O Soito deu-nos já excelentes testemunhos do que foi a sua vida colectiva nas últimas décadas, através de livros escritos por pessoas simples, autênticos memorialistas, que escreveram e publicaram com a única pretensão de deixarem para a posteridade a sua visão da vida que viveram. Um exemplo disso é José Nabais, o contrabandista que emigrou para França onde fundou a SONAB, uma empresa de sucesso.

O livro «José Clandestino», de escrita bilingue (Francês e Português), da autoria de José Nabais, revela sobretudo uma imensa vontade de partilhar uma história de vida. José Nabais é emigrante radicado em França, saído do Soito nas primeiras vagas de raianos que procuraram fugir à miséria. E foi um emigrante que teve sucesso, ultrapassando com luta e determinação as dificuldades que se atravessaram no caminho.
Escrito na primeira pessoa, o texto, ora bem estruturado, ora simplório, dando nota da falta de uma boa revisão ortográfica, é a confidência de uma vida e de uma fabulosa aventura. De criança José Nabais, o mais velho de uma boa prole de irmãos, ajudava o pai nas tarefas do campo e, na adolescência, tornou-se contrabandista.
O pai era severo, como aliás rígidos eram os demais pais naquela época de grandes trabalhos e constantes privações. Só ou acompanhado, a pé ou montado num cavalo, com pesado carrego às costas, viveu o perigo daquelas jornadas nocturnas, à mercê dos encontros com guardas-fiscais ou carabineiros.
Comia-se mal na aldeia, que os tempos eram difíceis e os mimos não abundavam. Só que o corpo tinha de responder à necessidade de trabalhar, para assim se remediar a vida: «Apenas quando ia trabalhar para os campos ou fazer contrabando é que me davam pão de trigo fino ou um pedacito de chouriço ou de carne».
No geral dos dias comia-se um caldo escoado muito especial, servido pela mãe, logo de manhã:
«Coziam-se em água as batatas cortadas às rodelas. Engolíamos o caldo num instante. Depois tínhamos direito às batatas, mas com pouco azeite. Às vezes punha-se a panela das batatas em cima da mesa. No meio da mesma encontrava-se um prato onde o azeite flutuava no cimo da água. Tínhamos o direito de pegar nas rodelas das batatas e de as molhar no azeite mas só de um lado, para poupar o azeite.»
Depois, aos 17 anos, José Nabais parte clandestino para França. Foge da terra e da miséria, no rasto de uma esperança no futuro. Foi a salto, entregue a passadores. Rasgou uma fotografia em duas partes, entregando uma à mãe e guardando a outra no bolso. Quando, após longos dias andando a pé ou de carro, passando fome e sede, chegou ao destino, entregou a sua metade da fotografia ao passador para este a devolver ao pai e receber o que faltava do pagamento do serviço.
José viveu num bairro de lata, numa simples barraca, de volta com vários conterrâneos que compartilhavam mesa, cama e a demais miséria. Apanhou piolhos, sentiu o gelo das noites de inverno, foi a pé ou de bicicleta para o trabalho. Mas o esforço e o sentido de responsabilidade trouxeram-lhe a felicidade. Vingou como trabalhador, passou de servente a pedreiro e depois a empreiteiro. Em breve formou uma empresa, a SONAB, que chegou a empregar largas dezenas de trabalhadores de diferentes nacionalidades, e executou serviços na área da construção em toda a França e até no estrangeiro.
Um DVD acompanha o livro, contendo uma entrevista a José Nabais e filmagens sobre o Soito nos dias de hoje.
«Sabores Literários», crónica de Paulo Leitão Batista

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