Custa-me a desprender do que escrevo e, por isso, releio, de quando em vez, textos escritos há mais tempo. É como que uma repetição na continuidade. Entre o terminar de um texto e o principiar de outro pode abrir-se a oportunidade de saborear algum escrito mais antigo.

Fernando Capelo - «Terras do Jarmelo»Há dias ao reler uma crónica publicada no Capeia Arraiana, em junho de 2011, tive oportunidade de ler um comentário que lhe foi feito em julho do mesmo ano. Só agora dei por ele!
No Brasil (onde um texto pode chegar!) o senhor Marcelino Júlio leu e comentou fazendo saber que seu avô Joaquim Júlio Monteiro era natural das Cheiras sendo, portanto, meu conterrâneo.
Devo confessar que acolhi com enorme satisfação a referida nota. Desde logo pela sensação de poder confirmar que, desta aldeia perdida no profundo interior português, houve quem partisse para o mundo. Depois porque os que partiram não se perderam deles próprios e continuam a demonstrar interesse pelas origens. Confesso ainda um certo conforto pelo facto de saber que um simples texto chegou bem longe e pôde proporcionar-me o contacto com um compatrício ausente.
Já fiz, evidentemente, alguma investigação perante os mais idosos, nas Cheiras, sobre o senhor Joaquim Júlio Monteiro mas não a suficiente para chegar a conclusões. Tenho, sim, encontrado algumas pistas nas memórias vivas que pude inquirir. Infelizmente elas não foram tão claras quanto eu gostaria. Há-de continuar, portanto, o meu trabalho.
Claro que é, para mim, importantíssimo saber do paradeiro daqueles que, forçados a sair para terras incertas, deixaram para trás o bocadinho de terra plana colada à base de um Monte que foi o nosso nascedouro comum.
Sei que partiram e sei que levaram Portugal dentro deles. Sei que não foram vencidos pelo medo. Sei que, em bom rigor, nunca abdicaram da sua terra e sei, ainda, que eles próprios desejam que ela não seja mais amputada. Mas também sei que a liberdade de viver só é real quando a dignidade existe e enquanto esta conseguir ser irreversível.
Hoje, por cá, o perigo de partir ainda não terminou e volta a andar à solta. Tudo se assemelha, cada vez mais, aos tempos das antigas partidas. Repete-se, hoje, o perigo de Portugal se repartir em vários e diferentes Portugais distintos e desiguais que, em conjunto, integram uma sociedade fragmentada.
Não são boas, não senhor, estas notícias… mas são reais.
No entanto permanecem, na nossa terra, marcas de uma antiquíssima identidade. Isso posso confirmá-lo. Posso também sublinhar que, por cá, gostamos imensamente dos que partiram e reconhecemos-lhes muita coragem na sua tentativa, na sua procura de melhorar vida. Sabemos bem que eles não fizeram coisa pouca, até porque conseguiram ganhar o tempo de um tempo difícil. Desejamos, tão só, que o tempo de regresso não expire. Nunca foram largos os prazos quando se tratou de vencer o tempo e o tempo de esperar pelos que lutam afincadamente na vida nunca foi nem será excessivo.
Todos, então, desejamos que algum regresso ainda caiba na nossa espera mesmo que tal regresso não seja definitivo.
«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo