Gerações e gerações a olhar do Vale lá para cima e a imaginar lendas, fazem deste rochedo um mito local. Fica na encosta que dá para o Vale Casteleiro / Castelo de Sortelha, mas do lado esquerdo de quem sobe. É um simples barroco. Mas, por ser tão imponente, sempre encantou as pessoas.

Quem não conhece o imenso e belo vale que liga a Serra da Vila (Sortelha) ao Casteleiro, nem vai imaginar do que falo. Mas quem conhece, vai gostar de ler.
Há muitos, muitos anos, nos tempos de antanho, houve uma lenda encantadora que incluía mouras encantadas e a certeza popular de um tesouro escondido debaixo de um rochedo enorme – o Barroco Riscado.
O penedo vê-se de quase todo o Vale. Na foto, fica à direita do campo observado.
Por este mesmo vale, mas do outro lado, corre a mítica Ribeira da Nave, tradicional fonte de fertilidade, com a sua água abundante e cristalina.
Nestes campos de todo o vale, milhares e milhares de pessoas labutaram, de geração em geração, produzindo o essencial do seu sustento.
Todo o Casteleiro e muita gente de Sortelha sempre viveram o Vale e os seus mistérios.
Olhar cá de baixo para o Castelo deve ter feito as delícias de toda a miudagem desde tempos idos. Da minha, na década de 50 do século XX, fez de certeza – e não acredito que eu fosse muito diferente, enquanto criança, dos miúdos deste local que viveram no tempo em que se usava a Calçada Romana como via de atravessamento do Vale ou dos que ali viveram na Idade Média, por exemplo.
Pois é neste Vale que o Barroco Riscado ganha proeminência de quase feitiço.
É no vale que a água que se bebia ou ainda se bebe se faz acompanhar de uma camada superior esverdeada, que na minha meninice o meu avô me garantia ser de urânio. E nada de estranho nisso, soube depois: as Minas da Bica são ali mesmo, do outro lado da encosta, e foram exploradas para a extracção de urânio pelos ingleses na II Guerra Mundial. Nada mais simples de entender do que os veios de água que percorrem a serra trazerem à mistura resquícios do famoso metal. E não se pode esquecer que nos anos 30 do século XX e até 1950, mais coisa, menos coisa, exploraram os mesmos ou outros ingleses na Serra da Pena, a poucos quilómetros, as Águas Rádium também famosas e muito bem publicitadas em jornais de Castelo Branco, por exemplo.
«Rádium» – radioactivas, radioactividade, urânio… estão a ver?
Pois volto ao Barroco Riscado, para terminar com uma história de encantar as crianças que nós éramos. O povo chamou-lhe «riscado» porque tem a meio, lá em cima, uma enorme fissura de lado a lado: por causa de algum abalo sísmico, de certeza.
Subi lá apenas uma vez, quando era um jovem dos meus 15 ou 16 anos.
Foi valente aquela aventura.
É preciso que saiba que no cimo daquela rocha há umas poças redondíssimas, seguramente em resultado da erosão do vento e da chuva, mas que a imaginação popular nos vendeu sempre como sendo os pratos em que comiam as mouras encantadas que viviam dentro do Barroco Riscado…
Por outra parte, contava-se que um dia um cavaleiro e o seu aio passavam pelo local e o nobre terá lido o seguinte numa inscrição feita na pedra: «Quem me voltar, grande surpresa há-de encontrar». Mais ou menos isto. Foram buscar reforços à aldeia e à vila e lá conseguiram virar o monstro do Barroco Riscado. Depois de virado, encontraram outra inscrição, que foi de facto uma surpresa: «Bem-haja quem me virou / Que já há tantos anos deste lado estou».
Imaginam a nossa cara de encanto e os nossos olhos de espanto, ao ouvirmos estas histórias, há 50 anos? Era o maravilhoso a impressionar-nos…
«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes