César Príncipe, ele próprio honra e lustre do nosso actual jornalismo, acaba de lançar através da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, um livro que, embora sob a capa do imaginário, nos convoca e concita.

Manuel Leal Freire - Capeia ArraianaOs jornalistas de hoje, e o termo é aqui usado nas suas máximas extensão e compreeensão abrangendo todos os fazedores e difusores de opinião, qualquer que seja o orgão que sirvam ou o meio em que se insiram ou a ideologia que professem, estão de tal forma condicionados que acabam todos por – ACTIVA, PASSIVA ou até REACTIVAMENTE – se tornarem seguidores do politicamente correcto.
Os poderes de facto – que raramente são aqueles que julgamos mais ou menos legitimamente constituídos, quase sempre espuriamente desde o repúdio do princípio omne potestras a deo – é que ditam o caminho que tem de seguir-se.
E sob o signo da inevitabilidade.
Carreiro ou autoestrada, segundo o ângulo de apreciação, estão ladeados por inacessíveis e indestrutíveis taludes.
E as saídas laterais, quando existam, são trancadas a ferro.
Do poder oculto das alfurjas dimanam as instruções para os governos.
E tudo o que os sábios, não os de Sião, mas os da Babilónia, proclamam tem de cumprir-se.
Até para sectores que dir-se-iam insuspeitos.
Mas dominados pelos grupos de pressão, que, acredite-se ou não, dominam tudo – OMNIPRESENTES e OMNIPOTENTES.
As provas sao indesmentíveis.
Quando Portugal se preparava para a organização do campeonato europeu de futebol, os construtores de estádios decretaram que a salvação nacional só poderia advir do monopólio do turismo futebolístico que nós asseguraríamos, cobrindo todo o território nacional duma complexa rede de equipamentos específicos.
Cidades, vilas e até algumas aldeias avançaram então, todos, convencidos como os cruzados, que corriam para os lugares santos.
Houve vozes que chamaram a atenção para a tonteria.
O ápodo menor que na circunstância receberam foi o de Velhos do Restelo.
Hoje, um outro grupo de pressão, muito mais perigoso porque nos leva à ruína total, é o que prega a missão dos empréstimos internacionais como o único meio de salvação.
A comunicação social, toda ela, passou, recebida a ordem, desta forma, a marcar-nos um único caminho.
Parece realizar-se assim, a maldição antevista por Eça, através do seu alter-ego Fradique Mendes, em carta endereçada a Bento de S.
Trascrevamos:

«A tua ideia, meu caro Bento, de fundar um jornal é mesquinha e execrável… Tu vais concorrer para que na tua terra e no teu tempo se aligeirem mais os juízos ligeiros, se exacerbe mais a vaidade e se endureça mais a intolerância…
Considera como foi a imprensa, que, com a sua maneira superficial, leviana e atabalhoada, de tudo afirmar, de tudo julgar, mais enraizou no nosso tempo o funesto hábito dos juízos ligeiros…
Para julgar o facto mais complexo, contentamo-nos com um boato, mal escutado a uma esquina num dia de vento.
E quem nos tem enraízado estes hábitos de desoladora leviandade?
O jornal.
Com que soberana facilidade declaramos – este é uma besta, aquele é um malandro.
Já para proclamar – é um génio ou é um santo – oferecemos uma resistência mais considerada.
Ainda assim, quando uma boa digestão ou a macia luz de um céu de Maio nos inclinam à benevolência, também concedemos bizarramente – e só com lançar um olhar distraído sobre o eleito – a coroa ou a auréola, e aí empurramos para a popularidade um maganão enfeitado de louros ou nimbado de raios.
E quem nos tem enraizado esses hábitos de desoladora vaidade – o jornal.»
E continuavam as queixas… Que, todavia, logo cessavam em confissões de rendição.
«Mas esta carta», aduzia Eça, «já vai longa, vai como a de Tibério, muito tremenda e verbosa – verbosa et tremenda epístola – escrevia o imperador, e eu tenho pressa de a findar para ir, ainda antes do almoço, ler os meus jornais, com delícia».
Foi este doce engano de alma, ledo e cego que os manipuladores de opinião aproveitaram, ontem, para nos convencer que a nossa salvação estava nos estádios de futebol e de que agora a felicidade vem da Troika.
«Caso da Semana», opinião de Manuel Leal Freire