Os civilistas justinianos e quantos se lhe seguiram ao longo dos séculos, passando pelos bolonhistas, dão como ponto assente que os contratos para prestação de facto se esgotam no do «ut facias», ou seja – eu dou isto para que tu faças isso.
Os eleitores dão o voto para que o votado execute em contrapartida o programa de governo que apresentou. Isto é indubitavelmente certo, não permitindo duas interpretações.
É certo que este nosso mundo é, passe o paradoxo, o do incerto e efémero. O que os candidatos a governantes podiam acautelar com uma cláusula. Nenhum o faz, porque nenhum tem a intenção de cumprir o programa, ponto a ponto, pois todos sabem da impossibilidade de o fazer.
E até de razoavelmente se aproximarem do projectado, até porque o projecto é uma simples meta para que se tende.
Mas em face do não cumprimento, os eleitores, pelo seu lado, não têm nenhuma hipótese de denunciar imediatamente o contrato. Para tanto, não detêm meios, e a única sanção que lhes é possivel aplicar é, findo o prazo do contrato, não o revalidar, elegendo outros que também não poderão honrar o sinalagma.
Em face da impossibilidade de cumprimento, os eleitos poderiam demitir-se, o que nada resolveria, e, não havendo, nem podendo objectivamente haver, qualquer sanção penal ou sequer civil para o incumprimento, a solução é aguentar.
Muitos governantes confessam viver terrivéis dramas de consciência, ante o incumprimento. A maior parte vai vivendo o dia a dia com as benesses que o poder propicia, embalado quando não obrigado pela clientela.
E todos os regimes têm de ter em linha de conta o homem tal qual ele é, com virtudes e imperfeições, com fraquezas e tentações, e não o homem como deveria ser – o Cândido, de Voltaire, «O bom selvagem», de Rousseau, ainda não corrompido pelo meio.
Mas o homem é, por natureza imperfeito e mesmo imperfectível. E se é certo que todos constituímos, desde Adão, uma cadeia que vive sempre, continuamente aprende e dia a dia se aperfeiçoa, não é menos verdade que o espírito de Caim continuará a influenciar-nos negativamente até que no Vale de Josafá ressoem as trombetas do Juízo Final.
Depois, o Poder deslumbra, pelo que, mesmo de boa fé e recta intenção, os eleitos não resignam.
Vem-nos à mente um poema de Torga:
Na frente ocidental nada de novo
O povo
Continua a resistir.
Sem que ninguém lhe valha
Geme e trabalha
Até cair
«Caso da Semana», opinião de Manuel Leal Freire
3 comentários
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Quinta-feira, 21 Junho, 2012 às 15:46
João Valente
O meu querido amigo, permita-me discordar… não é um contracto sinalagmático, mas um pacto leonino!…
Sexta-feira, 22 Junho, 2012 às 16:15
João Valente
… nós votamos, em contrapartida, “esfolam-nos”!
Sábado, 23 Junho, 2012 às 12:22
José Carlos Mendes
Caro Professor,
Vou entrar nesta sua questão pelo lado sério, se me permite – e que acho que é também o seu.
Mas, para não molestar outros leitores, peço-lhe que abra este link e me leia: http://lisboalisboa.blogspot.pt/2012/06/o-para-mim-enigmatico-fenomeno.html .
Ali termino a coisa dizendo que «esta questão para mim é mais do ramo do enigmático do que do sinalagmático… ou seja: confesso que este fenómeno das eleições para mim aparece muito mais ligado à essência humana da tentativa e do erro do que aos vários ramos do Direito. Peço desculpa pelo arrojo, mas é assim que o sinto».
Acrescento com sinceridade que muitas outras vezes tenho discordado de si por outras razões. Mas fico na minha sem me manifestar.
Desta vez achei que, com tantos anos de política activa e sem nunca ter conseguido perceber o fenómeno na sua profundidade, devia partilhar este pensamento aqui.