Depois de alguns anos desencontrado, voltei a ter o grato prazer da companhia do ilustre escritor sortelhense Vítor Pereira Neves. O reencontro ficou marcado por uma memorável viagem ao Alentejo, por onde andámos numa jornada completa, com o historiador e investigador a servir de guia por entre os vestígios do nosso passado longínquo.

De Lisboa a Évora é uma hora de caminho, por auto-estrada. Ainda Vítor Pereira Neves explicava a origem dos montados e a razão de tanta terra de pousio, quando atingimos as imediações da cidade. Tomamos uma via à direita e seguimos até Guadalupe e depois para Valverde, em cujas proximidades visitámos a Anta do Zambujeiro, um monumento fúnebre de grande imponência.
No Período Neolítico, que corresponde aquele em que o monumento foi construído, os grandes chefes militares eram sepultados no interior de antas. As explicações vêm de quem conhece, e aqui impera a sabedoria do Dr Pereira Neves: «Escolhiam sempre uma encosta voltada a Nascente e o monumento era erguido em local próximo de uma linha de água. Colocavam ao alto esteios enormes, com vários metros, que eram encimados por uma grande laje, que assentava em forma de chapéu. Após cerimónia fúnebre, era costume cobrir o jazigo com cascalho e depois com uma camada de terra, fazendo com que tomasse a forma de um monte, ou de mamão, ou mama».
A Anta do Zambujeiro estava originalmente soterrada, sendo identificada devido à erosão, que colocou a descoberto as pedras do monumento. Uma exploração desenvolvida por estudantes de arqueologia permitiu identificar o monumento, tornando-o depois um grande atractivo da região.
Pereira Neves não está satisfeito. O monumento está ao abandono, mantendo ainda um velho telheiro que foi erguido provisoriamente aquando das explorações. «Quanta gente do mundo inteiro aqui viria ao Alentejo, se soubéssemos preservar vestígios históricos como estes e criar condições para que as pessoas os visitem?» perguntou o historiador com ar de desalento.
Ao almoço abancámos no restaurante Ricardo, em Valverde, onde degustámos a excelência gastronómica desta época no Alentejo: o borrego assado no forno, regado por um bom vinho de Estremoz.
Após a refeição voltámos a Guadalupe, e dali, seguindo por caminho antigo, alcançamos o conhecido Cromeleque dos Almendres ou do Alto das Pedras Talhas, situado no cimo de uma encosta, também voltado a Nascente. «Se as antas eram lugares para os mortos, os cromeleques eram lugares para os vivos, uma espécie de santuários onde se realizava o culto colectivo», explica Pereira Neves. Impressiona a vista do conjunto de menires dispostos em leque, formando uma espécie de anfiteatro.
O investigador posicionou-se no alinhamento do sol com as pedras e, explicou o significado da geometria das pedras. Depois demonstrou a existência de vestígios de um corredor em todo o perímetro do cromeleque. «Era um corredor de culto, por onde passavam pessoas e animais nas festividades», explicou o meticuloso Pereira Neves.
Falava o anfitrião no significado dos termos «Almendres» e «Pedras Talhas», quando chegou uma revoada de turistas franceses, que desceram de um autocarro. Uma guia parecia orientá-los na visita às pedras sagradas, mas logo Pereira Neves lhes foi ao encontro, expressando-se em francês e dispondo-se a explicar o necessário. Num ápice o grupo dispensou a guia, passando a seguir com redobrada atenção as cuidadas explicações do velho arqueólogo, que lhes indicava o significado do impressionante monumento, comparável com as enigmáticas pedras de Stonechenge e de Carnac na Ilha da Páscoa.
Deixámos o alto das Talhas e fomos observar o menir principal, disposto a algumas centenas de metros do cromeleque, por ter sido retirado, segundo o historiador, do centro do santuário, que era o seu lugar original.
Já de regresso a casa, cruzando a estrada, Pereira Neves confidenciou-me saber de um cromeleque que ainda não estava sinalizado, que uma vez descobrira nas suas explorações. E, não resistindo à ideia de me mostrar o achado, dirigiu-se pela estrada de Arraiolos, junto à qual o monumento estava implantado.
Imobilizou a viatura na berma da estrada e instou-me a segui-lo em busca do local. Porém uma rede de arame, recentemente disposta, cortou-nos o passo e o historiador de Sortelha anteviu o pior: «a mata parece ter sido limpa recentemente e eu não vislumbro as pedras, o mais certo é terem sido levadas por máquinas de rasto».
Desolado com o possível atentado ao património histórico, Pereira Neves dispunha-se a encetar a viagem de regresso, quando lhe sugeri que se poderia ter enganado no local, e talvez nada estivesse perdido.
Fomos mais adiante, «para descargo de consciência», como disse o historiador e arqueólogo, e quedámo-nos em local que ele considerou como provável ponto de acesso ao monumento. Embrenharmo-nos no mato e caminhámos até atingirmos um pequeno montado virado a Nascente, onde eu mesmo vislumbrei as silhuetas dos menires por entre os sobreiros. «Já vejo as pedras!», avisei. Pereira Neves concentrou o olhar no ponto que lhe indicava e exclamou comovido: «Felizmente!».
Este cromeleque era manifestamente inferior ao dos Almendres, ocupando uma área menor, embora mantivesse ao centro o grande menir. O investigador mediu distâncias a passo, tirou alinhamentos, apontou alguns pormenores, fixou pontos de referência e considerou ser urgente classificar este achado, para assim o salvaguardar. E prometeu que iria tratar disso.
De volta a casa, o notável escritor e historiador sabugalense era um homem satisfeito. Reencontrara as pedras que julgara perdidas e, assim disposto, contou-me histórias da suas constantes passagens pelo concelho do Sabugal, lamentando que a Câmara Municipal não tenha livros de sua autoria, nem para dar ao presidente da República quando visitou Sortelha a seguir ao incêndio do último Verão. «Encontrei-me recentemente com ele e ofereci-lhe o livro “Sortelha, Museu Aberto”, tendo-me ele afirmado que colecciona monografias e essa lhe estava em falta». «Descanse, Dr Pereira Neves, que ninguém é profeta na sua própria terra», aventei-lhe em ar de consolação.
plb