Já tinha o tema dos cursos de cristandade alinhado, quando me cai nas teclas o tema dos sefarditas. Calma! Não vou dizer que no Casteleiro também há vestígios físicos sefarditas. Não digo que não haja. Digo que não sei se há e digo mais: que julgo que não há… Mas há, isso sim, outros vestígios – aqui como em todo o Portugal.
Na minha terra, outra religião, a «nossa», marcou o terreno com os chamados Cursos de Cristandade a década de 60. Para que não houvesse dúvidas sobre qual a marca religiosa da zona. Os Cursos de Cristandade foram um marco. Estava-se ali por 1960 e poucos, havia algum adormecimento de algumas pessoas (leia-se: alguns homens) que não iam à igreja, que se mantinham como que independentes, no seu registo de «má vida». A Igreja não gostava disso. Os párocos tentaram convencer esses «prevaricadores» de que tinham de salvar-se – indo aos cursos. Alguns, ao que sei, na Espanha: um aliciante. Mas a maioria, ali mesmo ao lado, no Santuário da Senhora da Póvoa, no então Vale de Lobo.
Um curso de Cristandade era uma espécie de retiro, segundo se ouvia. Mas muito mais intenso. E com um pendor de acção psicológica que faria inveja aos cursos de operações especiais da tropa… Um tratamento forte e radical. Uma forte lavagem ao cérebro. A pessoa vinha de lá mudada, de facto. Quase todos, se não mesmo todos. Nos primeiros tempos, era uma coisa séria: os antigos não praticantes tornavam-se fanáticos doentios. Uma espécie de tropa de choque do «regime» religioso. Eram os cursillos e até tinham um hino: De colores, que pode ouvir aqui, cantado pela diva Nana Mouskouri.
Alguém se lembra?
Começava assim:
De Colores!
De Colores se vistem los campos en la primavera.
De Colores!
De Colores san los pajaritos que vienem de fuera.
De Colores!
De Colores es el arco-íris que vemos lucir.
A partir do Curso, quando alguém dizia «caraças», aqui d’El Rei que era uma grande asneira e isso não se diz e tal… os mesmos que, antes do Curso, nem punham os pés na igreja e passavam o tempo na sueca e na lerpa.
Mas também lhes passava depressa.
Três meses depois, já tinha voltado tudo ao normal. Voltavam à lerpa e a má vida – passe a expressão.
Judeus no Casteleiro?
Agora, sim, a questão sefardita.
Na Idade Média, muitos judeus passaram por aqui e se fixaram em muitas terras de Portugal. Mas não eram bem vistos na época. Costuma dizer-se que os judeus foram sempre perseguidos: no Egipto, como por todo o Mundo.
Começo por recordar que, no meu tempo de meninice, judeu era uma ofensa. «Aquilo é um judeu». A pessoa era má. Mas isso era por influência (errada) religiosa. Para mim, judeu era também o homem das peles: um comerciante de Belmonte, sempre de motorizada, que comprava as peles dos animais mortos, sobretudo dos borregos. Julgo que ninguém sabia o nome dele: era o judeu d Belmonte. Racismos escondidos… Comprava peles, tinha bigode, uma motorizada com um reboquezito, era judeu e era de Belmonte. Coisa banal, sei hoje.
E no Casteleiro? Há ou não vestígios de presença sefardita, os judeus mais comuns na Península? Não sei. Não tenho conhecimento para avaliar, pelo menos ao nível dos vestígios físicos. Mas uma coisa sei: o meu nome e dezenas de outros do Casteleiro são de origem sefardita. Nesta área, por todos, consultei o académico brasileiro José Ribeiro da Silva Júnior, a que pode aceder aqui. Este autor garante como nomes de origem sefardita nas Beiras pelo menos os seguintes que encontro no Casteleiro:
– Abreu,
– Azevedo,
– Campos,
– Carrilho,
– Carvalho,
– Figueiredo,
– Fonseca,
– Gomes,
– Gonçalves,
– Gouveia,
– Isaac,
– Lopes,
– Machado,
– Madeira (s),
– Martins,
– Mendes,
– Nunes,
– Paixão,
– Paiva,
– Peralta,
– Proença,
– Seixas,
– Serra,
– Serveira (mas julgo que com C),
– Silva, Silveira, Tavares (de Mello, também nome sefardita): Morgado de Santo Amaro…,
– Soares.
Ou seja: por aqui, somos quase todos meio judeus (de nome, pelo menos).
Fica aí uma pequena amostra para que se saiba que, se não conhecemos património arquitectónico, podemos reclamar e muito bem o património imaterial onomástico.
Não sei se sou descendente de judeus, mas lá que eles andaram por aqui, disso não me resta dúvida.
Turismo cultural de base sefardita na região?
Fiquei encantado e admirado, quase incrédulo, quando li que 15 empresários da nossa zona se juntaram em torno de um projecto comum: valorizar e aproveitar as sinergias de um património específico: o dos judeus em geral e em especial os sefarditas que habitaram em grande número muitas destas aldeias e vilas.
Fico satisfeito e desejo o maior sucesso – isto sem branquear o sionismo, ligação que muitos pretendem, mas que é totalmente errada. É a História e a Memória contra a barbárie.
O projecto chama-se «Sepharad Lands».
Dizem-me mesmo que se trata de uma iniciativa única na região, o que me deixa satisfeito e curioso.
Os judeus por cá foram sempre ostracizados, marginalizados, em muitas épocas até perseguidos, graças à «vigilância» raivosa dos ministros da Igreja, que se sentiam ameaçados na sua autoridade pela presença de outras crenças, sobretudo da «original».
Agora, o património sefardita poderá até ser fonte de rendimento na área do turismo cultural.
Longe vão pois os tempos em que se inventavam palavras como «safardana», a significar pessoa sem vergonha – e que era claramente uma corruptela de «sefardim», o nome dos judeus da Península Ibérica.
Vou ficar atento ao e a torcer pelo Projecto Sepharad Lands / Terras dos Sefarditas.
«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
5 comentários
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Segunda-feira, 20 Fevereiro, 2012 às 12:02
kim tomé
Pois eu posso afirmar que sim que no Casteleiro também há património arquitectónico Sefardita.
Fui eu mesmo que o verifiquei aí como em muitas outras freguesias do concelho.
E quanto ao projecto Sepharad Lands … é de facto uma iniciativa com futuro, vamos a ver se nesse mesmo futuro não acontece como outras iniciativas de que fui o “Pai” e se não vêm outros tentar apropriar-se da ideia e tentar ganhar louros que não lhes pertencem, como acontece amiude no Sabugal.
Mas o importante é que as pessoas ganhem consciência de que se pode fazer pela terra sem gastar milhões de euros e sem andar a bajular os outros.
Como alguém dizia (e agora não me lembro quem era) “é fazendo que se mostra a razão”.
E essa ninguém me a pode tirar.
Domingo, 28 Fevereiro, 2016 às 14:59
Germain, Gomes
Caros senhores,
Se voce tiver dados sobre famillias judias de Casteleiro.
Cuprimentos
Germain
Segunda-feira, 20 Fevereiro, 2012 às 16:21
José Carlos Mendes
Caro KT,
Se houver em formato digital, imagina o meu interesse e curiosidade em conhecer esses vestígios na minha terra…
Se quiser fazer o favor, peço que encaminhe para um dos administradores do «Capeia», que eles me farão chegar (nem falei com eles, mas sei que assim será…).
E agradeço, claro.
Segunda-feira, 20 Fevereiro, 2012 às 22:18
kim tomé
José Carlos Mendes porque não falar disso pessoalmente? 🙂
Eu estive no Casteleiro a fazer um levantamento superficial e posso afirmar que sim que há.
Alias tenho que lá voltar pois houve uma coisa que me deixou “uma pulga atrás da orelha” 🙂 envie-me um mail ou tente entrar em contacto comigo através da Casa do Castelo, e depois combinamos… às tantas com a colaboração dos dois até se descobrem mais coisas interessantes 🙂
um abraço
Sexta-feira, 26 Fevereiro, 2016 às 16:01
Germain, Gomes
Caros senhores,
Tenho antepassados en Casteleiro, cerca de 1700, familia Da Silva que foram depois para Peraboa e Alcaide ….
Se voce tiverem dados sobre historia sefardita en Casteleiro ficarei muito contente.
Melhores cumprimentos.
Germain Gomes