Os civilistas justinianos e quantos se lhe seguiram ao longo dos séculos, passando pelos bolonhistas, dão como ponto assente que os contratos para prestação de facto se esgotam no do «ut facias», ou seja – eu dou isto para que tu faças isso.

Manuel Leal Freire - Capeia ArraianaOs eleitores dão o voto para que o votado execute em contrapartida o programa de governo que apresentou. Isto é indubitavelmente certo, não permitindo duas interpretações.
É certo que este nosso mundo é, passe o paradoxo, o do incerto e efémero. O que os candidatos a governantes podiam acautelar com uma cláusula. Nenhum o faz, porque nenhum tem a intenção de cumprir o programa, ponto a ponto, pois todos sabem da impossibilidade de o fazer.
E até de razoavelmente se aproximarem do projectado, até porque o projecto é uma simples meta para que se tende.
Mas em face do não cumprimento, os eleitores, pelo seu lado, não têm nenhuma hipótese de denunciar imediatamente o contrato. Para tanto, não detêm meios, e a única sanção que lhes é possivel aplicar é, findo o prazo do contrato, não o revalidar, elegendo outros que também não poderão honrar o sinalagma.
Em face da impossibilidade de cumprimento, os eleitos poderiam demitir-se, o que nada resolveria, e, não havendo, nem podendo objectivamente haver, qualquer sanção penal ou sequer civil para o incumprimento, a solução é aguentar.
Muitos governantes confessam viver terrivéis dramas de consciência, ante o incumprimento. A maior parte vai vivendo o dia a dia com as benesses que o poder propicia, embalado quando não obrigado pela clientela.
E todos os regimes têm de ter em linha de conta o homem tal qual ele é, com virtudes e imperfeições, com fraquezas e tentações, e não o homem como deveria ser – o Cândido, de Voltaire, «O bom selvagem», de Rousseau, ainda não corrompido pelo meio.
Mas o homem é, por natureza imperfeito e mesmo imperfectível. E se é certo que todos constituímos, desde Adão, uma cadeia que vive sempre, continuamente aprende e dia a dia se aperfeiçoa, não é menos verdade que o espírito de Caim continuará a influenciar-nos negativamente até que no Vale de Josafá ressoem as trombetas do Juízo Final.
Depois, o Poder deslumbra, pelo que, mesmo de boa fé e recta intenção, os eleitos não resignam.
Vem-nos à mente um poema de Torga:
Na frente ocidental nada de novo
O povo
Continua a resistir.
Sem que ninguém lhe valha
Geme e trabalha
Até cair

«Caso da Semana», opinião de Manuel Leal Freire