Nesta Europa das «Pátrias Chicas», «Santas Terrinhas» ou «Terrae Patrum», que é a deste primeiro século do terceiro milénio, não há dúvidas de que as freguesias onde se pratica a capeia raiana constituem, agregando-se-lhes as espanholas onde se usam os falares fronteiriços de Alamedilha e Xalma, um bloco monolítico.
Levantadas em derredor das encostas portuguesas e castelhanas da mesma cadeia orográfica, cercadas até há pouco por uma dupla cintura de caminhos de ferradura, servindo de nascentes a rios – Coa, Águeda e Erges – que, por caminhos diversos e dispares, se irão juntar nas imensidades do Mare Nostrum, as respectivas populações, embora binacionais, têm secularmente vivido existência que bem se pode dizer comunitária.
O trigo e o azeite da parte salamantina, as mantas de toucinho e as tarraças de untura, as azeitonas e os escabechados de peixe grosso, as laranjas e os melocotones das encostas de lá tornaram-se triviais na mesa dos ribacudanos fronteiriços.
Como os povos de Alamedilha a Valverde del Fresno ou San Martin de Trevejo se habituaram ao leite, enchidos ou carnes frescas do lado de cá e até às nossas batatas e aos nossos feijões.
É o lado mais fortemente materializado – o da sustentação do corpo – a agir harmoniosamente com os laços linguísticos e a tradição em geral.
Dialectos carregados de leonismos, levam a que cá e lá aonde são muitos os que falam não grave, mas charro.
Historicamente, à guerrilha miguelista levantada na Raia Sabugalense pelo Padre João Barroca, correspondem os vários curas carlistas que deram corpo à Primeira Guerra Civil de Espanha, um século anterior à Cruzada do Caudilho Franco.
Ainda hoje são muitas as irmandades de almas e confrarias sufragiantes que mandam celebrar os seus trintários de missas em conventos transfronteiriços.
E dando resposta ao despovoamento e descristianização imperantes na parte portuguesa são padres e sacristãos feudatários da Sé de Cidade Rodrigo, que a de Cória eclipsou-se, quem se encarrega das cerimónias fúnebres em terras da Capeia.
Material e espiritualmente, constituem, pois, os Charros uma unidade hipotalássica.
«O concelho», história e etnografia das terras sabugalenses, por Manuel Leal Freire
1 comentário
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Quinta-feira, 18 Outubro, 2012 às 2:02
João Valente
Almedilha teve cura de apresentação portuguesa até mais recentemente, A população era, e ainda hoje é, bilingue, pelo menos na geração mais velha. Por isso sempre foram conhecidos na Raia como “MESTIÇOS”. D. Filipe e sua esposa, gentis amigos de meu pai, e por sua vez pais do meu querido amigo Filipe, correlegionário nalgumas saídas nocturnas em que o arrobo da juventude nos levava até Cidad Rodrigo e mais além, se preciso fosse, quando amavelmente me recebiam em sua casa, falavam um português igualzinho ao do lado de cá da raia. As afinidades são muitas!