que ficaram encalhados nos caminhos.
Por norma os oficiais do exército imperial aboletam-se em solares e palácios e a soldadesca ocupa os conventos e mosteiros que lhe ficam no caminho. Mas no geral dos locais de paragem em Portugal, não há habitações e nem sequer pardieiros, restando aos soldados tomar por cama o chão lamacento, onde nem sequer conseguem acender uma fogueira para lhes aquecer o corpo e secar os capotes.
Não é um exército, mas um formigueiro que avançava pelo carreiro, sujeito à chuva torrencial e ao sopro rijo do vento.
Os camponeses, que tinham guardado as colheitas como provisões para o Inverno, vêem as casas e os celeiros invadidos e rapinados. De nada vale implorar dó e clemência. Tudo acaba vasculhado e roubado, ficando as aldeias reduzidas a nada.
E as vagas não param, todos os dias chegam novas colunas, que passam e rapinam. A disciplina quebrou-se, a formatura está desfeita, a tropa segue em bandos desalinhados. Muitos dos retardatários correm as aldeias em busca de provisões e da satisfação de outras necessidades.
Onde há oficiais diligentes, a ordem é andar sem parar, mas no mais o exército rouba o pão da boca dos camponeses. As casas e as tulhas são reviradas e os animais são mortos, esfolados e esfandegados.
Quando não há aldeias para saquear ou quando a depredação alimentícia não é suficiente para suprir as bocas famintas, os soldados procuram sustentar-se com o que apanham no caminho. Mas é Novembro, e tirante alguma noz ou castanha que escapou ao rebusco dos pobres, nada há no campo. Vale a bolota dos carrascos. Saltando do caminho o soldado abaixa-se e enche os bolsos. Voltando à coluna, retoma a marcha e vai roendo a lande, que o alimenta nas jornadas.
Lá adiante, corre sem parar Junot, sempre acompanhado pelo fiel Delabord e a sua experiente 1ª divisão, deixando para trás um enorme rasto de soldados dispersos e perdidos.
«As invasões francesas de Portugal», por Paulo Leitão Batista
leitaobatista@gmail.com
O filme português «Linhas de Wellington», realizado pela chilena Valeria Sarmiento, é a sugestão cinéfila do Teatro Municipal da Guarda TMG para a próxima terça-feira, dia 30 de Outubro. O filme passa às 21h30 no Pequeno Auditório.
Trata-se de uma reconstituição do ambiente histórico das invasões francesas protagonizada por John Malkovich, IsabelleHuppert, Nuno Lopes e Soraia Chaves. Parte das filmagens desta longa metragem decorreram no distrito da Guarda, mais precisamente em Folgosinho.
Sobre a história, tudo começa em 27 de Setembro de 1810, quando as tropas francesas comandadas pelo marechal Massena, são derrotadas na Serra do Buçaco pelo exército anglo-português do general Wellington. Apesar da vitória, portugueses e ingleses retiram-se a marchas forçadas diante do inimigo, numericamente superior, com o objectivo de o atrair a Torres Vedras, onde Wellington fez construir linhas fortificadas dificilmente transponíveis. Simultaneamente, o comando anglo-português organiza a evacuação de todo o território compreendido entre o campo de batalha e as linhas de Torres Vedras, numa gigantesca operação de terra queimada, que tolhe aos franceses toda a possibilidade de aprovisionamento local. É este o pano de fundo das aventuras de uma plêiade de personagens de todas as condições sociais – soldados e civis; homens, mulheres e crianças; jovens e velhos – arrancados à rotina quotidiana pela guerra e lançados por montes e vales, entre povoações em ruína, florestas calcinadas, culturas devastadas.
Estreia da trilogia de curtas musicadas
A 3 de Novembro, o TMG apresenta em estreia absoluta «Cine-concerto 2 [trilogia de curtas-metragens com música ao vivo]». Três filmes vão ser musicados ao vivo, no Pequeno Auditório, às 21h30: «A Propósito de Nice», de Jean Vigo será musicado por Miguel Cordeiro; «The Blacksmith» de Buster Keaton terá a paisagem sonora de César Prata e «Überfall» de Ernö Metzner será musicado por Luís Rolo. Os três são músicos da Guarda.
Sobre as curtas e os músicos, «A Propósito de Nice» é considerada pelos cinéfilos como uma espécie de «sinfonia de uma cidade», a curta constituiu um marco na história do documentário e catapultou o seu realizador, Jean Vigo para o panteão dos grandes cineastas da primeira metade do século XX. Miguel Cordeiro, é o músico que vai dar som a esta curta. Estudou piano e Jazz no Taller de Música de Barcelona e na escola do Hot Club Portugal. Concluiu em 2011 o mestrado de «composição para cinema e audiovisuais».Actualmente dedica-se à composição de música para imagem.
Já «The Blacksmith» é curta-metragem de excelência artística de Buster Keaton, «o cómico que nunca ri», num exemplo de extraordinária capacidade humorística sem recurso a uma única palavra. Esta curta vai ser musicada por César Prata, o músico dos sete instrumentos e mentor de vários projectos musicais como Chuchurumel, Assobio ou as Canções do Ceguinho. O músico já compôs também para teatro e cinema.
E a finalizar a noite, «Überfall», considerada uma das grandes obras vanguardistas do cinema mudo alemão; um filme de grande poder visual e que será musicado ao vivo por Luís Rolo, músico dado a sonoridades electrónicas que já integrou projectos como Dual Tone (com António Louro), um projecto que misturava a electrónica com o hip-hop.
Noiserv em concerto
Na quarta, dia 31 de Outubro, o projecto Noiserv, de David Santos, volta ao TMG, desta vez ao Pequeno Auditório. O concerto está marcado para as 21h30.
Noiserv tem vindo a afirmar-se como um dos mais criativos e estimulantes, de entre os surgidos em Portugal na última década. O seu percurso tem sido marcado pela criação de peças musicais de um minimalismo capaz de atingir cada individuo na sua intimidade, relembrando-lhe vivências, momentos e memórias intrincadas entre a realidade e o sonho, e por concertos de elevadíssima intensidade, nos quais o público é suspenso a partir de uma teia sonora, criada por um vasto leque de instrumentos inusuais.
Criado em meados de 2005, Noiserv ganhou forma quando David Santos decide gravar algumas ideias numa demo, meses mais tarde esses 3 temas são editados on line, na netlabel Merzbau. Já em 2008 Noiserv edita o seu primeiro longa-duração, “One Hundred Miles from Thoughtlessness”, disco incrivelmente bem recebido pelo público, pela imprensa e crítica, e que actualmente esgotou a sua terceira edição.
Logo a seguir ao concerto de Noiserv o TMG promove no CC uma Noite Mexicana inspirada no Dia de Los Muertos.
Dia de los Muertos [Noite mexicana]
A tradicional festa mexicana dedicada aos defuntos, o «Dia de Los Muertos» serve de pretexto para uma Noite Mexicana no Café Concerto (CC), na próxima quarta-feira, dia 31 de Outubro, logo a seguir ao concerto de Noiserv no Pequeno Auditório do Teatro Municipal da Guarda.
O TMG vai exibir no CC várias curtas-metragens de animação inspiradas no Dia de Los Muertos:
«Viva Calaca 1» de Ritxi Ostáriz, «The Skeleton Dance» de Ub Iwerks, «Hasta los Huesos» de René Castillo, «Viva Calaca 2» de Ritxi Ostáriz e «Skeleton Frolic» de Ub Iwerks. Pela noite dentro haverá preços especiais para as bebidas mexicanas: Mescal, Tequila, Margarita e Cerveja Corona, sempre ao som de música Mexicana. Serão ainda sorteados pelo público presente três vouchers; cada um deles dará acesso a três espectáculos do TMG, a saber: o teatro “Édipo” pela Companhia do Chapitô, o espectáculo transdisciplinar «Pi_add(a)forte» e o concerto da jovem fadista Cuca Roseta.
Tudo boas razões para sair de casa e aproveitar a véspera de feriado no Teatro Municipal da Guarda!
A Música de «Abztraqt Sir Q» no CC
No próximo dia 2 de Novembro (sexta), a Quarta Parede – Associação de Artes Performativas da Covilhã e o TMG apresentam no Café Concerto o espectáculo de música «Abztraqt Sir Q».
«Abztraqt Sir Q» são um grupo de músicos cujos destinos se cruzaram no Extremo Oriente. Auto intitulam-se: «Andy Newman, o baterista pedante. Egon Crippa, o baixista esquivo. Dichma Rahma, a vocalista inconstante. Peter Shuy, o guitarrista neurótico». Fechados no seu próprio mundo, o Xing Palace Place e o seu magnífico jardim, desconstroem canções e deixam-se embalar pela cacofonia. Inventam-se dialectos, reinventa-se a ortografia, subverte-se a fonética, recusam-se as convenções. Não procuram o óbvio mas acabam por encontrá-lo.
O concerto está marcado para as 22h00 e tem entrada livre.
plb (com TMG)
Numa passagem pelo Sabugal, desloquei-me à Casa do Castelo, em que a Dona Natália Bispo, gerente daquele espaço cultural, me deu conhecimento do 2º Ciclo da Cultura Judaica a decorrer na Cidade da Guarda nos dias 19 e 20 de Setembro.
Lançou-me o repto para estar presente, para me inscrever apresentando o respetivo programa. Fixei o olhar na palestra que a própria irá proferir sobre o tema «A Raiz Histórica Judaica em espaço privado, aberto ao público», e na da Dr.ª Maria Antonieta Garcia sobre, «Beira Interior – Peregrinação em torno da Herança Judaica», num programa imensamente vasto com visitas, festas e tradições judaicas e sobre produtos Kosher.
Os assuntos ligados à Cultura Judaica sempre motivaram interesse, principalmente a partir do momento que a minha saudosa Mãe me dizer, que os seus antepassados eram de origem judia da zona de Caria, que se dedicam à venda de carne e peles. Estes negócios tiveram continuidade e mantiveram-se até à morte de António Alves Martinho, um dos últimos talhantes da antiga Praça da Guarda, espaço onde hoje está construído o edifício da Camara Municipal.
Com esta valiosa oferta cultural resolvi ir no dia 20 de Setembro, o dia dedicado a dois painéis temáticos. Cheguei cedo à cidade Egitaniense, ainda os oradores estavam nos últimos retoques às suas intervenções e fazer as suas maquilhagens. A cidade pelo movimento nas ruas ainda estava meio adormecida. Resolvi fazer uma pequena romagem de saudade. Nas escadarias em frente ao Museu da Cidade lá se encontra um quadro de azulejaria de Frei Pedro da Guarda. Desço e passo pelo local onde estava instalado o Café Mondego, hoje casa comercial, onde vi, à porta em 1958, pela primeira vez televisão, uns desenhos animados.
Subi a calçada para o Paço Episcopal, onde não se vislumbra qualquer presença, e passei pelo edifício da Cáritas Diocesana. Verifiquei que mudou de instalações para o Ex-Colégio de S. José. Fiquei perplexo por desconhecer esta nova morada, porque colaboro voluntariamente neste organismo, mas deve ser culpa própria.
Desci para a Sé e admirei, a um canto, a Estátua de D. Sancho I, que deu o primeiro foral a esta cidade, em Novembro de 1199. Encostado às paredes centenárias da Sé, está um vizinho do Rei Povoador, com vestimentas velhas e rotas muito extravagantes, com cabelo e barbas crescidas de alguns anos, com pinces espalhados pelas orelhas, nariz e parte do rosto. No chão tinha diversos sacos de plástico. Abeirei-me e perguntei-lhe se falava português, francês, inglês… Respondeu-me numa língua que não percebi uma sílaba. Ainda numa mímica gestual lhe dei a entender se queria algum alimento para a boca, fazendo gesto negativo.
Subi as escadas da Sé que demorou cento e cinquenta anos a construir. Apesar deste longo período não foram precisos na construção muitos cadernos de encargos, comparados com as permanentes alterações das de hoje. Entrei. Uma dúzia de cristãos madrugadores recitava o terço.
A cidade começava a despertar. Da zona da Judiaria instalada na cidade amuralhada, começaram a aparecer as pessoas. Um polícia em passo cadenciado dirigiu-se para o seu Posto. Passei em frente á Igreja da Misericórdia, mandada construir por D. João V, na sua frontaria tem um nicho de Nossa Senhora, e ouvi o meu nome. Era a Dona Natália Bispo que se aproximava e me cumprimentou. Lá seguimos para o Auditório do Paço da Cultura.
Na hora do almoço regressei ao local onde se situava a antiga Adega Regional, hoje um moderno restaurante. Foi ali que almocei no Verão de 1956, uma dobrada, com o meu pai, na primeira visita à cidade da Guarda, prémio de ter feito exame da 4ª classe no Sabugal. Era ali que encontrava mais tarde quando esperava o transporte para Gouveia ou para a Cerdeira do Coa, o meu tio Manuel Alves Martinho, às vezes com os néctares vinícolas já muito acentuados. Depois de um trabalho duro no Matadouro Municipal, era ali que tinha o seu escritório e um ambiente de afetos, com os muitos amigos. Com a família numerosa, hoje os filhos espalhados pelo mundo, com exceção da filha Maria de Lurdes Alves Martinho, funcionária na União dos Sindicatos da Guarda.
Com o restaurante cheio, sinal que se come bem e barato, aproximou-se um utente que pediu para se sentar na minha mesa. Notei no rosto daquele homem ares de sofrimento. Sentou-se e abriu o seu Livro de Job. Disse-me que é de Videmonte e que nunca teve necessidade de emigrar, mas há uns meses que não trabalha. Não está desempregado. A esposa anda há muito em tratamento oncológico, mas nos últimos meses a situação tem-se degradado, tem piorado. «Tive de deixar de trabalhar para cuidar da minha mulher, porque ela merece este meu sacrifício, ele merece tudo o que eu possa fazer para seu bem», e as lágrimas caem para o prato da sopa que estava a fazer o esforço para comer. Tem dois filhos, mas esses tiveram de partir para França à procura do futuro. Arrepiou-se-me a alma…
Segui para o Auditório no antigo Seminário Episcopal, mas o meu pensamento já lá não estava.
Falaram uns rabinos sobre o Genesis, o Êxodo e sobre os produtos alimentares animais e vegetais, que compõem as refeições. Já sabia que é um assunto muito sério e que merece muita atenção para os responsáveis pela restauração e turismo.
Ainda se falou de turismo judaico, das redes de judiaria, que afinal o Sabugal não está integrado. Um interveniente ainda chamou a atenção para os organizadores destas jornadas irem a Vilar Maior, Sortelha e Vila do Touro para in loco verem e estudarem vestígios da permanência desse Povo. Fiquei com a sensação de que não vão. Espero que me tenha enganado.
À saída para o Fundão passou à minha frente, o tal HOMEM da Sé, que vagueia pelas ruas citadinas vazias de afetos, imigrante de parte incerta, e lembrei-me do ÊXODO, da história da libertação do Povo de Israel, que caminha no deserto a quem Deus enviou o Profeta Moisés, na direção da Terra Prometida. Será que este jovem alcançará a sua liberdade, o Monte Sinai e toque na Arca da Aliança e se abrigue na Tenda da Terra Prometida?
António Alves Fernandes – Aldeia de Joanes
A primeira Capeia Arraiana no Campo Pequeno realizou-se em 4 de Junho de 1978, dia em que os sabugalenses acorreram a Lisboa, enchendo a catedral da tauromaquia nacional para assistirem a um espectáculo popular desconhecido no país.
A ideia de trazer a Capeia Arraiana até Lisboa foi do Francisco Engrácia, de Vila Boa, que a custo convenceu a direcção da Casa do Concelho da exequibilidade da iniciativa. Uma comissão por si coordenada pôs mãos à obra, assumindo a responsabilidade pela organização e aceitando cobrir os prejuízos, se os houvesse, e assumindo que os lucros, se surgissem, reverteriam a favor dos Bombeiros Voluntários do Sabugal, na altura a única corporação do concelho.
«Capeia Arraiana» foi a designação escolhida pelos organizadores para o espectáculo, expressamente justificado: «O nome CAPEIA que demos à tourada no Campo Pequeno resultou de assim serem chamadas as touradas características das aldeias fronteiriças do nosso concelho. O termo caracteriza uma tourada em praça improvisada. Não foi concretamente o caso, mas o facto de termos trazido o FORCÃO conjuntamente com a realização do chamado PASSEIO DOS RAPAZES foi o bastante para que o termo se afigurasse ajustado. Capeia é também em Espanha a tourada realizada nos mesmos moldes que a CAPEIA ARRAIANA.» (jornal Sabugal, nº3, Julho/Agosto de 1978).
A tourada do forcão acresceu ao convívio anual que juntava os sabugalenses residentes em Lisboa e que se vinha realizando desde 1974: «o piquenique». O convívio aconteceu nesse ano de 1978 em 3 de Junho (dia imediatamente anterior ao da Capeia), no Parque do Seminário dos Olivais. Depois do convívio, os sabugalenses dirigiram-se para a sede da Casa do Concelho, onde assistiram a uma sessão de fados que se prolongou pela noite dentro.
Na manhã seguinte, domingo, realizou-se um jogo de futebol, opondo a equipa da Casa do Sabugal à da Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro, que os raianos ganharam por um expressivo sete a zero. Seguiu-se um almoço da sede da associação, que juntou os jovens futebolistas de ambas as equipas a uma delegação dos Bombeiros do Sabugal e aos elementos da direcção da Casa, estando também presente o presidente da Câmara Municipal do Sabugal, o Dr Lopes.
Findo o almoço chegou a hora de ir para a Capeia, no Campo Pequeno, e o percurso fez-se a pé, num vistoso e muito participado cortejo, que partiu da Praça do Areeiro e seguiu pela Avenida João XXI até ao Campo Pequeno.
A tourada com forcão aconteceu sem incidentes e encantou os que encheram a praça. A alegria e o convívio foram vencedores e, no final, feitas as contas, verificou-se um saldo positivo, sendo desde logo lançada a ideia de que no ano seguinte se realizaria nova capeia.
plb
Passam-se hoje, dia 3 de Abril de 2012, duzentos anos sobre a quarta invasão de Portugal pelas tropas napoleónicas e, em simultâneo, 201 anos sobre a importantíssima batalha do Sabugal, que marcou o final da terceira invasão.
É comum falarmos em três invasões de Portugal perpetradas pelos exércitos napoleónicos. Todos conhecemos, aliás, os comandantes franceses dessas três invasões: Junot, Soult e Massena. Porém houve uma quarta invasão de Portugal, comandada pelo marechal Marmont, que poucos conhecem e que a história, por regra, omite.
Alguns autores consideram porém ousado chamar-lhe «invasão», pois tratou-se sobretudo de uma incursão ou sortida do exército francês em território português, ou ainda, usando a linguagem táctico-militar, de uma «manobra de diversão».
Marmont substituiu Massena
Após a batalha do Sabugal, ocorrida em 3 de Abril de 1811, o exército francês retirou para Espanha. Face ao fracasso da terceira invasão, Massena caiu no desfavor de Napoleão, que lhe retirou o comando do Exército de Portugal, substituindo-o por August Marmont, um marechal de 36 anos que detinha o título de Duque de Ragusa. Oriundo de famílias nobres, o jovem marechal não detinha o prestígio de Massena, mas gozava dos favores de Napoleão que o considerava um comandante com elevados méritos.
A prioridade de Marmont foi reorganizar o Exército de Portugal, que o imperador mantinha com o fim de realizar uma nova expedição em Portugal para expulsar os ingleses da Península, «atirando-os para o mar». A expedição deveria contudo aguardar pelo momento oportuno, sendo intenção de Bonaparte vir ele mesmo à Península para a comandar.
A primeira missão que lhe foi atribuída foi juntar-se ao Exército do Sul, chefiado pelo marechal Soult, tendo em vista salvar a praça de Badajoz, que fora cercada pelo exército anglo-português. A simples união dos dois exércitos franceses, que actuaram coordenados na linha do Guadiana, fez desmobilizar Lord Wellington, que levantou o cerco a Badajoz, recuando para Elvas e Campo Maior.
Os dois marechais franceses (Soult e Marmont) pensaram perseguir o exército anglo-luso e enfrentá-lo, lançando uma nova ofensiva em Portugal, que facilmente chegaria a Lisboa atravessando as planícies do Alentejo. Contudo, não havendo para isso ordens formais de Bonaparte, o movimento não foi executado. A ordem vinda do imperador foi antes a da separação dos dois exércitos, devendo Marmont subir para o vale do Tejo e Soult descer para sul, retomando as posições anteriores.
A acção de Wellington em Portugal
Arthur Welleslay, visconde de Wellington, que comandava o exército aliado, era um homem prudente e atempado. Media cuidadosamente cada uma das suas acções, avançando sempre com segurança, não sendo nada propenso a aventuras e a ousadias. Vencendo a batalha do Sabugal, correu os franceses para Espanha, repelindo-os de novo em Fuentes de Oñoro quando tentaram regressar, mas nem de uma e de outra vez os perseguiu por Espanha adentro.
A sua prioridade era salvaguardar as fronteiras de Portugal, livrando-as do perigo de uma nova invasão. O plano que gizou impunha a conquista de duas praças-fortes espanholas que haviam caído nas mãos dos franceses: Ciudad Rodrigo e Badajoz. Começou por esta última, levando o seu exército para o Alentejo, onde contava operar com mais segurança e com maiores probabilidades de sucesso. Repelida a tentativa de tomar Badajoz, parte de novo para a Riba-Côa, instalando-se na Freineda no verão de 1811.
Foi aí que planeou, em grande secretismo, o cerco a Ciudad Rodrigo. Reconstruiu a fortaleza de Almeida, e apetrechou-a com artilharia pesada e material de cerco. A 1 de Janeiro de 1812, em pleno Inverno, com um exército de 35 mil homens e munido do trem de artilharia que estava em Almeida, irrompeu de encontro à fortaleza espanhola, que foi bloqueada, cercada e bombardeada, sendo tomada a 19 de Janeiro, numa acção que custou a vida ao lendário general Craufurd, comandante da Divisão Ligeira.
Tomada Ciudad Rodrigo, Wellington encaminhou-se imediatamente para sul e pôs cerco a Badajoz, deixando a fronteira de Riba-Côa sob a vigilância das milícias.
O susto de Napoleão Bonaparte
A queda de Ciudad Rodrigo e a imediata ofensiva sobre Badajoz por parte do exército aliado, causaram o enfurecimento do imperador dos franceses, que anteviu uma forte ofensiva de Wellington em direcção a Madrid em acto contínuo à mais que provável tomada da praça do sul. Assustado com essa possibilidade, Bonaparte ordena a Soult que se encaminhe para Badajoz, a fim de socorrer a cidade, ao mesmo tempo que instruiu Marmont a fazer uma «manobra de diversão», através de uma forte ofensiva em Portugal, na Beira Baixa, de modo a atrair Wellington e assim salvar Badajoz e desviar o exército aliado do caminho da capital espanhola.
Marmont reuniu junto ao rio Tormes, nas imediações de Salamanca, 18 mil homens, um pouco menos de metade do Exército de Portugal, que estava espalhado pelas províncias sob a sua jurisdição, e avançou em direcção à fronteira portuguesa. Não levava artilharia pesada, pois tratava de cumprir à risca as ordens do imperador, que pretendia uma manobra rápida, se bem que ostensiva, sobre o território português. Passando junto a Ciudad Rodrigo a guarnição espanhola, que Wellington ali deixara, ainda temeu que o objectivo dos franceses fosse atacá-la ou bloqueá-la, mas a tropa passou e andou a toda a pressa, seguindo no caminho de Portugal.
Marmont invade Portugal
A 3 de Abril de 1812, exactamente um ano após a batalha do Sabugal, os franceses reentram em Portugal, tentando tomar Almeida de assalto, no que foram repelidos pela milícia portuguesa que guarnecia a praça. Marmont avançou então para norte, passando por Alfaiates e chegando ao Sabugal, onde a 8 de Abril estabeleceu o seu quartel-general.
A partir do Sabugal, onde ficou instalado, o marechal enviou sortidas a Penamacor, Belmonte, Idanha-a-Nova, Covilhã e Fundão, chegando a sua vanguarda a Castelo Branco.
Entretanto o exército aliado tomou Badajoz aos franceses a 7 de Abril, numa violenta e dura batalha, extremamente cara para ambos os lados. Wellington, tomando conhecimento da movimentação francesa em Portugal, decidiu não dar descanso aos seus soldados e subiu com todo o seu exército para norte, em marchas forçadas, em socorro da Beira.
Face ao avanço dos aliados, as tropas de Marmont abandonaram as suas posições, recuando para evitar o confronto com o exército luso-britânico. No caminho da retirada, Medelim e Pedrógão de S. Pedro foram saqueadas e literalmente destruídas pelas tropas invasoras.
O exército aliado continuou a sua marcha apressada, em perseguição a Marmont, porém este levantou o seu acampamento no Sabugal e regressou a Espanha a 24 de Abril, sem que a vanguarda aliada o tivesse avistado.
Após mais de 250 quilómetros, sem conseguir ver o inimigo, que recuava com avanço, Wellington decidiu parar em Alfaiates, onde deu merecido descanso às tropas.
O malogrado plano de Trant
Houve nesta incursão francesa um aspecto curioso, que merece uma referência.
Instalado na cidade da Guarda, o brigadeiro Trant, oficial britânico que chefiava a milícia portuguesa que ajudara o governador de Almeida, La Masurier, na defesa da fortaleza, verificando que os franceses tinham acampado no Sabugal, elaborou um ousado plano para o atacar de surpresa. Comunicou com o brigadeiro Wilson e com o general Bacelar, que igualmente comandavam milícias, e pediu-lhes para se reunirem a si na Guarda, a fim de executarem juntos o movimento de ataque aos franceses. Marmont, apercebendo-se porém da concentração das milícias, antecipou-se aos planos de Trant e enviou à Guarda uma sortida de cavalaria. O brigadeiro inglês retirou à pressa, indo instalar-se para lá do Mondego, mas na manhã do dia 14 de Abril a cavalaria francesa atacou o batalhão português que cobria a retirada, que foi rapidamente desbaratado, fazendo 200 prisioneiros.
Trant escrevera ao comandante-chefe dando-lhe conta da retirada precipitada e do fracasso do plano de ataque ao quartel-general de Marmont no Sabugal. A 17 de Abril, Lord Wellington respondeu-lhe de Castelo Branco , censurando-o vivamente por se ter posicionado na Guarda, que considerava ser «a mais traiçoeira posição militar em Portugal», por não oferecer condições de retirada, louvando-o contudo por ter dado disso conta a tempo de salvar o grosso da milícia.
As atrocidades da quarta invasão
Esta fugaz invasão de Portugal, que teve o epicentro no Sabugal, e que durou apenas 20 dias, deixou um tremendo rasto de violência e de destruição nas terras por onde passou. Nunca uma movimentação das tropas napoleónicas pelas nossas terras raianas fora tão violenta e excessiva como o foi esta incursão fugaz.
A ofensiva ocorreu no início da Primavera de 1812, um ano após a última passagem de tropas francesas e quando os habitantes refaziam as suas vidas. Wellington estivera largos meses na Freineda, e percorrera as terras da Raia, incentivando os habitantes a reconstruírem as suas casas, os moinhos e os fornos que foram arrasados por ocasião da terceira invasão. A sua presença criou uma sensação de segurança e os populares refizeram o seu quotidiano, recompondo as habitações, voltando a criar gado e preparando as sementeiras.
A sortida de Marmont apanhou-os de surpresa, vendo num ápice as terras de novo invadidas pelas hordas francesas, que a todo o custo procuraram meios de subsistência. Voltaram os saques e os abuso de toda a ordem, dentre os quais os actos de vingança perpetrados pelos mesmos soldados que há um ano ali haviam passado em retirada.
O cenário nas aldeias onde passou esta incursão era de pura destruição, com casas pilhadas e queimadas, igrejas espoliadas e profanadas e o gado abatido e esquartejado para servir de alimento aos soldados.
William Warre, jovem major britânico ao serviço do exército português, que veio com Wellington na perseguição aos invasores, escreveu uma carta à família a partir da aldeia da Nave, onde pernoitou:
«Meu querido pai,
É impossível dar-vos uma ideia da desgraça existente em todas as vilas por onde o inimigo passou, pois destruíram tudo aquilo que não puderam levar. Na minha presente habitação, o chão foi feito em pedaços e as janelas, portas e mobílias incendiadas, só escapando a arca e a cadeira que estou usando, que parecem ter desafiado as chamas. A fome e a penúria dos infelizes camponeses que nos cercam por toda a parte, e a caridade que fomos fazendo a alguns, já esgotou completamente os nossos meios. O dinheiro tem pouca utilidade onde nada pode ser comprado. Toda a forragem para os cavalos foi, nos dois últimos dias, aquela que conseguimos cortar nos campos, embora nem estes tenham escapado à rapacidade do inimigo.(…).
Nava (sic), na estrada entre Sabugal e Alfaiates, 24 de Abril de 1812.»
Uma invasão quase desconhecida, mas que deixou marcas profundas na nossa região e que, por isso, não devemos deixar apagar da memória histórica.
Paulo Leitão Batista
Esta quarta-feira, dia 8 de Fevereiro, pelas 15 horas, vai ser apresentado no Sabugal, na Casa do Castelo, um projecto designado Sepharad Lands, o qual pretende desenvolver uma rede de promoção e apoio ao turismo cultural, com especial enfoque no património judaico sefardita.
O projecto Sepharad Lands, foi concebido para apoiar os empresários da região do Sabugal que têm actividade ligada ao sector turístico, garantindo-lhes o acompanhamento e a prestação de serviços de informação cultural, histórica e patrimonial aos visitantes, bem como transporte e estadias organizadas.
Segundo o comunicado hoje divulgado pela equipa que elaborou o projecto, o mesmo «surge da percepção que os operadores turísticos têm da necessidade de promover o estudo, preservação e promoção do património Sefardita da região como uma mais valia em termos de projecção turística».
A recente formação da Rede de Judiarias de Portugal, que reúne os municípios com património histórico judaico, foi a «janela de oportunidade para a promoção da região beirã junto de um mercado internacional específico que tem grande apetência por conhecer as suas raízes na Península Ibérica».
A necessidade de um tratamento e acompanhamento qualificado, trouxe à luz a ideia de se avançar na concepção de um projecto que envolveu o estabelecimento de parcerias «em torno de uma marca comum que tem a designação de Sepharad Lands».
«Os mercados alvo desta iniciativa são os mercados internacionais, com enfoque especial nos mercados da América do Norte, Estados Unidos e Canadá, nos países do Norte da Europa, da Europa de Leste e no Estado de Israel», refere o comunicado enviado à imprensa.
Trata-se de uma iniciativa de alguns empresários do Sabugal, estando porém aberta, segundo os promotores, «à integração de mais empresas da região que se queiram associar e participar no objectivo de proporcionar aos visitantes uma estadia de qualidade respeitando as suas crenças e hábitos».
A conjuntura de crise económica que o país e a região atravessam torna esta proposta aliciante por proporcionar condições para «um aumento de visitantes com o consequente incremento de potencial económico»
Os contactos do Sepharad Lands são: 00351 271 754 169 e 00351 962 408 648 (telefones) e sepharadlands@gmail.com (email).
O projecto pode ser visitado aqui.
plb
«As comemorações dos 200 anos das Invasões Francesas e a importância da região raiana nas movimentações militares» foram eleitas pelo Capeia Arraiana como o Acontecimento do Ano.

As cerimónias oficiais da evocação da Batalha do Sabugal no sítio do Gravato tiveram início no dia 2 de Abril de 2011 no Auditório Municipal do Sabugal.
O professor Adérito Tavares abriu «as hostilidades» explicando (como só ele é capaz) o «expansionismo napoleónico na Península Ibérica: o princípio e o fim». Já no dia anterior, sexta-feira, no mesmo local, uma plateia repleta de alunos das Escolas do Sabugal tiveram oportunidade de aprender com o ilustre historiador natural de Aldeia do Bispo. Seguiu-se o lançamento dos livros «A Batalha do Gravato – Narrativas do famigerado combate do Sabugal» da autoria de Manuel Morgado e Marcos Osório e de «Sabugal e as Invasões Francesas» de Manuel Francisco Veiga Gouveia Mourão, Joaquim Tenreira Martins e Paulo Leitão Batista. O prefácio e a apresentação do livro escrito a «três mãos» esteve a cargo do filósofo e pensador sabugalense mestre Jesué Pinharanda Gomes.
No sábado, dia 2 de Abril, pelas 14 horas, teve lugar a inauguração da exposição, designada «A defesa da Fronteira da Beira», no Museu Municipal do Sabugal. No Auditório Municipal, decorreu o lançamento de dois livros dedicados às invasões. O primeiro, intitulado «A Batalha do Gravato – Narrativas do Famigerado Combate do Sabugal», da autoria de Manuel Morgado e Marcos Osório e o segundo, intitulado «Sabugal e as Invasões Francesas», sendo seus autores Manuel Francisco Veiga Gouveia Mourão, Joaquim Tenreira Martins e Paulo Leitão Batista, e foi apresentado pelo escritor e pensador sabugalense Jesué Pinharanda Gomes. No prefácio da obra o ilustre filósofo diz-nos: «A aventura ou gesta relativa às invasões, focalizando o caso específico do Sabugal, encontra-se reconstruída e descrita neste livro, cujo epílogo põe a nossos olhos o fim, sem remissão, do General Massena, incapaz de satisfazer o projecto do Imperador, e dessa atroz figura do «Maneta», o famigerado Loison. Tudo com o fim na Batalha do Sabugal, junto ao Coa, em 3 de Abril de 1811. Fim militar, ou politico-militar, porque a outra «invasão», a ideológica, a da recepção dos ideários da Revolução Francesa (frutificante entre nós a partir de uns dez anos mais tarde, 1820), achou na presença militar franco-inglesa, oportuna sementeira.»
O livro, editado pela Orfeu, tem três autores, o que proporciona perspectivas diferentes do que foi o Sabugal no contexto das invasões napoleónicas.
Manuel Francisco Veiga Gouveia Mourão descreve em pormenor a Batalha do Sabugal, acontecida em 3 de Abril de 1811. Explica as movimentações de retirada do exército de Massena, descreve o local onde se deu a batalha e as forças em presença, decifra os planos de Wellington para o confronto e a forma como realmente a batalha ocorreu. Os textos são complementados por croquis muito elucidativos, onde se observam os movimentos planeados e as manobras que foram de facto executadas.
Joaquim Tenreira Martins escreve sobre o Sabugal no tempo de Napoleão. Explicita o contexto histórico em que aconteceram as invasões francesas, com destaque para a terceira, que foi a que mais afectou a região do Sabugal. Desenvolve uma sugestiva e interessante tese acerca das duas «tentações» de Massena em diferentes momentos do movimento de retirada. Descreve o contexto em que aconteceu a Batalha do Sabugal e pormenoriza os planos e os movimentos das tropas que se digladiaram depois em Fuentes de Oñoro.
Paulo Leitão Batista traça alguns retratos do que foram as movimentações militares, os combates e os actos colaterais, tendo por cenário Riba-Côa e em especial as terras raianas do Sabugal. Descreve episódios pouco conhecidos e traça o perfil de alguns dos famosos generais que por aqui passaram em campanha.
Ainda no auditório teve lugar um Encontro Temático dedicado às invasões com as comunicações a cargo de Adérito Tavares: «O expansionismo napoleónico na Península Ibérica: o princípio do fim»; Joaquim Tenreira Martins: «Sabugal e as tentações de Massena na terceira Invasão Francesa»; José Alexandre Sousa: «Condicionalismos humanos e naturais numa acção militar – o combate do Sabugal a 3 de Abril de 1811»; Paulo Leitão Batista: «O Sabugal e a quarta Invasão Francesa»; e José Paulo Ribeiro Berger: «A importância da ponte sobre o rio Côa no Sabugal para o êxito do exército aliado na perseguição a Massena».
Às 21 horas um concerto pelo Ensemble da Orquestra Sinfónica do Exército encerrou as cerimónias desse dia.
No domingo, dia 3, os sinos das igrejas do Sabugal repicaram às 9:30 horas, seguido da inauguração de um memorial no sítio do Gravato, com presença militar.
Às 11 horas foi inaugurado um monumento evocativo da Batalha na rotunda de entrada no Sabugal, da autoria do escultor Augusto Tomás, seguida de cerimónia de homenagem aos mortos e evocação histórica pelo Tenente-Coronel Urze Pires.
Às 12 horas foi celebrada missa pelos mortos em combate. À tarde decorreu no castelo uma recriação das comemorações da vitória.
Assim é com todo o mérito que destacamos as comemorações do bicentenário da batalha do Gravato como o Acontecimento do Ano.
jcl
Realizou-se no dia 26 de Dezembro, na Casa do Castelo, uma tertúlia que teve por objectivo pensar o desenvolvimento do Sabugal com base no turismo cultural.
Com a recente adesão do Sabugal à Rede de Judiarias, uma nova oportunidade se abriu em termos de turismo cultural – este foi o mote para a tertúlia que juntou empresários do concelho cuja actividade se insere neste sector económico.
Depois de expostas as razões que motivaram esta iniciativa, iniciou-se uma discussão aberta onde surgiram várias ideias, entre as quais a de lançamento de um movimento de iniciativa empresarial local. Os presentes concluíram, que esta é uma oportunidade para lançar o concelho do Sabugal no mercado internacional, tendo por base a promoção do imenso património histórico e arquitectonico judaico existente no concelho.
Foram várias as ideias que surgiram, sendo de realçar a forte convicção de que se queremos enfrentar a crise em que vivemos e criar novas oportunidades de negócio. Sendo necessário um espírito de cooperação, felizmente os presentes reconheceram que nas presentes circunstâncias não existe concorrência entre eles mas sim complementariedade, sendo reconhecido pelos presentes que o trabalho em grupo pode trazer vantagens para todos.
O grupo de empresários presente, pode garantir estadia a mais de 200 pessoas em simultâneo, lugares em restaurantes superior a este número, guias turísticos com conhecimento do património e história, rotas de carácter cultural que podem ocupar turistas durante mais de cinco dias e qualidade de prestação de serviços que se pode equiparar ao que de melhor se faz no mundo.
Esperamos em breve contar com a aderência a este grupo de algumas empresas que virão, sem dúvida, colmatar algumas lacunas em termos de prestação completa de serviços aos turistas que nos visitem.
No final foi reconhecido unanimemente que temos um bom ponto de partida para estabelecer parcerias e colaborações entre os presentes, que em breve serão formalizadas e estrategicamente efectuadas.
Assim se deu início a uma dinâmica que se deseja que no futuro venha estimular o desenvolvimento do nosso concelho.
Kim Tomé
Após a batalha do Sabugal, em 3 de Abril de 1811, o exército francês retirou para Espanha. Contudo Napoleão Bonaparte não desistira de submeter Portugal, continuando à espera de uma oportunidade, de que foi exemplo a perseguição ao exército anglo-luso que culminaria no combate de Aldeia da Ponte, acontecido em 27 de Setembro de 1811, há precisamente 200 anos.
Face ao fracasso da terceira invasão, Massena caiu no desfavor de Napoleão, que lhe retirou o comando do Exército de Portugal, entregando-o a August Marmont, um jovem marechal de 36 anos, que detinha o título de Duque de Ragusa. Oriundo de famílias nobres, coisa pouco comum entre a oficialidade francesa, Marmont não tinha o prestígio de Massena, mas o Imperador considerava-o um comandante talentoso e muito promissor.
Marmont começou por instalar o seu exército junto a Salamanca, para lhe dar descanso pois estava fortemente desgastado com a campanha em Portugal e a recente investida sobre Fuentes de Oñoro, nos dias 3 e 4 de Maio, que fora repelida pelos aliados. Extinguiu os corpos e reorganizou as divisões e as brigadas, mudando alguns comandantes, ao mesmo tempo que procurou arranjar subsistências, lançando no terreno destacamentos de forrageadores e constituindo depósitos de víveres e de armamento. Sabia que Napoleão queria reentrar em Portugal e assim tratava de colocar o exército pronto para a missão. A ideia de que o próprio Imperador viria em pessoa comandar a expedição vitoriosa, animava-o a prosseguir os preparativos para esse grande momento de glória.
Porém Bonaparte deu-lhe ordem para ir para sul, em socorro do marechal Soult, que tentava salvar a praça de Badajoz do cerco a que fora sujeita pelo exército anglo-português, comandado pelo duque de Wellington. A 6 de Junho o Exército de Portugal colocou-se em movimento e no dia 18 Marmont juntou-se a Soult. A simples união dos dois exércitos franceses, fez desistir Lord Wellington, que levantou o cerco a Badajoz, recuando para Elvas e Campo Maior.
Os dois marechais (Soult e Marmont) pensaram perseguir o exército anglo-luso, lançando uma nova ofensiva em Portugal, que facilmente chegaria a Lisboa atravessando as planícies do Alentejo. Contudo, as ordens formais de Bonaparte, que tudo comandava desde Paris, foram para que Marmont subisse para o vale do Tejo e Soult descesse para sul, retomando as posições anteriores.
Wellington, face ao fracasso da tentativa de tomada de Badajoz, decidiu partir com a maior parte do seu exército para Riba-Côa, a fim de tomar Ciudad Rodrigo, que igualmente permanecia nas mãos dos franceses. A partir da Freineda, onde instalou o quartel-general, enviou uma boa parte das suas tropas por Espanha adentro, até perto de Ciudad Rodrigo, para bloquear a praça-forte.
Em 23 de Setembro, o marechal Marmont, após reunir o grosso do seu exército, resolve desalojar os aliados das suas posições, atacando-os. Nos dias seguintes, os aliados, não aguentando as cargas sucessivas dos franceses, recuaram de posição em posição, usando a tácita de retirada por escalões, e aproximaram-se da fronteira.
A 27 de Setembro, já com o exército anglo-luso em Portugal, Marmont decide lançar um forte ataque à povoação de Aldeia da Ponte, onde uma boa parte dos aliados se haviam instalado. Coube aos generais Thiebault e Souham comandar as investidas, que encontraram nos portugueses e ingleses firme e determinada resistência. Porém ao final do dia, após uma renhida disputa, com dezenas de baixas de ambos os lados, os aliados abandonam a aldeia, que foi tomada pelos franceses.
No dia seguinte, 28 de Setembro, a tropa anglo-lusa ocupava firmemente as alturas do Soito, com a direita nos Fóios e a esquerda em Rendo, em posição de evitar a continuação da progressão. Nesse mesmo dia os Franceses, considerando arriscada uma nova manobra de ataque, decidem retirar para tomar posições que evitassem uma nova aproximação a Ciudad Rodrigo.
Veja Aqui a descrição do Combate de Aldeia da Ponte, da autoria de Manuel Peres Sanches.
Paulo Leitão Batista
Depois da enumeração e breve caracterização de quem usou o título de Conde do Sabugal, vale a pena divagar um pouco mais acerca da vida do chamado 5.º Conde do Sabugal, Manuel Assis Mascarenhas Castello Branco da Costa Lencastre, nascido a 18 de Julho de 1778, que foi de todos os titulares do cargo o que granjeou maior prestígio.
Foi também conde de Óbidos, alcaide-mor de Óbidos e de Salir, Senhor de Palma, Meirinho-Mor e Par do reino, mas era sobretudo conhecido por «Conde do Sabugal».
Recebeu uma educação esmerada, e conhecia perfeitamente as línguas francesa e italiana. Traduziu várias composições poéticas e compôs versos originais em francês, italiano e português, mas não imprimiu nunca os seus trabalhos literários.
Em 1804 e 1805 frequentou a casa da poetisa Marquesa de Alorna, onde o jovem conde era muito bem recebido, não só pelo seu talento e conhecimentos literários, mas também pelas suas anedotas e epigramas. Esses epigramas, porém, não agradavam ao governo, que além do mais o acusou de ter entrado numa tramóia com a rainha D. Carlota Joaquina, ao ajudá-la a redigir um decreto a proclamá-la regente do reino. Assim o conde, que era oficial do exército, recebeu ordem de ir inspeccionar as fortalezas do Algarve, e de prolongar a inspecção até lhe dizerem de Lisboa que podia regressar. Era um desterro disfarçado, que seria apenas o primeiro da sua vida.
Com a invasão francesa, o general Junot criou a Legião Lusitana, onde o conde serviu como tenente-coronel, combatendo brilhantemente na Áustria, em 1809. Em reconhecimento do seu mérito, foi condecorado pelo Imperador com a Legião de Honra de França, cuja insígnia lhe colocou por mão própria no campo de batalha.
Enviado depois em campanha para a Península Ibérica, evadiu-se do exército francês e voltou a Portugal onde foi mal recebido e enviado para a Ilha Terceira, nos Açores, onde permaneceu impedido de regressar ao continente. Com a revolução de 1820, arriscou voltar, mas foi de imediato intimado a deixar o reino.
Deu-se bem com o regime liberal de 1826, sendo mesmo eleito par do reino. Em 1828 partiu de novo para o exílio em Inglaterra, recusando aceitar o domínio de D. Miguel. Abraçando com empenho a causa liberal, coube-lhe em missão presidir, em 1829, à deputação encarregada pelo Marquês de Palmela de ir ao Rio de Janeiro fazer ver a D. Pedro os prejuízos que poderiam advir para a sua causa se o Brasil não tomasse a defesa dos direitos de sua filha, D. Maria, como legítima soberana de Portugal. A sua missão não teria inicialmente sucesso, mas em meados de 1830 o conde foi acreditado junto do governo brasileiro como representante da regência portuguesa fixada na Ilha Terceira.
Foi nomeado pelo governo de D. Maria II ministro de Portugal junto da Corte do Brasil, de onde regressaria doente em 1834. As enfermidades não lhe permitiram um serviço activo e conservou-se praticamente alheio à política, passando a viver em ameno convívio com os homens de letras, que prezava e que o prezavam. Faleceu em 5 de Fevereiro de 1839.
Paulo Leitão Batista
O Sabugal e as Invasões Francesas anda agora de terra em terra. Depois de ter estado no Auditório Municipal do Sabugal, a quando das comemorações da Batalha do Sabugal, no dia 2 de Abril, passou pela Casa do Concelho do Sabugal, em Lisboa, no dia 19 Maio, onde estiveram os três autores e, no dia 31 de Maio, foi apresentado na Livraria Orfeu, em Bruxelas.
Para a apresentação deste livro, a Orfeu, na pessoa do seu director, Dr. Joaquim Pinto da Silva, escolheu duas altas personalidades que vivem em Bruxelas: o General Artur Pina Monteiro e o cientista, bem conhecido do povo português, o Professor Fernando Carvalho Rodrigues.
Tanto um como o outro se entusiasmaram pela leitura deste livro, reconhecendo o seu valor no domínio da história militar e sobretudo afirmando que vem preencher uma lacuna nestas disciplinas, tanto mais que os três autores apresentam três sensibilidades da mesma realidade, o que é raro e altamente enriquecedor.
Esteve presente apenas um dos co-autores – o Joaquim Tenreira Martins – que vive em Bruxelas, o qual se sentiu deveras honrado com as palavras elogiosas (reencaminha-as também para os outros escritores) que foram ditas a propósito desta obra escrita a três mãos.
Caso quase inédito no lançamento de um livro foi o facto de ter sido apresentado por duas eminentes personalidades que conhecem muito bem o Sabugal, o tema das invasões francesas e a importância estratégica que representava nessa altura o rio Côa.
Após a apresentação, Joaquim Tenreira Martins quis transmitir ao público aquilo que normalmente não se sabe quando se lê um livro, isto é, a história do seu nascimento ou aquilo que motivou a sua feitura.
«Se me permitem, gostaria de vos dar algumas informações sobre as razões desta aventura e sobretudo acerca da maneira como é que três pessoas, três autores, sem se conhecerem, e podem acreditar que foi mesmo assim, sem se conhecerem, e ainda por cima, longe uns dos outros, como é que puderam escrever este livro?
Através das várias leituras sobre este período das invasões francesas, um dia descobri que a batalha do Sabugal, Sabugal’s Battle, como dizem os ingleses, tinha sido a última batalha travada em território português. Foi com esta batalha que os portugueses e os ingleses enxotaram de uma vez para sempre os franceses do nosso país.
E eu comecei a escrever sobre este tempo nos jornais da região – o Cinco Quinas, A Guarda e outros.
À medida que ia lendo e escrevendo começava a ter ideia que as terras de Ribacoa tinham sido palco de batalhas, combates, escaramuças e de encontros guerreiros, de que ainda quase ninguém tinha falado. Sobre Almeida, Buçaco, Torres Vedras já muito se tinha escrito, mas sobre o Sabugal, quase nada.
Lembro-me que esta preocupação era partilhada também por um dos autores do Livro – o Paulo Leitao Batista – que nessa altura ainda não conhecia – e ia lendo também os seus artigos que inseria no blogue Capeia Arraiana. Aquele que mais me alertou foi o que escreveu há uns três anos, intitulado: falta comemorar a batalha do Sabugal, indignando-se por nem sequer haver um monumento a assinalar a última batalha que ali se tinha travado havia quase 200 anos.
Para mim foi quase um apelo. Já tinha muita coisa escrita sobre as batalhas travadas naquela região e um dia ao dar uma conferência nos Fóios, que tinha por título as batalhas de Ribacoa na 3ª invasão francesa, os meus colegas e amigos escritores do concelho de Sabugal abriram os olhos, ou como diria o autor do prefácio deste livro – o J. Pinharanda Gomes – ficaram arrelampados, ao tomarem conhecimento destes acontecimentos ocorridos tão perto de nós, realidade desconhecida ou esquecida durante várias gerações.
Pesava-me na consciência ver aproximar-se a data do bicentenário e não celebrar a memória deste tão importante acontecimento. Contactada a Câmara parecia não haver vontade de nada, apesar de se saber que o exército tinha verbas para este género de acontecimentos.
A certa altura já não havia tempo a perder. E aquela ideia que deve ser sempre o estado, as câmaras a fazerem tudo, poderia também ser substituída por uma iniciativa cívica de cidadãos que, venha o que vier, poderiam contribuir com aquilo que têm e de que são capazes, a fim de celebrarem tão importantes acontecimentos.
Lembro-me que acordei um dia, precisamente no dia 17 de Janeiro de 2011 e tive vontade de enviar um mail ao Coronel Manuel Mourão, também co-autor, que conhecia apenas através das leituras que fazia dos seus bons artigos na Wikipédia, e a quem enviava de vez em quando também os meus escritos para corrigir, dada a minha deficiência em organização militar. Nesse mail convidava-o a escrevermos um livro, que era possível que tivesse de ser pago por nós, sobre a Batalha do Sabugal. Ele tinha precisamente um artigo na Wikipédia sobre a Batalha do Sabugal, e remodelando-o e aprofundando-o um pouco, poderia trazer ao livro a descrição da parte técnica da batalha. Respondeu-me logo a dizer que sim, mas que não queria gastar dinheiro. Já tinha o seu acordo, já não estava mal. Telefonei no dia seguinte ao Paulo Leitão Batista encorajando-o para a mesma tarefa, pois com aquilo que já tinha escrito sobre as invasões francesas no blogue Capeia Arraiana, poderia dar um bom contributo para o livro. Sobre os custos veríamos depois. Na posse das duas confirmações, convidei o editor Joaquim Pinto da Silva que se entusiasmou ainda mais do que eu com a ideia e devo dizê-lo sem rodeios que nos prestou, desde a primeira hora, todo o seu apoio, dedicação e saber, tendo custeado a edição que tem a chancela da Orfeu.
De fins de Janeiro a 3 de Abril o livro tinha de estar pronto. Os textos mais acabados eram os do Paulo Leitão Bastista, pois já os tinha publicado no blogue de que ele é director. Era necessário dar-lhe uma unidade e um título aglutinador e sugestivo. O Coronel Manuel Mourão tinha de trabalhar o seu texto do Wikipédia, consultar a bibliografia e refazer os croquis. E eu tinha de trabalhar os meus escritos que tinham sido redigidos numa outra óptica, a pensar num livro que se pretendia designar as batalhas de Ribacoa na 3ª. invasão francesa.
O tempo que restava do mês de Janeiro e de Fevereiro foi trabalhar de dia e de noite com os nossos textos, com o editor, com o grafista, com as correcções de cada um. Foi um mês de árduo labor. Mails, telefonemas todos os dias. Tudo devia ser visto ao pormenor. Foi uma autêntica epopeia.
Devo dizer que um livro de batalhas sem um militar, não poderia ser um livro sério. Foi precisamente através do contributo do nosso amigo coronel Manuel Mourão que este livro poderá ser considerado uma referência nesta importante batalha. Com ele adquirimos mais confiança. Ele confortou a nossa visão inicial. Proveniente das altas escolas militares de Portugal, continua ainda a dar o seu contributo no domínio histórico militar, escrevendo para a Wikipédia (e foi por aqui que eu o encontrei). É também no seu blogue (A Guerra Peninsular para além das Invasões Francesas) bem documentado e cheio de referências que nos continua a transmitir o seu saber sobre este tão importante tema.
Por fim, devo ainda referir o primeiro encontro com os autores, que ocorreu apenas no próprio dia das comemorações da Batalha do Sabugal, precisamente em frente da Casa do Castelo (Sabugal), no dia 2 de Abril. Nunca nos tínhamos visto. Foi deveras emocionante o nosso primeiro encontro real. O livro já estava feito, tinha acabado de chegar do Porto, que o tinha trazido o editor Joaquim Pinto da Silva. Ainda estava quentinho. O abraço que nos demos foi um abraço de amizade, depois de um intenso trabalho, na preocupação de fazer um livro dedicado a uma batalha que estava esquecida na rota das invasões francesas, mas que foi a última a ser travada em território português. Só depois da Batalha do Sabugal é que Portugal começou a ser um país livre, fora da alçada do jugo dos militares franceses que tanto dano causaram ao nosso país.»
Joaquim Tenreira Martins
A questão judaica no Sabugal é o exemplo acabado do que não se deve fazer.
Não conheço, e penso que poucos ou nenhuns conhecerão a importância que a comunidade judaica terá tido no nosso Concelho.
Entretanto o trabalho mais que meritório da Talinha e do Romeu, colocando em evidência o «altar» judaico da casa do Castelo, bem como o trabalho dedicado de um sabugalense de adopção, o Prof. Jorge Martins, levaram muita gente a começar a falar deste tema.
Em pequeno, costumava ouvir e dizer a frase «quem dá e tira vai prá quelha da Atafona», claramente um termo judaico, o que me leva a crer que a comunidade judaica do Sabugal tinha a importância suficiente para deixar marcas tantos séculos depois.
Por isso nunca percebi a resistência que o poder político vinha demonstrando face a esta questão, pois me custa a acreditar que tal só acontecesse por «birra» ou «ciúmes» de alguns…
Mas se ainda não sabemos de toda a dimensão da comunidade judaica no Concelho, sabemos, sem dúvida, da importância que a questão judaica tem, hoje em dia, e de que são exemplos flagrantes, Belmonte, Castelo de Vide e Trancoso.
A comunidade internacional judaica está ávida de conhecer a sua história o que, associado ao seu poder de compra, constitui um fenómeno turístico de grande valia.
Felizmente, parece que o bom senso voltou e a aceitação por parte do Executivo Municipal do convite para aderir à Rede de judiarias de Portugal é uma boa notícia.
Mas aderir não chega! Precisamos que nos deixemos de «judiarias» internas e entendamos que esta é mais uma oportunidade de afirmação da nossa terra, logo, de desenvolvimento do Concelho do Sabugal.
Comecemos por fazer o levantamento do que a comunidade judaica representou para o Concelho; façamos o inventário do património material e imaterial judaico; e criemos as condições para a sua preservação e divulgação.
Integrar a Rede foi bom, mas não chega!
Ps: No sábado passado realizou-se mais um encontro dos antigos alunos do Colégio do Sabugal. Infelizmente com menos gente que nos anos anteriores.
Claro que cada um é livre de aderir a estes encontros ou não, mas não posso deixar de lamentar a ausência de muitos antigos colegas e, sobretudo, dos que ainda moram no Concelho, o que levou a que a próxima Comissão Organizadora não tenha um único elemento residente no Sabugal!
Talvez o facto de se estar a realizar todos os anos contribua para alguma desmobilização. Por isso aqui deixo a sugestão de tornar os encontros bienais…
«Sabugal Melhor», opinião de Ramiro Matos
(Presidente da Assembleia Municipal do Sabugal)
rmlmatos@gmail.com
Em resposta a um pedido formal da Rede de Judiarias de Portugal, o executivo da Câmara Municipal do Sabugal, reunido em 25 de Maio, decidiu por unanimidade aderir a essa associação, atendendo ao património histórico do concelho.
Jorge Patrão, presidente do Turismo Serra da Estrela e secretário-geral da Rede de Judiarias, tem visitado o Sabugal e estabelecido contactos com o presidente da Câmara, António Robalo, concluindo que o centro urbano tem importância histórica verificada na presença de vestígios sefardiastas. Por essa razão dirigiu uma carta ao Município sabugalense convidando-o a solicitar a adesão à associação que reúne algumas das cidades e vilas de Portugal que contêm património histórico ligado à presença dos judeus.
Nessa sequência o Gabinete de Arqueologia da Câmara elaborou um mapa com o levantamento das «marcas cruciformes cristãs» e «armários» que estão referenciados nos centros históricos do Sabugal, Vilar Maior e Vila do Touro.
Segundo a informação do Gabinete de Arqueologia, existem dois «armários» no centro histórico do Sabugal e um no centro histórico de Vilar Maior. No que toca a «marcas cruciformes» cada centro histórico (do Sabugal, Vilar Maior e Vila do Touro) possui cerca de duas dezenas desses vestígios. Na conformidade com a efectiva existência de marcas históricas da presença da cultura judaica no concelho, a Câmara decidiu que vai solicitar a adesão à Rede de Judiarias de Portugal.
A Rede de Judiarias tem sede em Belmonte e tem como grande objectivo defender o património judaico urbanístico e arquitectónico que existe em Portugal. A associação, que junta diversas entidades, foi formalmente constituída em 10 de Março de 2011, tendo sido assinada pelos representantes dos municípios de Belmonte, Castelo de Vide, Freixo de Espada à Cinta, Guarda, Lamego, Penamacor e Trancoso, bem como as Entidades Regionais de Turismo de Douro da Serra da Estrela, Lisboa e Vale do Tejo, Oeste, Alentejo e Algarve, assim como a Comunidade Judaica de Belmonte.
plb
A primeira Capeia Arraiana realizada em Lisboa aconteceu na Praça de Touros do Campo Pequeno no dia 4 de Junho de 1978. A Capeia agendada para este ano de 2011, acontecerá precisamente no dia em que, há 33 anos aconteceu essa iniciativa primordial, pela qual se deu a conhecer ao país a mais genuína tradição da raia sabugalense.
No sábado, dia 3 de Junho daquele ano de 1978, realizara-se no parque do Seminário dos Olivais o habitual convívio de sabugalenses, organizado pela Casa do Concelho do Sabugal em Lisboa, ao qual acorreram centenas de pessoas. Porém esse ano, o convívio teria continuidade, pois programara-se para o dia seguinte uma Capeia Arraiana. Tratava-se de trazer à Capital do País uma tourada original e exclusiva das terras raianas do concelho do Sabugal, na qual se usava um instrumento de madeira a que o povo chamava forcão, ao qual se agarravam mais de 20 jovens, que assim desafiavam o touro.
O nome do espectáculo, «Capeia Arraiana», foi ideia dos organizadores do evento. «Capeia», por chamarem assim às touradas em praça improvisada nas zonas fronteiriças de Portugal e de Espanha. «Arraiana», por se tratar de uma tradição da Raia. A designação ficou registada no subconsciente das pessoas e em breve assim passou a ser genericamente designada a tourada com forcão.
Esse memorável domingo de há 33 anos, iniciou-se com uma partida de futebol entre uma equipa da Casa do Concelho do Sabugal e outra da Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro, que os raianos venceram por 7-0. De seguida houve almoço de convívio na sede da Casa do Concelho, juntando os jogadores aos dirigentes da associação e a alguns elementos do corpo activo dos Bombeiros do Sabugal, contando com a participação do Dr Lopes, presidente da Câmara Municipal do Sabugal.
Findo o almoço realizou-se um cortejo até ao Campo Pequeno, onde a tourada teve lugar. As bancadas encheram-se de sabugalenses e de amigos do Sabugal, para assistirem a algo nunca antes acontecido e para alguns decerto inimaginável: o forcão iria lidar os touros na catedral da tauromaquia portuguesa. Seria até sacrilégio, mas o certo é que o espectáculo teve lugar, envolvido em imensa alegria e emoção.
A Capeia realizou-se na sequência de uma ideia apresentada por Francisco Engrácia (o saudoso Chico), de Vila Boa, à direcção da Casa do Concelho do Sabugal, que esta aceitou com muita relutância e apenas após uma comissão de associados ter garantido que, havendo prejuízos, eles seriam cobertos.
O objectivo, para além da divulgação da tradição raiana, era ajudar os Bombeiros Voluntários do Sabugal (na altura a única corporação do concelho). Ultrapassados os primeiros receios a organização avançou e a Capeia constituiu um enorme êxito.
Dos 224 contos de «lucro» alcançado, 67 contos (30%) foram para os Bombeiros do Sabugal, que desde essa primeira experiência ficaram para sempre ligados à reedição sucessiva da Capeia em Lisboa.
Paulo Leitão Batista
Às 18,30 horas do dia 19 de Maio, quinta-feira, vai ser apresentado em Lisboa o livro «Sabugal e as Invasões Francesas», da autoria de Manuel Francisco Veiga Mourão, Joaquim Tenreira Martins e Paulo Leitão Batista. A sessão vai acontecer na Casa do Concelho do Sabugal.
O filósofo e escritor Pinharanda Gomes, que assina o prefácio do livro, fará a apresentação, seguida de algumas palavras dos autores.
O livro fala das invasões francesas tendo sempre por pano de fundo o Sabugal, por onde os exércitos passaram por diversas vezes e onde se deu a derradeira batalha em solo português.
Manuel Francisco Veiga Mourão, natural de Torres Vedras, coronel na reserva e historiador militar, escreve sobre a Batalha do Sabugal, descrevendo com minúcia o campo de batalha, as forças em presença, os planos dos comandantes, para depois explicar a evolução das tropas no decurso do combate.
Joaquim Tenreira Martins, investigador natural de Vale de Espinho, fala do Sabugal no tempo de Napoleão Bonaparte. Descreve a forma como se organizavam os exércitos e como se abasteciam, a politica de terra queimada praticada por Wellington, as surpresas e as tentações de Massena, descrevendo ainda em pormenor a passagem dos exércitos pelo Sabugal e a batalha que ali teve lugar.
Paulo Leitão Batista, economista natural do Sabugal e co-autor do blogue Capeia Arraiana, faz a memórias das invasões, referindo os momentos em que as tropas passaram pelo Sabugal e traçando o perfil dos generais ingleses e franceses que as comandaram.
A Casa do Concelho do Sabugal está sedeada na Avenida Almirante Reis, nº 256, 2º Esqº, em Lisboa, local onde a sessão de apresentação do livro «Sabugal e as Invasões Francesas» terá lugar.
jcl
O escritor Manuel António Pina é o vencedor do Prémio Camões 2011 o mais importante galardão de língua portuguesa. Manuel António Pina nasceu na vila do Sabugal no dia 18 de novembro de 1943 e sucede, entre outros, a Miguel Torga, Vergílio Ferreira, Jorge Amado, José Saramago, Eduardo Lourenço, Pepetela, Sophia de Mello Breyner, Agustina Bessa-Luís e António Lobo Antunes.
Jornalista, escritor e tradutor, Manuel António Pina nasceu no Sabugal, a 18 de novembro de 1943. A sua obra, traduzida em várias línguas, divide-se entre a poesia, a literatura infanto-juvenil, o teatro, a crónica e a ficção.O Prémio Camões, criado em 1989 por Portugal e pelo Brasil para distinguir um escritor cuja obra tenha contribuído para a projeção e reconhecimento da língua portuguesa, foi-lhe atribuído por unanimidade do júri hoje reunido no Rio de Janeiro.
«A decisão foi consensual e unânime, numa reunião que durou menos de meia hora», diz o comunicado do júri que atribuiu a Manuel António Pina o Prémio Camões, o maior galardão literário de língua portuguesa.
Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, integrou de 1971 a 2011 a redação do «Jornal de Notícias», desempenhando funções de editor e chefe de redação. Foi também professor da Escola de Jornalismo do Porto, cidade onde reside.
A Câmara Municipal da Guarda criou, em 2010, em homenagem a Manuel António Pina, um prémio literário anual com o seu nome.
«Nesta casa nasceu o escritor e jornalista Manuel António Pina» testemunha a placa colocada ao lado da porta da casa onde nasceu o ilustre sabugalense. A homenagem promovida pela Junta de Freguesia do Sabugal teve lugar no dia 4 de Abril de 2009. Os actos da homenagem a Manuel António Pina centraram-se no Auditório Municipal do Sabugal, onde teve lugar uma palestra de Arnaldo Saraiva e a peça de teatro do grupo portuense «Pé-de-Vento». O programa incluiu, ainda, o descerrar de uma placa e visita à casa onde nasceu, troca de lembranças e oferta de livros do escritor à biblioteca municipal no salão nobre da Câmara do Sabugal, e a finalizar um porto de honra com uma mesa de luxo repleta de iguarias na Casa do Castelo.
O presidente da República, Cavaco Silva, felicitou esta quinta-feira o escritor Manuel António Pina por ter recebido o Prémio Camões 2011, principal distinção no meio literário lusófono. «A atribuição deste Prémio é o reconhecimento da relevância nacional e internacional que a sua obra representa na literatura em língua portuguesa e é, sem dúvida, um motivo de grande orgulho para todos os que apreciam a sua escrita», refere a mensagem de Cavaco Silva, também divulgada no site da Presidência da República. O chefe de Estado sublinhou que esta distinção «honra a literatura Portuguesa».
Vencedores do Prémio Camões
O Prémio Camões, no valor de 100 mil euros, instituído pelos governos de Portugal e do Brasil em 1988, é atribuído aos autores que tenham contribuído para o enriquecimento do património literário e cultural da língua portuguesa.
Manuel António Pina recebeu o Prémio Camões 2011 e sucede a Miguel Torga (1989), João Cabral de Melo Neto (1990), José Craveirinha (1991), Vergílio Ferreira (1992), Rachel de Queiroz (1993), Jorge Amado (1994), José Saramago (1995), Eduardo Lourenço (1996), Pepetela (1997), António Cândido de Mello e Sousa (1998), Sophia de Mello Breyner (1999), Autran Dourado (2000), Eugénio de Andrade (2001), Maria Velho da Costa (2002), Rubem Fonseca (2003), Agustina Bessa-Luís (2004), Lygia Fagundes Telles (2005), José Luandino Vieira (2006), António Lobo Antunes (2007), João Ubaldo Ribeiro (2008), Arménio Vieira (2009) e Ferreira Gullar (2010).

A atribuição do Prémio Camões a Manuel António Pina veio confirmar (aos mais distraídos) que foi justíssima e visionária a homenagem que foi feita a 4 de Abril de 2009 no Sabugal. Depois disso veio o Prémio Manuel António Pina atribuído pela Câmara Municipal da Guarda, o Festival Internacional de Teatro da Câmara Municipal de Famalicão dedicado a Manuel António Pina, a homenagem na Casa da Beira Alta no Porto, a homenagem da 80.ª Feira do Livro do Porto (2010) que o elegeu como escritor em destaque, a distinção com o Prémio Literário da Fundação Bissaya Barreto e muitos outras merecidas homenagens.
O Capeia Arraiana aproveita para saudar e congratular-se com a atribuição do Prémio Camões 2011 a tão ilustre sabugalense.
jcl (com agência Lusa)
Em 10 de Maio de 1811, há rigorosamente 200 anos, ocorreu um dos grandes actos de valentia da história militar francesa, que foi a evasão da guarnição que ocupava a praça de Almeida. Os homens do general Brenier, seguindo as instruções do marechal Massena, romperam com argúcia e coragem o cerco das tropas aliadas, juntando-se ao seu exército em Espanha. Massena conseguiu com este glorioso feito mitigar o fracasso que foi a terceira invasão de Portugal.
Depois da Batalha do Sabugal, em 3 de Abril de 1811, as tropas de Massena abandonaram Portugal, concentrando-se entre Ciudad Rodrigo e Salamanca, onde descansaram das fadigas da campanha. Porém o isolamento de Almeida, onde se mantinha uma guarnição francesa, comandada pelo general Brenier, e a maior parte do parque de artilharia do exército, eram motivo de grande preocupação para o marechal. Afligia-o a possibilidade de Almeida ser bombardeada e tomada pela força, com a consequente humilhação francesa. Por isso decidiu marchar em valimento da fortaleza, o que o levou a enfrentar as tropas aliadas na linha da fronteira.
A terrível batalha de Fuentes de Oñoro, durou três dias, de 3 a 5 de Maio, tendo os anglo-portugueses conseguido repelir os sucessivos ataques dos franceses, assim evitando que voltassem a colocar o pé em Portugal.
Verificando a impossibilidade de passar a fronteira, Massena pediu voluntários para levarem ao general Brenier uma mensagem. Apresentaram-se três jovens, dispostos a cumprir a espinhosa missão de penetrarem nas linhas aliadas: o cabo Zaniboni, e os soldados Lami e Tillet. Os dois primeiros seguiram disfarçados de camponeses e o último teimou em avançar com o seu uniforme e armado com o seu sabre. André Tillet, foi precisamente o único a atingir o objectivo, conseguindo passar por ingleses e portugueses e entregar ao comandante francês a minúscula mensagem que, cumprindo à risca as instruções, levava na boca, pronto a engoli-la em caso de ser capturado.
A mensagem de Massena era clara: «Meu caro general, faça explodir Almeida por meio de fornilhos, retirando com a sua guarnição para Barba del Puerco. Faça tudo para que o inimigo não possa tirar proveito dos canhões e das munições que estão na praça, quer destruindo-os quer enterrando-os. Previna-me da recepção desta ordem com quatro salvas de 25 tiros de canhão do maior calibre que tem (…)».
Inicialmente Massena temeu o pior, pois o tempo passava sem que o sinal combinado surgisse. Porém às 10 horas da noite de 7 de Maio ouviu-se o som abafado de salvas de canhão, vindas dos lados de Almeida. Face ao alívio, o comandante francês deu instruções para a execução de manobras ameaçadoras, a fim de concentrar os aliados na linha avançada e assim facilitar a Brenier os trabalhos de minagem da praça e a evasão da guarnição.
Em Almeida, os preparativos para a fuga começaram imediatamente a seguir ao recebimento das ordens de Massena. Brenier mandou atirar os cartuchos e os projécteis para os poços, destruir as peças de artilharia disparando umas para a alma das outras, e carregar de pólvora os fornilhos que foram instalados nas muralhas para as derrubar. Tudo ficou pronto no final do dia 10, altura em que Brenier juntou a guarnição, formou duas colunas e saiu da praça pelo lado oeste, deixando para trás apenas alguns sapadores para pegarem fogo aos fornilhos de pólvora.
As duas colunas avançaram a coberto da noite, e conseguiram atacar de surpresa as tropas aliadas dos postos avançados. Entretanto um enorme estrondo perturbou a calma da noite, em resultado da explosão das minas. Coube aos portugueses, comandados pelo general Pack perseguir os franceses fugitivos, sem contudo conseguirem evitar que os sapadores, que haviam ficado para trás, se lhes juntassem e que todos alcançassem o rio Águeda, onde do outro lado o general Reynier os esperava em Barba del Puerco.
A perseguição apertada de Pack, a quem na fase final se juntou a cavalaria de Cotton, fez com que a coluna francesa seguisse para a ponte por um atalho, trepando as vertentes escarpadas do vale do Águeda, tendo muitos dos homens caído desamparados num precipício rochoso quando chegaram ao topo e lhes faltou o pé do outro lado, o mesmo sucedendo a alguns dos portugueses que os perseguiam. A protecção de atiradores franceses entretanto posicionados na outra margem do rio, garantiu que quase toda a coluna escapasse atravessando a ponte, mas dos que caíram no desfiladeiro, só se fizeram contas ao amanhecer, quando os franceses conseguiram repelir os perseguidores.
A grande parte dos que caíram haviam afinal escapado, tendo-se agarrado às rochas e escondendo-se entre elas, mas no fundo do precipício estavam 270 homens mortos ou terrivelmente mutilados, dos quais 230 eram franceses e 30 eram portugueses.
Retirados e encaminhados os feridos para o acampamento, fez-se a chamada dos 1200 elementos que constituíam a guarnição de Brenier em Almeida. O pessimismo deu lugar a uma alegria contida: apenas faltavam 350 homens.
Este feito heróico da fuga da guarnição de Almeida constituiu um bálsamo para a auto-estima de Massena, que via honra nesta última operação do exército de Portugal. Ela feria o orgulho de Wellington, que viu passar a coluna francesa por entre os dedos, sem que a conseguisse capturar.
Mas nesse mesmo dia a vaidade de Massena seria manchada ao receber das mãos do general Foy, chegado de Paris, a missiva de Napoleão Bonaparte que lhe retirava o comando do exército, entregando-o ao marechal Marmont.
Paulo Leitão Batista
As cerimónias oficiais da evocação da Batalha do Sabugal no sítio do Gravato tiveram início no dia 2 de Abril de 2011 no Auditório Municipal do Sabugal. O professor Adérito Tavares abriu «as hostilidades» explicando (como só ele é capaz) o «expansionismo napoleónico na Península Ibérica: o princípio e o fim». Já no dia anterior, sexta-feira, no mesmo local, uma plateia repleta de alunos das Escolas do Sabugal tiveram oportunidade de aprender com o ilustre historiador natural de Aldeia do Bispo. Seguiu-se o lançamento dos livros «A Batalha do Gravato – Narrativas do famigerado combate do Sabugal» da autoria de Manuel Morgado e Marcos Osório e de «Sabugal e as Invasões Francesas» de Manuel Francisco Veiga Gouveia Mourão, Joaquim Tenreira Martins e Paulo Leitão Batista. O prefácio e a apresentação do livro escrito a «três mãos» esteve a cargo do filósofo e pensador sabugalense mestre Jesué Pinharanda Gomes.

Na sexta-feira, 1 de Abril, os alunos do Agrupamento de Escolas do Sabugal encheram o Auditório Municipal do Sabugal para escutar e aprender com o historiador Adérito Tavares muitos pormenores pouco falados das chamadas batalhas napoleónicas entre franceses e ingleses (ajudados pelos portugueses).
No sábado, 2 de Abril, o Auditório voltou a encher-se de sabugalenses (e muitos militares fardados) para assistirem ao lançamento dos livros «A Batalha do Gravato – Narrativas do famigerado combate do Sabugal» da autoria de Manuel Morgado e Marcos Osório e de «Sabugal e as Invasões Francesas» de Manuel Francisco Veiga Gouveia Mourão, Joaquim Tenreira Martins e Paulo Leitão Batista.
O Presidente da Câmara Municipal do Sabugal, António Robalo, destacou no seu discurso de abertura: «Celebramos um percurso histórico que nos orgulha!» e quase a finalizar enfatizou que «tendo a História como única juíza das nossas acções, acreditamos profundamente ser este o caminho certo que melhor defende e promove o bem comum da comunidade que pretendemos servir e tendo no sorriso de quem servimos o único medidor de satisfação, acreditamos profundamente na força do nosso concelho e da nossa gente».
A vice-presidente da autarquia, Delfina Leal, ocupou-se da moderação encontro temático «Sabugal e as Invasões Francesas» onde marcaram presença Pinharanda Gomes, Adérito Tavares e os autores dos dois livros.
Mestre Pinharanda Gomes, com aquela humildade que todos lhe conhecemos, começou por dizer que «se sentia duplamente intruso na cerimónia». Em primeiro lugar «é mentira que tenha escrito um prefácio para o livro porque é um pós-fácio escrito depois da obra terminada mas como assim está instituído vamos então chamar-lhe prefácio» e o segundo acto de intrusão está relacionado com «a gentileza do convite dos autores que não necessitavam necessariamente da minha apresentação». «Agradeço a honra e a gentileza que me deram de estar aqui presente e vou dar o meu contributo pessoal apenas como leitor desta obra que foi editada pela livraria portuguesa e galega Orpheu. Sobre a temática do tenente-coronel Gouveia Mourão não me vou pronunciar porque não tenho competência para tanto. Fiquei livre da tropa e penso mesmo que nunca dei um tiro na minha vida». «Sobre o doutor Joaquim Tenreira Martins, natural de Vale de Espinho, o que posso dizer de alguém que é licenciado em Ciências Políticas na Universidade de Lovaine – um exclusivo que só apareceu em Portugal na Universidade Católica – e mestre pela universidade de Lille?». «O meu amigo doutor Paulo Leitão Batista aplica as palavras num modo estilístico. O prosador não tem de saber colocar o sujeito, o predicado, o complemento. A palavra para ser palato tem de sair do palato. A palavra sai do céu da boca para o papel. No caso do Sabugal temos depois de Manuel Leal Freire o Paulo Leitão Batista. Se lerem o livro «Terra Batida» temos as três memórias.»
Após a apresentação dos três autores mestre Pinharanda Gomes «explicou» a obra «dividida em três obras». «No primeiro texto tive que aprender a interpretar o ensaio político, táctico e militar acompanhado das dificuldades do terreno. Quando um autor é capaz de sonhar o sítio e descrevê-lo historicamente é uma arte. O texto beneficia desta virtude. Nas terceiras invasões francesas nem todos morreram no campo de batalha.» «O segundo livro é um estudo entre o sociológico e o militar nos séculos XVII, XVIII e XIX. Algumas passagens fazem lembrar o Hans Christian Andersen. A sua narrativa termina com o desastre de Napoleão.» «Finalmente o terceiro livro obedece ao canône histórico com pesquisa feita em fontes avulsas e chama ao palco as principais personagens da guerra – o Maneta era um general terrível, era um homem de cortar à faca – e termina, também, com a derrota de Napoleão que passou à condição de reformado em Liège com apenas 45 anos.
Para Jesué Pinharanda Gomes o livro «é um resumo das invasões francesas e uma separata do que se passou no Côa mostrando que o Wellington não quis envolver-se muito nas batalhas da fronteira porque talvez pensasse que era mais importante a defesa de Lisboa apesar de Napoleão a partir de certo momento idealizar não uma União Europeia mas uma Europa Imperial». A concluir recordou que «ainda hoje no retábulo da Sé da Guarda estão os sinais dos disparos das tropas francesas» não sabendo contudo se «alguma vez se fez algum inquérito aos males que os franceses fizeram aqui na Raia». «Felicito vivamente os autores, o editor e sugiro que comprem a obra», rematou Pinharanda Gomes.
jcl
As cerimónias oficiais da evocação da Batalha do Sabugal no sítio do Gravato tiveram início no dia 2 de Abril de 2011 no Auditório Municipal do Sabugal. O professor Adérito Tavares abriu «as hostilidades» explicando (como só ele é capaz) o «expansionismo napoleónico na Península Ibérica: o princípio e o fim». Já no dia anterior, sexta-feira, no mesmo local, uma plateia repleta de alunos das Escolas do Sabugal tiveram oportunidade de aprender com o ilustre historiador natural de Aldeia do Bispo. Seguiu-se o lançamento dos livros «A Batalha do Gravato – Narrativas do famigerado combate do Sabugal» da autoria de Manuel Morgado e Marcos Osório e de «Sabugal e as Invasões Francesas» de Manuel Francisco Veiga Gouveia Mourão, Joaquim Tenreira Martins e Paulo Leitão Batista. O prefácio e a apresentação do livro escrito a «três mãos» esteve a cargo do filósofo e pensador sabugalense mestre Jesué Pinharanda Gomes.

O Coronel Manuel Mourão falou em nome dos três escritores: «O meu agradecimento a Jesué Pinharanda Gomes por se ter dignado escrever o prefácio do livro. O livro está incompleto. O tema é muito vasto e estamos muito longe de esgotar o tema. Há muitos pontos obscuros acerca desta batalha. É preciso estudar a batalha tendo em atenção a doutrina e as forças em confronto. É preciso estudar tudo o que anda à volta desta batalha. É preciso contar o que pensavam as pessoas que cá viviam sobre a chegada dos franceses. É importante saber a visão que tinham os militares franceses sobre esta batalha. Em nome dos três autores do trabalho o meu muito obrigado a todos por terem comparecido.»
O editor Pinto da Silva (Editora Orfeu) aproveitou para fazer alguns agradecimentos: «Vou contar uma cena porque sou funcionário de uma instituição comunitária. Um dia um comissário europeu (alemão) foi a uma reunião e começou o discurso desta maneira – É a segunda vez que estou aqui. A primeira vez foi de pára-quedas – E, claro, criou um grande mal-estar. Estou aqui por causa da família Tenreira Martins que me deram a beber chá de poejo e fiquei assim e estou aqui por causa da Casa do Castelo e a família Bispo. Agradeço aos autores. A Orfeu está sedeada em Bruxelas e produz há 25 anos onde passaram por lá muito dos políticos e da cultura portuguesa. A nossa condicionante é a cultura portuguesa e nunca a política. Democraria, cultura, abertura é o que nos interessa na Orfeu.
A intervenção do professor Adérito Tavares teve por tema «O expansionismo napoleónico na Península Ibérica: o princípio do fim». O historiador, natural de Aldeia do Bispo, começou por recordar que «tinha sido um grande privilégio ter falado aqui ontem para cerca de 200 alunos das Escolas do Sabugal que se portaram lindamente. Será um momento marcante destas cerimónias».
O historiador ilustrou a sua apresentação com excelentes cartoons britânicos contemporâneas das batalhas das invasões francesas disponíveis na página web da Universidade de Oxford. E foram muitos os tópicos abordados por Adérito Tavares começando por desmistificar um símbolo da cidade do Porto que muitos confundem e transportam para a clubite desportiva. «A estátua do Porto com o leão e a águia é a luta ibérica. A águia napoleónica recebeu feridas profundas nas batalhas ibéricas. Napoleão Bonaparte foi um plano megalómano que pretendeu unir a Europa mas não contou com o apoio da Inglaterra. A Inglaterra veio à Península Ibérica defender Portugal porque entender ser um excelente campo de batalha para combater os franceses. Na verdade, foi na Península Ibérica que a águia napoleónica começou a ser ferida de morte, como vemos no monumento da Rotunda da Boavista, no Porto. A Guerra Peninsular, como dizia Churcill a propósito de outros combates foi o princípio do fim para Napoleão Bonaparte e para o seu projecto megalómano. E a Batalha do Sabugal contribuiu para apressar o fim desse princípio», esclareceu.
«A ocupação da Península Ibérica fez-se graças a poderosos exércitos mas também à custa de uma bárbara repressão exercida sobre a população portuguesa e espanhola. Junot e as suas tropas rapinaram tudo quanto puderam (incluindo ouro) em Portugal. O povo português sofreu tal como o espanhol que tiveram Goya para retratar os assassínios nas 80 gravuras «Los Desastres de la Guerra».
«Os efeitos da passagem dos exércitos napoleónicos pelas terras do Sabugal foram devastadores. Por todo o lado os invasores aterrorizaram as populações, que preferiram abandonar as aldeias e refugiar-se nos campos. Depois da imensa calamidade que foram as invasões francesas veio a ocupação britânica. Se Portugal não morreu da doença (franceses) podia ter morrido da cura (ingleses)», concluiu Adérito Tavares.
Joaquim Tenreira Martins falou de Massena. «Massena foi nomeado por Napoleão e prometeu-lhe um grandioso exército bem equipado. Massena veio para Portugal acompanhado da sua amante e contam-se sobre o casal várias situações anedóticas. Antes da Batalha do Buçaco o ajudante de campo teve de lhe bater à porta do quarto para lhe lembrar que já estava atrasado cerca de uma hora. Massena esteve perto de ser capturado. Na Ruvina aconteceu um episódio burlesco. Ainda antes da Batalha do Sabugal a tentação da carne fez com que Massena tivesse de saltar para o cavalo sem roupa para fugir. A primeira tentação que Massena teve aconteceu em Celorico. O exercito de Portugal tinha chegado a Celorico sem sapatos nem farda. O moral estava de rastos mas Masssena queria provar que o seu exército ainda tinha capacidades. No dia 22 de Março deu ordem aos três corpos de exército que avançasse contra a Guarda e Sabugal. Michael Ney informou Massena que sem ordens expressas do Imperador não avançaria contra os ingleses e mesmo que fosse destituído ou condenado à morte não tomaria a decisão de avançar sobre Almeida.
Paulo Leitão Batista reescreveu a história recordando que «é comum falarmos de três invasões de Portugal perpretadas pelos exércitos napoleónicos e todos conhecemos, aliás, os comandantes franceses dessas três invasões: Junot, Soult e Massena». Porém «houve uma quarta invasão de Portugal, comandada pelo marechal Marmont, que poucos conhecem e que a história, por regra, omite. É contudo ousadia chamar-lhe invasão, pois tratou-se tão só de uma incursão ou sortida do exército francês em território português, ou ainda, usando a linguagem táctico-militar, de uma manobra de diversão».
Durante a sua intervenção Paulo Leitão falou da substituição de Marmont por Massena, da acção de Wellington em Portugal, do susto de Napoleão Bonaparte com a possível ofensiva sobre Badajoz, a invasão de Portugal pelo marechal Marmont, o malogrado plano de Trant e as atrocidades da quarta invasão.
O encontro finalizou com a intervenção do coronel Sodré de Albuquerque com o tema «a importância da ponte do Côa, no Sabugal, para o êxito do exército aliado na perseguição a Massena».
Para ficar a saber tudo, mas mesmo tudo, sobre as Invasões Francesas recordamos a sugestão de Pinharanda Gomes: «Comprem a obra!»
O Capeia Arraiana felicita os três autores pela qualidade do seu trabalho.
jcl
No dia 3 deste mês comemorou-se o bicentenário da Batalha do Gravato ocorrida durante a 3ª Invasão Francesa.
Durante três dias, e digo três dias porque na sexta-feira, dia 1, o Professor Adérito Tavares proporcionou a largas dezenas de alunos das nossas escolas um contacto com a história sabugalense, numa iniciativa a todos os títulos louvável.
A larga adesão dos sabugalenses nas iniciativas de sábado mostra que existe uma grande vontade de conhecer a história do nosso Concelho.
Merece realce nessa tarde a qualidade dos dois livros apresentados, um, «A Batalha do Gravato» da autoria de Manuel Morgado (embora nascido em França, sabugalense de adopção e de querer), e Marques Osório, arqueólogo do Município do Sabugal; e o segundo, «Sabugal e as Invasões francesas», da autoria dos conterrâneos Paulo Leitão Batista e Joaquim Tenreira Martins, a que se associou o historiador militar Manuel Francisco Mourão.
Igualmente realce para as intervenções seguintes que prenderam os assistentes, muitos deles, como eu, sem um conhecimento profundo do que se havia passado há 200 anos.
Mas se esta parte, diga-se mais cultural, foi importante, igual ou maior importância teve a ida ao local da batalha no domingo e, sobretudo, a inauguração de uma peça escultórica de arte pública, da autoria do escultor Augusto Tomás, natural de Santo Estêvão. Vale a pena a próxima vez que forem ao Sabugal irem à rotunda de saída do Sabugal para a Guarda e admirarem a escultura, pois a mesma é de grande qualidade.
Foram momentos significativos e, estou certo que todos os que assistiram sentiram orgulho em serem descendentes das mulheres e homens que, duzentos anos antes, souberam reagir ao invasor e, sobretudo, souberam encontrar os caminhos para recuperar da destruição e miséria em que ficaram após a derrota e expulsão dos franceses.
É esta a fibra de que somos feitos e por isso continuo a acreditar que saberemos encontrar os caminhos para sairmos da situação difícil em que o Concelho do Sabugal se encontra hoje.
Que o exemplo dos nossos avoengos nos sirva de motivação para construirmos, todos, um Sabugal melhor!
«Sabugal Melhor», opinião de Ramiro Matos
(Presidente da Assembleia Municipal do Sabugal)
rmlmatos@gmail.com
As invasões francesas, cujo bicentenário se evoca, deixaram variadas marcas, dentre as quais alguns lugares comuns na nossa linguagem popular, de que são exemplos as conhecidas expressões: «ficar a ver navios», «ir para o maneta» ou «Portugal é Lisboa e o resto é paisagem».
O lugar comum «ficar a ver navios», que se utiliza quando alguém fica desiludido, ou não consegue alcançar aquilo com que contava, teve origem na primeira invasão francesa de Portugal. Foi o general Junot, comandante das tropas invasoras, que viu frustradas as suas expectativas de aprisionar a família real portuguesa, ao ter chegado tardiamente a Lisboa em Novembro de 1807. Restou-lhe observar, do alto de Santa Catarina, os navios da armada que haviam acabado de zarpar do Tejo rumo ao Brasil, para onde foi transferida a corte portuguesa. Junot ficou assim a «ver navios», e a expressão acabou enraizada no léxico popular.
Outro lugar comum muito em voga é «ir para o maneta», expressão usada em sinal de perda irrecuperável. A mesma ficou associada ao mais atroz dos generais de França, de nome Loison, o qual esteve em Portugal nas três invasões. Loison perdera uma mão num acidente e era conhecido entre os portugueses como o general «Maneta», tendo ficado célebre pelas suas acções punitivas sobre a população sublevada. «Ir para o Maneta» era ir parar às mãos, ou melhor, à mão, do fatídico general, assim ficando a expressão no nosso léxico.
Há ainda um terceiro lugar comum que provém do tempo das invasões: «Portugal é Lisboa e o resto é paisagem». A frase é atribuída ao general Foy, o conhecido portador das mensagens de Massena para Napoleão Bonaparte, que passou várias vezes no Sabugal. Massena tinha a maior confiança em Foy, que era um bom conhecedor de Portugal, pelo que contava com os seus conselhos. Instado a pronunciar-se sobre o que seria a terceira campanha do exército francês, Foy não hesitou em dizer-lhe que Portugal era Lisboa e o resto paisagem. A frase foi premonitória, pois a avançada francesa só foi verdadeiramente travada às portas de Lisboa, devido às famosas Linhas de Torres Vedras, pelo que Massena terá compreendido por que razão em Portugal tudo era paisagem á excepção de Lisboa. Aliás Massena não chegou a conhecer as paisagens de Lisboa.
plb
Comemora-se no dia 3 de Abril (domingo) o bicentenário da Batalha do Sabugal, a última das que aconteceram em território português por ocasião das invasões francesas. A Câmara Municipal e a empresa Sabugal+ elaboraram um programa evocativo que acontece no próximo fim-de-semana.
No sábado, dia 2 de Abril, pelas 14 horas, haverá a inauguração de uma exposição, designada «A defesa da Fronteira da Beira», no Museu Municipal do Sabugal.
De seguida, no Auditório Municipal, decorrerá o lançamento de dois livros dedicados às invasões. O primeiro, intitulado «A Batalha do Gravato – Narrativas do Famigerado Combate do Sabugal», é da autoria de Manuel Morgado e Marcos Osório.
O segundo, intitulado «Sabugal e as Invasões Francesas», sendo seus autores Manuel Francisco Veiga Gouveia Mourão, Joaquim Tenreira Martins e Paulo Leitão Batista, será apresentado pelo escritor e pensador J. Pinharanda Gomes, que assina o prefácio da obra.
Seguir-se-á, ainda no auditório, um Encontro Temático dedicado às invasões, estando previstas as comunicações:
Adérito Tavares: «O expansionismo napoleónico na Península Ibérica: o princípio do fim»;
Joaquim Tenreira Martins: «Sabugal e as tentações de Massena na terceira Invasão Francesa»;
José Alexandre Sousa: «Condicionalismos humanos e naturais numa acção militar – o combate do Sabugal a 3 de Abril de 1811»;
Paulo Leitão Batista: «O Sabugal e a quarta Invasão Francesa»;
José Paulo Ribeiro Berger: «A importância da ponte sobre o rio Côa no Sabugal para o êxito do exército aliado na perseguição a Massena».
Pelas 21 horas haverá um concerto pelo Ensemble da Orquestra Sinfónica do Exército.
No domingo, dia 3, haverá repique de sinos pelas 9h30, seguido da inauguração de um memorial no sítio do Gravato, com presença militar.
Pelas 11 horas será inaugurado um monumento evocativo da Batalha na rotunda de entrada no Sabugal, da autoria do escultor Augusto Tomás, seguida de cerimónia de homenagem aos mortos e evocação histórica pelo Tenente-Coronel Urze Pires.
Às 12 horas haverá missa pelos mortos em combate.
À tarde, pelas 15 horas, decorrerá no castelo uma recriação das comemorações da vitória.
plb
«Sei que assumo uma grande responsabilidade ao opor-me tão formalmente às suas intenções; mas, nem que seja destituído e nem que com isso perca a cabeça, não seguirei o movimento para Coria e Plasencia de que me fala a não ser, repito, que tal me seja ordenado pelo Imperador» – missiva que de Ney para Massena, recusando a ordem de encaminhar o seu corpo para o Sabugal, seguindo o caminho para a Estremadura espanhola.
O marechal Michel Ney era o comandante do sexto corpo de exército, e tinha no movimento retrógrado da terceira invasão de Portugal a espinhosa missão de seguir na retaguarda, contendo os ataques do exército aliado.
Ney, que era filho de um soldado veterano francês, e que subira na hierarquia militar até ao generalato devido aos seus elevados méritos em combate, tinha na altura 42 anos e acumulava com o posto de marechal o título de Duque de Elchingen. Muito popular entre os soldados, que o tinham como o melhor dos marechais de França, era chamado Le Rougeaud (O avermelhado) e Le Brave des Braves (O Bravo dos Bravos), tendo este último apodo sido conferido pelo próprio Napoleão.
Massena e Ney odiavam-se mutuamente. O «Bravo dos Bravos» nunca se conformou por ter sido colocado sob as ordens do «Filho Querido da Vitória» (nome dado por Napoleão a Massena) e a terceira invasão de Portugal foi uma sucessão de dissensões entre os dois marechais. Massena era o comandante-em-chefe, senhor de um prestígio enquanto estratega apenas superado pelo do próprio Napoleão Bonaparte, mas Ney era o mais resoluto e corajoso dos marechais do Império.
Em Paris, imediatamente antes de partir para a Península, Massena tentou demover o Imperador a colocar Ney entre os seus lugar-tenentes no Exército de Portugal, por lhe conhecer o mau carácter. Napoleão retorquiu-lhe: «Ney é um general de vanguarda: se as suas ideias no gabinete são fracas, ele resgata esse defeito no terreno; maneja tão bem a infantaria como a cavalaria; vai ser-lhe muito útil, não será preciso estimular-lhe o ardor».
Mas os problemas com Ney começaram logo quando Massena se juntou ao seu novo exército em Salamanca. Queria apressar o cerco a Ciudad Rodrigo e entrar em combate com os postos avançados ingleses, no que foi a custo contido por Massena. Já em plena marcha em Portugal, nas alturas do Buçaco, foi a impaciência de Ney que ditou a precipitação da batalha, que os franceses perderam. Na retirada Massena queria ter seguido para Coimbra, onde concentraria o exército, mas Ney não cumpriu por inteiro os itinerários, inviabilizando assim essa movimentação.
Porém o clímax da rivalidade entre os marechais estava marcado para Celorico, quando Massena deu ordens para a movimentação para o sul, a fim de entrar em Espanha por Alcântara e atingir o vale do Tejo, entre Coria e Plascencia, a partir de onde relançaria a invasão de Portugal. O fogoso Ney não concordava e afirmou-lhe que desobedeceria, se persistisse nesse clamoroso erro. Os ajudantes de campo de ambos os marechais levavam e traziam cartas com as ordens de Massena e as respostas de Ney. Este exigia saber se as disposições provinham do Imperador, pois caso contrário não as acataria, e aquele reafirmava as ordens, intimando de que era imperioso dar-lhe cumprimento. A um ponto, Ney decidiu esticar a corda e informou Massena que recuaria com o seu corpo para Almeida. Massena desesperou e escreveu-lhe: «Previno-o, senhor marechal, de que se torna responsável pelo mau exemplo que a sua desobediência dá ao exército e, talvez, pelas consequências, ainda mais deploráveis, que dela podem resultar. Queira responder-me se persiste na sua desobediência, desprezando a autoridade que o Imperador me confiou; nesse caso, saberei tomar disposições para mantê-la.»
As coisas já tinham ido longe de mais e não havia espaço para recuar. Ney informou que não deixaria que o seu corpo marchasse com o resto do exército para sul. Massena informou então formalmente os generais de divisão do sexto corpo que deixavam de obedecer a Ney, passando a receber instruções directas do estado-maior general, e ordenou ao marechal que seguisse imediatamente para Espanha, deixando o exército. O recalcitrante Ney ainda reagiu alegando a ilegitimidade da ordem: «Como foi o Imperador que me confiou o comando do sexto corpo, ninguém além de Sua Majestade tem o direito de mo retirar». Porém Massena manteve as disposições e confiou o comando do corpo ao general Loison, acabando Ney por se dirigir para Espanha.
As tropas do sexto corpo amavam Ney, que era o seu verdadeiro líder. À fome que passavam, pela falta de provisões, juntava-se agora a desmotivação e o sentimento de injustiça para com o seu marechal. O capitão Guingret, que servia nesse corpo, escreveria mais tarde: «O afastamento inesperado do duque de Elchingen tinha desmoralizado completamente o espírito das suas três divisões. Desde que nos constituíram em sexto corpo, nas épocas eternamente gloriosas de Austerlitz e de Friedland, adquirimos pouco a pouco o hábito de nos considerar como uma família de guerreiros, de que o marechal Ney fora sempre o guia.»
Bécet de Léocour, chefe do estado-maior de Ney, também deixou um testemunho similar: «A sua partida causou uma impressão muito deplorável no moral das tropas, que tinham por ele tanta confiança quanto apego e que estavam muito longe de conceder os mesmos sentimentos ao sucessor que lhes atribuíam».
O atraso do movimento provocado pela obstinação de Ney seria fatal para as tropas francesas que não conseguiram concretizar com sucesso o movimento em direcção ao sul. Ney foi afastado no dia 23 de Março de 1811 e, dentro de dias, a 3 de Abril, no Sabugal Wellington atacaria o corpo de Reynier, ditando assim o retorno dos franceses a Espanha, pondo fim à terceira invasão de Portugal.
Paulo Leitão Batista
O gado asinino teve um papel fundamental na campanha de Portugal do exército napoleónico, pois servia de meio de transporte, nomeadamente no carrego dos feridos e do equipamento individual dos soldados. Quando a fome apertava e as provisões estavam gastas, os burros eram abatidos, servindo a sua carne para alimentação dos militares.
Para a galhardia de um exército como era o exército francês da altura, que se considerava o melhor do mundo, a presença de burros no seu dispositivo não era bem vista pelos comandantes. O burro era considerado um animal menor, sendo portanto desprezado e, na medida do possível, afastado das colunas dos soldados de linha, embora pudesse ter lugar entre o dispositivo de apoio logístico.
Porém na terceira invasão francesa, os asnos tiveram um papel fundamental. O jovem tenente Jean-Baptiste Barrés, que vinha integrado no segundo corpo de exército, comandando pelo general Reynier, dá disso devida nota nas suas memórias: «Estes animais úteis e pacientes, prestaram imensos serviços ao Exército de Portugal, que a miséria tornou muito ingrato em relação aos demais salvadores. Todos os regimentos tinham, pelo menos, entre 120 e 150 burros em fila, para transportar os doentes e os feridos, os sacos dos convalescentes e as provisões de víveres, quando se era suficientemente ditoso para os encontrar durante mais de um dia. Esta massa de quadrúpedes elevava os homens à sua condição, tornava bem mais pesada a marcha das colunas, mas salvou muitos infelizes.»
Já perante as Linhas de Torres, nos cinco longos meses aí passados pelos franceses, esperando reforços, os burros tiveram de novo um papel fundamental, mas desta feita para matar a fome dos infelizes soldados, que não encontravam meios de subsistência. Foi o mesmo oficial a deixar também esse testemunho: «Poucos dias depois da nossa chegada à frente das linhas inglesas, a miséria tornou-se tão pungente, tão generalizada, que todos esses seres inofensivos foram mortos e comidos com uma espécie de sensualidade. Aqueles que quiseram ou puderam conservá-los mantinham-nos bem escondidos, e vigiavam-nos, como se fossem cavalos de raça, porque eram roubados e mortos sem escrúpulos.»
O burro foi nesta campanha o melhor companheiro para o soldado. Era sobre ele que transportava a sua bagagem individual nas longas marchas. E muitas vezes a bagagem era pesada, porque ao equipamento pessoal do combatente juntava-se o produto do saque.
Aquando da retirada, de volta a Espanha, as colunas francesas seguiam lentamente pelos campos, o que preocupava Massena e os seus lugar-tenentes, que queriam antes que as colunas marchassem depressa, para evitarem os ataques do exército anglo-português que os perseguia. Porém os burros, carregadíssimos, andavam lentamente e congestionavam os caminhos de tal modo, que isso provocou um acesso de fúria no marechal Ney, cujo corpo, o sexto, seguia na retaguarda, com a missão de repelir as cargas do inimigo e proteger a marcha do restante exército. Em Miranda do Corvo, perante o problema do bloqueio da ponte sobre o rio Ceira, face ao imenso mar de burros e furgões carregados, o vigoroso marechal ordenou que se lançasse fogo a todos os equipamentos, a começar pelos seus, e sem poupar os de Massena. Depois, numa acção cruel, mandou estropiar os burros para que não seguissem com ele, nem tivessem préstimo para o exército aliado que o perseguia. Colocou soldados à entrada da ponte com a missão de cortar os jarretes a todos os burros, sem excepção, à medida em que fossem chegando. «Uma enorme quantidade desses úteis animais foi assim sacrificada e, no exército, esta execução tomou o nome de “massacre dos inocentes”», escreveu o também tenente francês Bauyn de Péreuse.
Mau grado o descontentamento provocado entre os soldados, com esta acção atroz, o marechal prestou o serviço de aliviar as colunas, que melhoraram a mobilidade e a rapidez na execução das manobras de retirada.
Paulo Leitão Batista
O marechal André Massena, que comandou as tropas francesas na terceira invasão de Portugal fez-se acompanhar de uma amante, que esteve sempre a seu lado, e a quem os seus soldados chamavam jocosamente a «Galinha de Massena».
Era algo comum entre os oficiais generais de Napoleão fazerem-se acompanhar pelas respectivas mulheres durante as campanhas. Junot é disso exemplo, pois a esposa, Laura, veio com ele na terceira invasão, em parte para evitar o escândalo muito falado do tempo em que o marido estivera em Lisboa na primeira invasão, onde se deu a excessos com as mulheres portuguesas, nomeadamente com a condessa da Ega, a sua amante preferida.
Porém Massena trouxe consigo uma amante, de nome Henriette Lebreton, jovem mulher de um oficial de artilharia que servira Massena como ajudante-de-campo. A senhora tinha lugar nos aposentos do grande quartel-general, e era temida pelos restantes oficiais do estado-maior do marechal, pois tinha um enorme ascendente sobre ele.
Henriette, rapariga de apenas 18 anos, acompanhava o marechal para todo o lado, montando um fogoso cavalo e envergando um belo e sempre lustroso uniforme de dragão do exército imperial. Essa presença contínua da amante junto do marechal irritava sobremaneira os restantes oficiais generais, mormente os outros comandantes dos corpos. O marechal Ney, grande rival de Massena, que nunca aceitou bem o papel secundário que detinha no Exército de Portugal, ao estar submetido às ordem de outro marechal, reagia especialmente mal à presença da senhora.
Entre a tropa comentava-se a abusiva ingerência de Henriette nos assuntos militares, a pontos de começar a ser dada como a grande responsável pela fraca prestação de Massena. Conhecido por «Filho Querido da Vitória», apodo que lhe fora conferido pelo próprio Napoleão Bonaparte, que o tinha como o melhor dos seus lugar-tenentes, todos se questionavam acerca da real manutenção das suas capacidades de comando.
Ney considerava Massena uma sombra do passado. Com 52 anos, cego da vista esquerda, com uma perna estropiada e com fortes dores de coluna, Massena não era de facto o mesmo. Longe iam as campanhas gloriosas da Áustria e de Itália, onde se cobrira de glória. Em Portugal enfrentava Wellington, o mais astuto dos comandantes inimigos, que não dava combate sem ter garantias de que tudo jogava a seu favor. Porém, o fracasso dos movimentos das tropas francesas face ás linhas defensivas de Lisboa, a falta constante de mantimentos e a ausência de boas perspectivas de futuro, colocavam o exército apreensivo e a confiança no grande marechal Massena ia diminuindo, muito contribuindo para isso a presença da jovem francesa junto dele.
Paulo Leitão Batista
A retirada das tropas francesas por incapacidade para ultrapassarem as linhas fortificadas que defendiam Lisboa, iniciou-se em 7 de Março de 1811, deixando para trás uma região depauperada devido às constantes rapinas e destruições.
Durou cinco longos meses a permanência do exército invasor no triângulo compreendido entre as cidades de Santarém, Torres Novas e Tomar. Massena defrontou-se com a impossibilidade em ultrapassar as linhas de Torres Vedras, que praticamente nem sequer forçou, e decidiu esperar por reforços, à medida em que tentava lançar uma ponte de barcas sobre o rio Tejo, para progredir pela sua margem esquerda, onde esperava encontrar também melhores meios de subsistência.
Porém a ponte de barcas que chegou a ser construída, nunca foi lançada, porque Wellington, descobrindo essa intenção dos franceses, colocou tropas na outra margem do Tejo, vigiando todos os locais onde a ponte pudesse ser instalada.
Entretanto, a longa presença dos franceses foi especialmente penosa para a população. Parte dela cumprira as indicações de Wellington e da Regência, e acompanhara as tropas aliadas em retirada para lá das linhas, destruindo tudo o que pudesse servir aos invasores, seguindo a rigor o plano de «terra queimada» gizado pelo comandante inglês. Outros, porém, ficaram nas suas terras, ou porque pensaram que os franceses passavam longe e não os importunariam, ou porque resolveram pura e simplesmente desobedecer.
O facto é que o exército invasor teve de sobreviver e, nessa senda, atirou-se a tudo o que lhes poderia servir de alimento. A tropa estava também sequiosa por deitar a mão ao que tivesse valor, pelo que cidades, vilas e aldeias foram saqueadas até à exaustão. As pessoas foram maltratadas e muitas forçadas a colaborar indicando os esconderijos dos géneros e das riquezas, muitas vezes sob ameaças e através de sevícias. Foi um tempo terrível para aquelas populações, que viveram em situação de ocupação e usurpação permanentes.
Massena, sem esperança de receber os reforços que reclamara ao Imperador, e já sem condições de subsistência, por tudo já ter sido esbulhado, decidiu então retirar. O seu plano inicial era instalar-se em Coimbra, onde pensava encontrar meios para alimentação do exército. Restabeleceria as comunicações com Almeida e veria aí de uma vez garantido o recebimento de reforços. Porém a sistemática insubordinação do marechal Ney, que comandava o 6º corpo de exército, inviabilizou-lhe o plano, por não ter efectuado as manobras necessárias a atingir Coimbra.
Restou-lhe seguir com a retirada para Espanha, esboçando contudo o plano de relançar a invasão a partir do Sabugal. Dali avançaria para o Sul de Espanha, onde se juntaria ao exército do marechal Soult que aí operava. Mas mais uma vez a insubmissão de Ney, em Celorico da Beira, inviabilizou-lhe as intenções. A invasão teria fim com a decisiva batalha do Sabugal, travada a 3 de Abril de 1811.
Entretanto a tropa francesa deixava para trás terras completamente depauperadas. Grande parte das casas tinham sido queimadas ou demolidas, os animais abatidos para servirem de alimento e os que ainda viviam seguiram com o exército que retirava.
A terceira invasão francesa constituiu para as populações, especialmente as do Ribatejo e das Beiras um dos períodos mais negros da história. A miséria, a violência, a fome, o frio, e as constantes humilhações que passaram, não devem ficar envoltas na nuvem do puro esquecimento.
Paulo Leitão Batista
A Divisão Ligeira do exército britânico teve um papel fundamental na luta contra a invasão francesa de Portugal, tendo actuado em diversos cenários com grande heroicidade, incluindo na Batalha do Sabugal em 3 de Abril de 1811.
Face à previsão de uma terceira invasão francesa, Arthur Wellesley, então visconde de Wellington, reestruturou o exército britânico em divisões, nas quais integrou unidades portuguesas, que passariam a actuar em conjunto.
Em 22 de Fevereiro de 1810, criou a Divisão Ligeira, sucedânea da Brigada de Infantaria Ligeira, considerada uma tropa versátil e composta por militares de elite.
Entrega o comendo desta divisão ao general Robert Craufurd, um jovem promissor em cujo valor Wellington acreditava. Isso não foi pacífico, uma vez que tinha com ele outros generais mais antigos que ambicionavam a atribuição desse comando.
A divisão Ligeira estava equipada com a espingarda Baker, mais evoluída do que o musquete que equipava o resto da infantaria britânica. Essa espingarda tinha o cano estriado e era mais leve, tendo maior alcance e maior precisão no tiro. Além disso os homens que a constituíam eram escolhidos entre os melhores atiradores e era-lhes incutido um espírito de corpo e de sacrifício, que os tornavam capazes de efectuar missões descentralizadas, desgarradas do corpo principal do exército, em acções de reconhecimento e de retardamento onde a versatilidade e a velocidade de movimentação eram essenciais.
A nova divisão foi constituída pelos regimentos britânicos 42º, 53º e 95º, a que se juntaram os batalhões de caçadores portugueses números 1 e 3. A divisão foi ainda reforçada pelo 1º regimento de Hussardos da Legião Alemã do Rei, um corpo de cavalaria do exército alemão, que servia os ingleses em Portugal.
Wellington sabia que estava em posição de desvantagem face à excelente cavalaria de Massena, e decide colmatar a sua insuficiência de cavaleiros com o serviço da Divisão Ligeira, cuja versatilidade usou para constituir uma força de observação e de contenção. Assim, encarregou o general Craufurd de estabelecer a linha avançada do dispositivo de defesa de Portugal, dispondo as suas tropas entre os rios Côa e Águeda, com postos avançados muito próximos das tropas de Massena, que começaram por tomar Ciudad Rodrigo, antes de avançarem para Portugal.
Foi a Divisão Ligeira que retardou a invasão, envolvendo-se em refregas com a vanguarda francesa e movimentando-se com rapidez, procurando dar a entender que o grosso do exército estava próximo e pronto a enfrentar a força invasora. Contrariando as indicações de Wellington, Craufurd envolveu-se na batalha do Côa, junto à ponte de Almeida, onde se bateu valorosamente com as hordas do 6º Corpo do exército francês, que, sob o comando do marechal Ney, iniciou a terceira invasão de Portugal. Depois, perante o avanço do dispositivo francês em direcção a Lisboa, a Divisão Ligeira formou a retaguarda do exército anglo-português, procurando observar de perto a evolução da vanguarda da força invasora.
No Buçaco formou no flanco direito do dispositivo de Wellington, em missão de protecção, que cumpriu com denodo. Já nas linhas de Torres Vedras, ocupou um sector da defesa de Lisboa, em igualdade com as demais divisões do exército.
De volta ao Côa, a divisão ligeira, sob o comando interino do general Erskine, por ausência de Craufurd, de licença em Inglaterra, bateu-se na Batalha do Sabugal. Teve aqui uma acção decisiva, actuando com coragem quando apanhada numa situação desfavorável, o que lhe valeu rasgados elogios de Wellington.
Entretanto, já com Craufurd de volta ao comando, a Divisão Ligeira voltou a destacar-se no assalto à praça de Ciudad Rodrigo, em 8 de Janeiro de 1812, onde o seu mítico comandante é gravemente ferido, morrendo após quatro dias de sofrimento, sendo enterrado na brecha.
Paulo Leitão Batista
Fomos a Torres Vedras falar com o Coronel Manuel Francisco Veiga Gouveia Mourão, um dos autores do livro «Sabugal e as Invasões Francesas», que vai ser lançado no Sabugal no próximo dia 2 de Abril, por ocasião da evocação do bicentenário da Batalha do Sabugal. No livro o coronel Mourão descreve com grande minúcia essa última batalha com as tropas francesas em solo português, o que também serviu de mote para a animada conversa com o afável investigador.
– Foi o facto de ser militar a viver aqui em Torres Vedras, a cidade que deu o nome às linhas que defenderam Lisboa dos franceses, que o motivou a investigar e escrever acerca das invasões napoleónicas?
– Verdadeiramente eu nem sei bem como nasceu o meu gosto pela História mas, gostando deste ramo do conhecimento, é natural, pela minha profissão, que me interesse mais pela História Militar. Comecei por canalizar a minha atenção para o estudo da Primeira Guerra Mundial mas as comemorações do Bicentenário da Guerra Peninsular fizeram-me mudar de rumo. Esta é uma boa oportunidade para estudar este tema. Quanto à motivação para escrever sobre o assunto, essa é para mim uma consequência lógica da aquisição de conhecimentos. Estes terão de ser partilhados ou o trabalho de investigação (se é que o que eu tenho feito pode ser designado desta forma) torna-se inútil.
– Ao que sei trabalhou, enquanto oficial do exército, na área da História Militar, o que terá contribuído para aprofundar esse gosto pelo passado histórico.
– Isso é verdade. Em 1990 fui colocado na Escola de Sargentos do Exército onde exerci, entre outras funções, a de professor de História Militar. Antes disso, o meu contacto com a História Militar foi durante o Curso de Promoção a Oficial Superior, no IAEM, quando tive de apresentar um trabalho sobre as Linhas de Torres Vedras. Gostei de fazer o trabalho e a sua apresentação correu muito bem. Mais tarde, fui colocado na Direcção de História e Cultura Militar, onde terminei o serviço activo. Ali desempenhei várias funções e, a última, já na situação de reserva, tinha a ver com o estudo e divulgação da História e foi durante este tempo que decidi começar a publicar na Wikipédia os artigos sobre as batalhas em que participaram as forças portuguesas.
– E foi dessa forma que se deparou com a Batalha do Sabugal?
– Sim, o trabalho sobre a Batalha do Sabugal aparece no contexto de todo o trabalho que tenho desenvolvido. Esta batalha foi, na realidade, o último confronto importante, entre tropas anglo-lusas e tropas francesas, em território português. No entanto, quando Massena retirou deixou uma guarnição francesa em Almeida que só viria a abandonar Portugal alguns dias depois, numa fuga espectacular. Mas a Guerra Peninsular não termina com o fim das Invasões Francesas. Aliás, em 1812, Marmont entra em Portugal, embora por um curto período de tempo. Mas a Guerra Peninsular só termina em 1814, em França, e em todo este processo as tropas portuguesas são parte essencial do exército de Wellington. Mas, voltando à Batalha do Sabugal, procurei descrevê-la ao pormenor, a partir dos relatos que nos são apresentados pelos principais historiadores que escreveram sobre este tema: Napier, Oman e Fortscue. Nos trabalhos que tenho publicado sobre batalhas, para além dos antecedentes que nos permitem saber como se chegou aquela situação, tenho tido o cuidado de apresentar sempre dois elementos que me parecem fundamentais antes da descrição da batalha: o terreno onde se desenrola a batalha, e a composição das forças em presença. É muito difícil compreender qualquer descrição se não tivermos estes elementos presentes. Ao divulgar um texto sobre estes temas não estou a fazê-lo para quem conhece a organização militar, o que é uma divisão, uma brigada ou um batalhão.
– Descreveu e desenhou em croquis o próprio plano de Wellington para a batalha. Crê que ele pretendeu mesmo envolver e capturar o segundo corpo do exército francês, que estava na margem direita do Côa, um pouco acima do Sabugal?
– Como eu refiro no próprio texto (que irá ser publicado), não nos chega através dos autores que referi ou outros, uma clara definição do plano de Wellington. Fortescue e Charles Oman apresentam as intenções de Wellington de forma diferente. Li ambos os autores, verifiquei o terreno, através de mapas e croquis, vi a disposição inicial das forças e, perante isso, atendendo aos princípios doutrinários que se utilizavam (e utilizam) cheguei à conclusão que apresento. Se tudo fosse realizado de acordo com o que estava planeado, teria Reynier conseguido retirar? Se não conseguisse retirar, ofereceria resistência? E, se oferecesse resistência, teriam os outros corpos de exército, principalmente o oitavo, de Junot, oportunidade de intervir? São muitos «ses» que conduzem a raciocínios especulativos e esse não é, a meu ver, o trabalho do historiador.
– Mas Massena tinha outras forças muito perto, que podia enviar em socorro do segundo corpo. Será que Wellington não teve isso em conta?
– Repare que Wellington fixou o sexto corpo com a colocação de uma divisão na margem do Côa a sul do Sabugal. Por outro lado, utilizou as milícias de Trant e Wilson, a norte, ameaçando Almeida e fixando, desta forma, o nono corpo. O oitavo corpo estava recuado, em Alfaiates, muito maltratado. Fazer avançar essas forças em apoio do segundo corpo, de Reynier, significava para Massena aceitar outros riscos e ver a sua retirada cortada, não só para o segundo corpo mas para todo o Armée de Portugal. Wellington teve, certamente, isso em conta e, provavelmente, sabia que estava a correr riscos. Todas as operações militares envolvem riscos.
– À época, tendo em conta os meios de comunicação existentes, talvez fosse difícil ao comandante aliado ter conhecimento do real posicionamento de todas as forças inimigas…
– Existia um sistema de informações que funcionava. Forças de reconhecimento, os guerrilheiros ou a população, todos observavam e transmitiam o que viam. Existiam agentes no terreno em busca de dados que produzissem essas informações. Se olharmos para o dispositivo, não apenas das forças destinadas à batalha mas também que se destinaram a fixar os Sexto e Nono Corpos de Exército, vemos que Wellington tinha a noção clara da disposição das tropas francesas. De qualquer forma, os meios de comunicação poderiam facilitar, quando muito, o acompanhamento dos movimentos das suas próprias tropas. Mas, repare, a maior parte das fardas da época são bem coloridas. Os militares britânicos fardados de branco e vermelho são facilmente identificáveis no terreno. Na Roliça confundiram-se com as tropas suíças ao serviço dos franceses. As tropas ligeiras, como os Caçadores ou os «Rifles», utilizavam normalmente fardas com cor entre o castanho e o verde. Mas essas tinham, normalmente uma missão diferente e, para a cumprirem, deviam confundir-se o mais possível com o terreno.
– Tenho ideia de que Wellington era um general demasiado frio e calculista para se dar a uma aventura dessas, tendo por base o plano ousado que nos sugere.
– Wellington era de facto calculista, cauteloso, mas não deixava de mostrar audácia quando a oportunidade urgia. Sem essa audácia, Soult não teria sido expulso tão facilmente do Porto durante a segunda Invasão Francesa. Wellington soube sempre dar o devido valor ao terreno e aproveitar uma boa oportunidade para resolver a situação. Veja-se o desenrolar da Batalha de Salamanca, em que os exércitos inimigos observaram-se durante seis semanas e quando a oportunidade surgiu (também foi a necessidade de resolver a situação) Wellington atacou. Foi uma grande vitória. E actuava frequentemente com tropas numericamente inferiores às do inimigo. Em Fuentes de Oñoro, os aliados tinham menos 10 mil homens que os franceses. Wellington era um comandante que não fugia de se mostrar na linha da frente. Aliás, quando o seu prestígio era já muito maior que na época que estamos a tratar, Wellington utilizou a sua figura na linha da frente para influenciar as suas tropas e também as do inimigo. Foi assim em Sorauren, em Julho de 1813. Independentemente de tudo isto, Wellington terá cometido erros, como qualquer comandante. No campo da táctica, Napoleão é considerado um génio e cometeu erros…
– Ainda sobre a Batalha do Sabugal: concorda que foi porém o falhanço do plano de Wellington que ditou a vitória das forças anglo-lusas?
– Isso é especulação. Não o podemos afirmar dessa forma. O plano era plausível e pretendia alcançar um objectivo, porém algumas contrariedades, nomeadamente o nevoeiro cerrado e a consequente desorientação da força torneante, levaram à precipitação do combate. Na História, devemos procurar saber «como foi» e não «como seria se». Teria corrido bem se tudo se passasse como estava planeado? Não sabemos. Não se passou assim. Podemos, no máximo, procurar explicações para o que se passou. O que não se passou não existiu e o que não existiu não faz parte da História.
– Pelo que li da sua descrição da batalha, o desrespeito pelo plano deveu-se a erros de Erskine, o comandante interino da divisão ligeira, que fazia precisamente o tal movimento torneante a montante do rio Côa.
– Erskine comandava a divisão ligeira e a cavalaria. No comando da divisão ligeira substituía temporariamente Robert Craufurd. Erskine estava no exército de Wellington, não a pedido deste, pelo contrário. Charles Oman refere que a influência política de Erskine impediram Wellington de o enviar de volta para Inglaterra. Mas a verdade é que Erskine já tinha cometido erros, fez o que fez na Batalha do Sabugal e continuou no comando da divisão ligeira. O principal corpo de tropas sob o comando de Erskine era a divisão ligeira. Esta divisão tinha duas brigadas e isso significa que alguém tem que coordenar a acção das duas brigadas. Erskine, ao afastar-se com a cavalaria, deixou as brigadas por sua conta. Erskine foi uma figura muito polémica. Via mal e precisava que lhe indicassem a posição das tropas ao longe. O professor Charles Esdaile, autor de uma importante obra sobre a Guerra Peninsular, refere claramente o seu problema com a bebida. Outros referem a sua arrogância. É difícil saber o que há aqui de real ou de opinião mas é certo que foi uma figura polémica. Em resumo, na minha opinião, houve ausência de acção de comando por parte de Erskine.
– Massena terá dito mais tarde, em defesa da sua prestação em Portugal, que, tirando os canhões que deixou deliberadamente para trás durante a retirada, apenas perdeu para o inimigo uma peça de artilharia no Sabugal. Esse desejo de não deixar capturar peças e a inversa vontade de o conseguir, explicam essa disputa tão acirrada no Sabugal, por um simples obus?
– É sempre importante capturar artilharia ao inimigo. Impede-o de a utilizar contra a força que a capturou e isso é mais importante quando a artilharia não é numerosa. No entanto, o obus da Batalha do Sabugal, a sua captura, perda, recaptura, serve apenas para ilustrar melhor a forma como o combate se desenrolou, numa sucessão de ataques e contra-ataques, num terreno onde, no meio, tinha ficado um obus francês. Mais importante que perder um obus era deixar capturar o estandarte da unidade. O obus estava no local dos combates mas estes não se travaram por causa do obus.
– Voltamos a Massena, que elogiou Reynier pelo seu desempenho na Batalha do Sabugal, dado que conseguiu retirar em boa ordem, sem grandes perdas. Mas a verdade é que os franceses tiveram no Sabugal uma pesada derrota, não acha?
– Uma pesada derrota não significa necessariamente um mau desempenho do comandante ou das tropas derrotadas. Os franceses perderam a batalha, disso não há qualquer dúvida, porém temos de aceitar que Reynier teve o sangue frio suficiente para retirar de forma ordenada e de acordo com a doutrina táctica. Uma retirada perante um inimigo mais forte não é uma operação fácil nem do ponto de vista da execução táctica nem do ponto de vista do moral das tropas. Se não for executada com firmeza torna-se uma debandada o que significa, antes de mais, um número muito mais elevado de baixas. É normal darmos muita importância aos vencedores. Certamente será merecida e, neste caso, as tropas da divisão ligeira, foram merecedoras dos maiores elogios. Ficamos orgulhosos dos nossos batalhões de Caçadores, o 1 e o 3, que ali estiveram presentes. Com isto temos a tendência para ignorar ou depreciar o trabalho realizado pelos derrotados. Temos de ser cautelosos com este procedimento porque, ao estudarmos as retiradas de Soult ou de Massena no decorrer das segunda e terceira invasões francesas, temos de concluir que os soldados franceses eram bons soldados e os generais que os comandavam eram, em geral, grandes generais. O facto de terem sido aqui derrotados não lhes retira os méritos merecidos. Napoleão foi um grande general mas, por vezes, deu aos seus generais missões impossíveis.
plb
O escritor e filósofo raiano Jesué Pinharanda Gomes acedeu ao pedido dos autores do livro «Sabugal e as Invasões Francesas» para escrever o prefácio da obra, que está em fase de edição, e tem o seu lançamento agendado para o Sabugal, na tarde do dia 2 de Abril. Com a anuência do seu autor, adiantamos um pouco do que será o prefácio.
Que significado tem a gesta ribacudana das Invasões Francesas, tirante o inevitável protagonismo de Almeida? E, todavia, se é verdade que a queda de Napoleão e a derrota da França imperial começaram na Península, de modo muito particular em território português (antes de terminarem nas estepes geladas da Rússia e no cenário tonitroante de Waterloo), é também verdade que o poder napoleónico sofreu a última corrida em pêlo em território português, em Riba Coa, nos espaços dos antigos concelhos de Cima Coa, com realce para o Sabugal, de modo especial.
Napoleão foi «rei de Portugal» de facto, e de Espanha, ainda que delegasse a realeza, ou imperialidade, ou em Junot, aclamado como «El-rei Junot», celebrado na gloriosa pintura da autoria de Domingos Sequeira, ou em José Napoleão, quanto a Espanha, mas Napoleão era de facto El-rei. Viu-se e atrapalhou-se perante o cenário de uma quase primitividade bélica assente, em Portugal, numa tropa que logrou brilhar nas hostes inglesas do Arthur Wellesley, duque de Wellington, e na espontânea militância de camponeses e saloios, nas esperas das guerrilhas pelos bosques da Estremadura e das Beiras. Estas são, de resto, sublinhadas em obras especializadas de, por exemplo, Rosamund Waite (Life of the Duke of Wellington), de J. Chastenet (Wellington, com tradução portuguesa de 1945), ou, com mais pormenor, em The French Campaign in Portugal, 1810-1811, de Donald Horward. Além, claro, dos cronistas franceses que registaram os nefastos dias do Coa e do Sabugal, e dos portugueses, nas crónicas da Guerra Peninsular.
A aventura ou gesta relativa às invasões, focalizando o caso específico do Sabugal, encontra-se reconstruída e descrita neste livro, cujo epílogo põe a nossos olhos o fim, sem remissão, do General Massena, incapaz de satisfazer o projecto do Imperador, e dessa atroz figura do «Maneta», o famigerado Loison. Tudo com o fim na Batalha do Sabugal, junto ao Coa, em 3 de Abril de 1811. Fim militar, ou politico-militar, porque a outra «invasão», a ideológica, a da recepção dos ideários da Revolução Francesa (frutificante entre nós a partir de uns dez anos mais tarde, 1820), achou na presença militar franco-inglesa, oportuna sementeira.
J. Pinharanda Gomes
Como se diz no evangelho de S. João, «no princípio existia a palavra». Porém, para a feitura deste livro, eu preferiria dizer, no princípio havia muitas palavras, havia muitos textos. Os autores – o Coronel Manuel Veiga Mourão, o Dr. Paulo Leitão Batista e eu próprio – já tínhamos trabalhado muito sobre o tema da guerra peninsular, cada um no seu respectivo domínio.
Mas citando ainda a Bíblia, o livro da génese, poderíamos afirmar que «a terra estava ainda informe e vazia». Era portanto necessário dar um impulso à ideia de valorizar o trabalho de cada um. Para resumir, afirmaríamos, como no prefácio, que «ventos favoráveis e convergentes congregaram os autores deste livro…num intuito de recordar as invasões francesas em terras de Riba-Côa e, mais precisamente, no Sabugal».
Fazendo agora a leitura da génese do «Sabugal e as Invasões Francesas» podemos afirmar que a sua feitura assemelha-se a um conto de fadas que se pode contar assim. Era uma vez um coronel que passava os seus tempos de reformado a escrever sobre a história militar e mais particularmente sobre a participação do nosso bravo exército na chamada guerra peninsular. Os seus artigos, todos bem documentados, eram colocados gratuitamente à disposição na biblioteca digital, que alguns até desvalorizam, designada Wekipédia. Depois das minhas leituras de Charles Oman, Fortescue, Baron de Marbot, Thiers, Napier e tantos outros, voltava, de vez em quando aos artigos da Wikipédia e constatava que se encontravam ali valiosos e condensados resumos relativos a estudos que estava a realizar e, sobretudo, a batalhas travadas em terras de Riba-Côa: Sabugal, Almeida, Ponde de Almeida e cercos de Cidade Rodrigo. Era como que a repetição da matéria. Mão amiga encaminhou-me o mail do autor desses artigos e resolvi enviar-lhe os meus escritos que descreviam as mesmas épocas, em lugares coincidentes. Pela pronta resposta na volta do correio, percebi que textos destes lhe interessavam. Percebi também que estava diante de um militar que não poupava o seu sabre para cortar uma ou outra palavra, para corrigir um regimento em vez de uma divisão e, sobretudo, não consentir a despromoção de um qualquer oficial que eu não tinha colocado no seu devido posto.
A troca de mails intensificou-se e percebi que o seu saber deveria ser aproveitado para poder valorizar as gentes e as terras do Sabugal, as quais nem sequer faziam a menor ideia do valor do seu património histórico-militar. Aliando a sua generosidade e competência, o Coronel Manuel Mourão veio reconfortar-me no meu receio de não me apresentar como o profeta rejeitado da terra onde nasci ou como o santo que na sua própria terra não faz milagres. Ao meu desafio aceitou colaborar prontamente nesta aventura e trouxe-nos o seu saber técnico-militar para nos descrever a importante Batalha do Sabugal, baseada no melhor que existe actualmente sobre o assunto.
Tal como em qualquer manobra militar, o tempo é um elemento precioso muito difícil de gerir. A data das comemorações aproximava-se e apercebi-me que o escritor do Capeia Arraiana, Paulo Leitão Batista, já tinha quase um arrátel de livro escrito no seu assíduo blogue. Os dados estavam lançados. Só faltava um editor. E bati logo à porta da Orfeu, e já sabia que o Dr. Joaquim Pinto da Silva, não iria virar as costas ao Sabugal, a estas terras e a estas gentes que precisam de ser divulgadas nos seus feitos, valores e tradições. Também o grafista, Paulo Rocha, estava fiel ao seu posto. Entusiasmou-se com o manejar das armas, com os soldados que ia vestindo e revestindo para lhes colocar a devida cor das fardas da época. E até se lembrou de colocar a figura caracterizada de um soldado de cara rosada e numa posição bem british que se batia em terras portuguesas com os caçadores 3 e os Red Coat da famosa e temida Light Division.
Este trabalho escrito a três mãos foi uma verdadeira batalha ganha num tempo record. Mas, seguindo o exemplo de Lord Wellington, com tropas bem treinadas e disciplinadas pode-se manejar bem e rapidamente a escrita para ganhar ao inimigo o esquecimento, porque duzentos anos depois, é justo celebrar este acontecimento com dignidade e valor.
Além de ser um prazer para todos nós a sua escrita, este livro parece quase uma obra virtual. Por mais estranho que pareça e acredite quem quiser, nenhum dos autores se conhece pessoalmente. Nunca se viram antes. Só se conhecem por telefone e por mails. Iremos encontra-nos pela primeira vez na apresentação do livro, no auditório do Sabugal, no próximo dia 2 de Abril.
Esta é também a contribuição que os intelectuais, no bom sentido da palavra, animados num espírito cívico, pretendem ofertar às gentes e aos representantes do Sabugal, no momento em que se comemoram os duzentos anos em que o tempo de Napoleão poderia ser transformado num tempo de subserviência e subjugação perante o louco imperador que sonhou ter a Europa inteira a seus pés e que, tal como uma carraça, nunca mais largava Portugal.
Joaquim Tenreira Martins (Investigador do CAPP – ISCSP)
No bicentenário da Batalha do Sabugal, vai ser lançado o livro «Sabugal e as Invasões Francesas», que dá a conhecer a real importância do Sabugal e da sua região no contexto dos movimentos militares e dos confrontos que ocorreram no decurso da Guerra Peninsular.
O livro, editado pela Orfeu, tem três autores, o que proporciona perspectivas diferentes do que foi o Sabugal no contexto das invasões napoleónicas.
Manuel Francisco Veiga Gouveia Mourão descreve em pormenor a Batalha do Sabugal, acontecida em 3 de Abril de 1811. Explica as movimentações de retirada do exército de Massena, descreve o local onde se deu a batalha e as forças em presença, decifra os planos de Wellington para o confronto e a forma como realmente a batalha ocorreu. Os textos são complementados por croquis muito elucidativos, onde se observam os movimentos planeados e as manobras que foram de facto executadas.
Joaquim Tenreira Martins escreve sobre o Sabugal no tempo de Napoleão. Explicita o contexto histórico em que aconteceram as invasões francesas, com destaque para a terceira, que foi a que mais afectou a região do Sabugal. Desenvolve uma sugestiva e interessante tese acerca das duas «tentações» de Massena em diferentes momentos do movimento de retirada. Descreve o contexto em que aconteceu a Batalha do Sabugal e pormenoriza os planos e os movimentos das tropas que se digladiaram depois em Fuentes de Oñoro.
Paulo Leitão Batista traça alguns retratos do que foram as movimentações militares, os combates e os actos colaterais, tendo por cenário Riba-Côa e em especial as terras raianas do Sabugal. Descreve episódios pouco conhecidos e traça o perfil de alguns dos famosos generais que por aqui passaram em campanha.
O prefácio do livro é da autoria do escritor e filósofo quadrazenho Pinharanda Gomes, que aceitou escrever algo acerca da oportunidade da publicação da obra.
E quem são os autores do livro, que será apresentado no Sabugal, em sessão pública, no dia 2 de Abril?
Manuel Francisco Veiga Gouveia Mourão, Coronel de Infantaria na Reserva, natural de Lisboa e residente em Torres Vedras, é especialista na área da História Militar, sendo ainda colaborador da Wikipédia no domínio da Guerra Peninsular.
Joaquim Tenreira Martins, nascido em Vale de Espinho, no concelho do Sabugal, e a residir em Bruxelas, é investigador do Instituto Superior de Ciência Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa e desde há alguns anos que tem estudado e publicado artigos sobre a temática das invasões francesas.
Paulo Leitão Batista, natural do Sabugal e a residir em Lisboa, é co-autor do blogue sabugalense Capeia Arraiana, onde tem publicado textos sobre as invasões francesas. Foram precisamente esses textos que estiveram na base do seu contributo para o livro que vai agora ser editado.
plb
Loison foi um general e conde do Império Francês, que participou nas três invasões de Portugal. Ficou muito popular pelas piores razões, pois o povo, que o imortalizou como «Maneta», sofreu na pele os horrores do seu comportamento criminoso. Esteve acampado na Ruvina, no final da terceira Invasão.
Henri-Louis Loison nasceu a 13 de Maio de 1771, em Damvillers, filho de um deputado da Assembleia Constituinte. Alistou-se no exército aos 20 anos e passado um ano era tenente. Já capitão de hussardos, serviu na actual Bélgica, onde liderou o saque à célebre e riquíssima abadia de Orval, seu primeiro acto de grande atrocidade.
Promovido a general de brigada, participou na repressão da insurreição monárquica de 1795, sendo depois nomeado presidente do tribunal que condenou os cabecilhas da revolta.
Em 1799 serviu na Suiça, sob as ordens de Massena, que o promoveu a general de divisão. No ano seguinte participou na Campanha de Itália onde se bateu em batalha sob as ordens do marechal Ney.
Em 1806 perdeu o braço esquerdo num acidente de caça, o que o colocou fora do comando das tropas durante largos meses. Recuperado, participou no cerco de Colberg, na Alemanha, e foi nomeado governador de uma região do novo Reino da Vestefália.
Em finais de 1807, foi nomeado comandante da 2.ª divisão do Corpo de Observação da Gironda, que, sob o comando de Junot, invadiu Portugal. Foi o homem de mão de Junot para punir os actos de rebeldia dos portugueses. Isso é especialmente notório a partir de Maio de 1808, perante sinais de uma insurreição geral, o que levou Junot a encarregar Loison de expedições punitivas exemplares. Ocupou então diversas povoações portuguesas, de norte a sul, praticando todo o género de crueldades contra as populações, ferindo, açoitando e matando quem lhe surgisse pela frente. O povo chamava-o «Luisão» e «Maneta», ficando então a usar-se na linguagem popular o lugar comum «ir para o maneta», em analogia com o destino fatal de todos aqueles que o Maneta apanhava.
Finda a primeira invasão, Loison foi, em 1808, enviado para o corpo do marechal Soult, a quem Napoleão encarregou de uma segunda invasão, entrando pelo Norte. Bom conhecedor do País, Soult enviou-o por diversas vezes em campanha, a fim de pacificar zonas revoltosas ou para cobrir os movimentos do exército francês, continuando a praticar as suas malfeitorias sobre o povo.
Fracassada a segunda invasão, regressou a Espanha e, em 1810, esteve de novo ao comando de uma divisão, integrado agora no corpo de Ney, com o objectivo de entrar em Portugal, no exército de Massena. Loison combateu na batalha do Buçaco, ocupou diversas posições defronte das Linhas de Torres e evoluiu às ordens no movimento retrógrado. Massena vivia em conflito permanente com o fogoso Ney, que por sua vez detestava Loison. A rivalidade entre os marechais culminou na decisão de Massena destituir Ney do comando do 6º Corpo, em plena retirada, quando as tropas se encontravam em Celorico da Beira, tentando suster o avanço aliado.
Loison foi então escolhido para comandar o 6º Corpo, mas as tropas, que sempre tiveram Ney como herói, não se adaptaram ao novo comandante. Loison não tinha o carisma e a capacidade de comando do seu predecessor. O 6º Corpo, era a elite do exército invasor, que havia coberto toda a retirada desde Santarém, mas com Loison passou a ser uma estrutura pesada e difícil de movimentar.
Massena ordenou a Loison que ocupasse o vale do Côa, e a Junot e Reynier, os outros dois comandantes de corpo, que avançassem pelo Sabugal para sul, pretendendo relançar a invasão. Porém o atrito com Ney e a consequente demora na manobra do 6º Corpo fizeram fracassar este plano. Loison ocupa a margem direita do rio Côa, instalando-se na Ruvina, a partir de onde comandou os seus homens, com vista a garantir que as forças anglo-portuguesas não passassem o rio.
Entretanto Junot deixou Belmonte e Sortelha e recuou para Alfaiates, onde Massena estava instalado, e Reynier acampou no Sabugal, começando-se a desenhar um definitivo retrocesso dos franceses para Espanha. Wellington, à frente do exército anglo-luso, atacou Reynier no Sabugal, o qual esperou pelo socorro de Loison, que porém não foi capaz de lho prestar. Optou antes por levantar o acampamento e partir da Ruvina para Alfaiates, onde se juntou a Massena, daí recuando para Espanha.
A curta passagem de Loison pelo concelho do Sabuhgal, não deu azo a mais que os normais e puros actos de guerra, dentre os quais as acções de saque às populações a fim de garantir a subsistência do exército. Loison era um homem cansado da guerra, que transportava a fama terrível de general sanguinário e cruel. Porém não passava, nesse momento de uma sombra de si próprio.
Já acantonado em Espanha, pediu insistentemente uma licença, que acabou por lhe ser concedida, e abandonou o comando do corpo, regressando a França.
Em Maio de 1812 foi enviado por Napoleão para a campanha da Rússia, onde combateu abnegadamente.
Regressado a França em 1814, passou a comandante de uma região militar e, no ano seguinte, passou à disponibilidade. A queda de Napoleão fê-lo passar em definitivo à posição de reformado, indo viver em Liége, no recém-criado Reino dos Países Baixos, onde morreu em 30 de Dezembro de 1816, com apenas 45 anos.
Paulo Leitão Batista
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