António Robalo foi eleito presidente da Câmara Municipal do Sabugal nas eleições autárquicas de 11 de Outubro de 2009. Os sete lugares na vereação foram divididos entre o PSD com três (incluindo a presidência e vice-presidência), o PS (de António Dionísio) com três e o MPT (de Joaquim Ricardo) com um. As dificuldades de governar sem maioria absoluta levaram a que o presidente António Robalo chegasse a um entendimento com o vereador Joaquim Ricardo garantindo assim os quatro votos necessários nas votações do executivo camarário. O Capeia Arraiana publica estas segunda e terça-feiras uma grande entrevista com o engenheiro António Robalo, presidente da Câmara Municipal do Sabugal, sobre as grandes questões da actualidade e do futuro do concelho raiano. (Parte 1).

Grande Entrevista - António Robalo - Presidente - Câmara Municipal Sabugal - Capeia Arraiana

– Já passaram cerca de nove meses desde as eleições autárquicas. Como foi gerir a Câmara Municipal do Sabugal sem a chamada maioria absoluta dos vereadores?
– Por um lado tive sempre consciência que devia respeitar o voto popular e arranjar uma forma que permitisse a governabilidade da Câmara e por outro sabia que estaria em causa a minha capacidade pessoal para gerir essa realidade. Ao longo da minha vida sempre tive alguma facilidade de relacionamento e gestão de recursos humanos. Por isso sabia que mais tarde ou mais cedo as pessoas iriam perceber que seria necessário dar as mãos pelo Sabugal. O Sabugal é uma casa comum. Compreendo que aqueles que são eleitos pela primeira vez, em especial os vereadores da oposição, também querem marcar presença e mostrar serviço. Eu sentia nas reuniões do executivo essa vontade exacerbada de querer fazer tudo de uma vez. Pouco a pouco foram percebendo que a gestão de um município obedece a timings e, tal como disse no comunicado onde expliquei o acordo com o vereador Joaquim Ricardo, fui analisando as suas posturas pessoais e a melhor forma de alcançar uma acalmia governativa.
– O acordo com Joaquim Ricardo resulta de uma análise de personalidade ou porque seria a aliança natural…
– É um misto. A verdade é que todos sabemos que as duas grandes forças políticas em confronto no Sabugal – e na alternância do poder em Portugal – são o PSD e o PS. Também por isso seria sempre uma aliança improvável. O vereador do MPT mostrou disponibilidade e eu percebi que é uma mais-valia para a equipa. Aproveito esta entrevista para fazer uma afirmação que nunca fiz nem antes nem depois da campanha. Somos um território isolado e deprimido onde falta quase tudo apesar de todos os executivos anteriores, cada qual à sua maneira, muito terem feito para modernizar o concelho e estancar a saída de pessoas. Passadas as eleições, falar de partidos num território como o nosso é um discurso divisionista e apenas serve para deitar areia para os olhos dos sabugalenses. Não quero com isto dizer que defenda as unanimidades até porque nas campanhas eleitorais estão em confronto os estilos próprios de cada candidato mas… depois das eleições todos devemos saber ocupar o nosso lugar e colaborar com serenidade na defesa dos interesses desta casa comum que é o Sabugal.
– A maioria das infra-estruturas concelhias e nas freguesias – água ao domicílio, saneamento, calçadas, acessos – estão realizadas. Quais são agora as principais apostas? O futuro passa pelo resultado de iniciativas como, recentemente, as da Pró-Raia na Feira da Agricultura e na loja do Mundo Rural ou o encontro com o ministro da Agricultura e agricultores no Sabugal? O futuro passa pela produção nesta região que sempre foi rural?
– Vamos comparar um concelho urbano – por vezes com excesso de pessoas – e um concelho rural – desertificado e envelhecido – como o nosso. Para os senhores dos ministérios as competências destes dois concelhos são as mesmas. Não há diferença nenhuma na atribuição de verbas e subsídios. O concelho do Sabugal não gere receitas próprias. Praticamente sem actividade económica e consequentemente sem empresas e pessoas a pagar impostos cerca de 90 por cento das receitas vêm do Orçamento de Estado. No entanto, teoricamente, as competências são as mesmas. Os campos de actividade de uma câmara como a do Sabugal não podem ser idênticos aos de uma grande urbe. A autarquia é o maior empregador do concelho mas deve ir além das competências reguladoras, fiscalizadoras e de prestação de serviços aos cidadãos. A câmara tem uma responsabilidade muito importante na dinamização da economia criando formas de apoio ao investimento privado que o funcionalismo público não está habituado a tratar bem. Este é o meu grande paradigma. Chegar a uma autarquia e gerir os serviços no dia-a-dia apenas para garantir a aplicação dos decretos-lei não é o papel do presidente e do executivo. Tenho que ir mais além. A Câmara tem que ser dinamizadora e potenciadora do investimento económico.
– Como é que se passa da teoria à prática neste apoio ao investimento privado?
– É fundamental a identificação dos sectores económicos onde podemos ser mais produtivos e mais competitivos e apostar na dinamização dessas potencialidades com as pessoas que temos. Sabemos os pontos fortes e pontos fracos nessa matriz e estamos, pouco a pouco, a encontrar soluções para a grande aposta: incentivar e apoiar a produção rural no nosso concelho. Gostaria de promover o mês da truta, o mês do cabrito, o mês do mel, o mês dos cogumelos e da castanha, o mês do bucho… o mês do património, ou seja, desenvolver e potenciar a nossa produção ao longo do ano. E não tem que ser necessariamente sempre com dinheiro. Podemos apoiar com estruturas de apoio, recursos humanos, meios materiais e promocionais ou redução das burocracias nos serviços camarários agilizando e simplificando os regulamentos processuais que são elaborados pela própria câmara e aprovados em assembleia municipal. Vou apostar no apoio às várias actividades agro-pecuárias – caprinicultura, silvicultura, plantação de castanheiros – porque tal como afirmei durante a visita do senhor ministro da Agricultura ao Sabugal, temos terra e água para a produção agrícola… Para os investimentos industriais privados há vários tipos de incentivos que a Câmara do Sabugal oferece aos empresários dependendo apenas da análise às necessidades de cada caso. Os incentivos podem passar pela venda de lotes a preços acessíveis, pela cedência de direitos de superfície, pelo apoio nas infra-estruturas, pela integração de projectos em estratégias de eficiência colectiva no território, pela isenção do pagamento de taxas de licenciamento ou pelo apoio técnico. Para congregar estas ofertas vamos criar uma estrutura de apoio ao investidor denominada SabugalInvest…
– …a Câmara do Sabugal está a oferecer, num processo quase inédito a nível nacional, terrenos agrícolas a quem os quiser cultivar. Qualquer pessoa pode-se candidatar? Mesmo que seja de fora do concelho?
– Eu disse: temos terra, temos meios de produção mas… falta-nos gente. Estamos por isso a desenvolver o projecto, no sentido de captar gente que venha viver para o território e esteja disposta a trabalhar na produção agrícola. A Câmara do Sabugal, per si, não tem terrenos para dar ou emprestar. É um processo que estamos a desenvolver em colaboração com as Juntas de Freguesia e as associações de produtores locais. Há Juntas no concelho para já criaram as suas «bolsas de terras» para disponibilizar a potenciais interessados. Não quero dar o exemplo simplista dos «sem terra» no Brasil mas sim dizer que gostaria que nos batessem à porta pessoas interessadas em vir tratar as nossas terras. Há poucos dias tive uma reunião no Salão Nobre com um grupo de caprinicultores e indiquei-lhes os funcionários camarários disponíveis para os apoiar neste projecto. Temos, felizmente, nos serviços camarários uma série de jovens técnicos ligados à floresta, à produção e higiene alimentar, formação, distribuição e comercialização. O meu grande objectivo é ter na Câmara equipas de encaminhamento para todas as áreas da produção, antes, durante e depois. Neste momento se alguém chegar à Câmara para se candidatar a este projecto já vai ser encaminhada para as Juntas de Freguesia de Quadrazais, Bendada e Fóios que estão a trabalhar nesse campo porque já sentiram que por aí pode ser o caminho. Todos estes sectores de economia podem, em conjunto, concertar esforços uns com os outros. Estamos a colocar no terreno grandes actividades industriais que não impedem o desenvolvimento de outras economias. Estamos a colocar no terreno produtos potenciadores de gastronomia, gastronomia potenciadora de turismo, turismo potenciador da promoção dos patrimónios natural e construído. Eu gostava que o Sabugal fosse um pólo de excelência rural com toda a carga que isto representa. Pólo de excelência rural, marca e símbolo de produção de qualidade, de preservação histórica, cultural e ambiental. Vamos potenciar estas realidades com lógicas realistas que permitam realizar receitas para a autarquia. O mundo é feito de equilíbrios. Se a balança só pender para um lado… Salvaguardando o equilíbrio ambiental e social do concelho temos de desenvolver a sustentabilidade do nosso ambiente e da nossa economia.
– Há grandes projectos municipais que absorvem a maior fatia do orçamento camarário. A balança está, neste momento, muito desequilibrada…
– Está. Aquele que mais rapidamente nos pode trazer retorno é o das Termas do Cró. A minha preocupação é encontrar o parceiro privado certo e conseguir manter elevada a ocupação no complexo termal. Tenho vontade de planificar o concelho para a terceira idade. Neste momento os maiores empregadores do concelho são os centros de dia e os lares. A estratégia passa por promover o território como «concelho amigo da terceira idade». Qualificámos as acessibilidades, as freguesias, estamos a qualificar o rio Côa, desde a nascente até Badamalos, como ponto de concentração de actividades e pessoas. Há cerca de 13 anos que tenho responsabilidades na Câmara Municipal do Sabugal. Quando comecei – e isto não é uma desculpabilização – não havia estádio municipal relvado, pistas de atletismo, pavilhão, piscinas, auditório ou museu. As nossas aldeias não estavam tão qualificadas como estão agora… mais vias de comunicação… evidentemente que se voltássemos atrás todas as estradas são importantes mas… e não estou a falar daquela que mais se fala… mas houve alguns erros e a aposta em algumas vias que não seriam tão prioritárias mas foram opções políticas. Tenho alertados as Juntas de Freguesia para a lógica da prioridade dos investimentos e a maioria ainda não entendeu este paradigma. Eu fui presidente de Junta de Freguesia e sei que numa aldeia há sempre qualquer coisa que pode ser feita. Nem que seja limpar um caminho onde ninguém passa ou alargá-lo mais meio metro. Mas a vida tem de ser feita de opções. Tenho sentido resistências dos colegas autarcas de freguesia neste processo de captação de investimento, na ajuda à produção local, nomeadamente, agricultura, pecuária e floresta… Temos que inverter esta atitude que nos impuseram de Bruxelas estes anos todos. «Não produzam nada, arranquem a vinha, arranquem a oliveira, deixem-se estar quietos que nós damos subsídios para não fazerem nada» e agora o dinheiro ficou caro e a solução é voltar à produção agrícola.
– Fica a sensação que os autarcas se esqueceram das potencialidades do rio Côa. Temos praias fluviais de muita qualidade sem qualquer promoção. É só sensação?
– A requalificação do rio Côa é uma obra da Câmara Municipal que envolve cerca de 800 mil euros. É um projecto que não tem avançado por causa da burocracia e que está integrado na construção do Parque de Campismo de altíssima qualidade estratégico em dois eixos – Vale do Côa e Serra da Estrela – e por isso está a ser mimado e acompanhado pela Associação de Municípios do Vale do Côa, pelo Turismo Serra da Estrela e pelo Turismo de Portugal. Se conseguirmos concretizar o projecto como está previsto passaremos a dispor de um parque de campismo de topo em Portugal que vai dinamizar toda a actividade e potencialidades do rio Côa…
– …até há muito pouco tempo o Sabugal sempre se recusou a integrar a Região Turismo Serra da Estrela…
– Há cada vez mais uma necessidade de concertação regional. Ao longo destes anos as Câmaras e Juntas de Freguesia faziam investimentos que não contemplavam parcerias com as suas vizinhas. Cada uma fazia o que entendia resultando por vezes em obras desgarradas e sem qualquer lógica regional. A necessidade aguça o engenho. A União Europeia obriga à concertação regional e privilegia projectos transfronteiriços numa tentativa de acabar com a fórmula «cada um para seu lado». Aproveito para dizer nesta entrevista ao Capeia Arraiana que a Guarda não tem contribuído em nada para esta unidade territorial regional. E dou dois exemplos: o trajecto, com dois túneis, da A23 prejudicou claramente o concelho do Sabugal. Se o traçado contornasse a montanha pelo lado da Bendada não estaríamos agora a discutir a ligação à A23. A ligação natural, com passagem por fora de Pêga e do Adão, seria em Santana da Azinha na zona da discoteca Nova Dimensão. O segundo exemplo é o Hospital da Guarda. Devemos ter orgulho num parque de saúde que devia ser referência ibérica na especialidade de pneumologia. Mas quando temos uma excelente localização na confluência entre a A23 e a A25 e uma ambulância quando vai do Sabugal, de Almeida ou de Celorico tem que demorar mais 10 minutos para subir até à Guarda, apenas com o objectivo de dinamizar o centro da cidade… é claro prejuízo para todo o distrito.
(Final da primeira parte. Continua amanhã, terça-feira.)
jcl