Na sua extensão raiana o Interior pontua-se com pequenos povoados, sóbrios e graníticos, que sobem os montes e decoram os vales. Pouquíssimos habitantes ocupam, ainda, esta faixa cuja população mingua velozmente neste enigmático início de século. Trata-se, no entanto, de gente que armazena na memória saberes e sabores infindáveis.

Morcela Doce - Jarmelo - Guarda

Fernando Capelo - «Terras do Jarmelo»Falo de pessoas e sítios de encanto. Lugares onde a história deixou marcas e onde as gentes (de boa fé) amalgamam história e lendas.
Mas, nestes lugares de que falo, vivem-se, em cada presente, tempos etiquetados com ausências. Apagam-se, em cada dia, hábitos e tradições. Têm vindo a esmorecer os seus mais carismáticos ambientes e contextos. Urge, portanto, salvar o que, ainda, for possível.
Esta zona, vizinha de Espanha, é terra de invernos excessivos e verões escaldantes. Ora, tais contrastantes evidências, condicionam e sugerem alimentação a contento.
Por outro lado, o moldar da história tem dependido (consideravelmente) da alimentação e, esta, tem vindo a adaptar-se a condicionalismos históricos vencendo dificuldades e diminuindo desigualdades. Eis, portanto, onde me parece morar a razão pela qual a criatividade tem progredido no ensejo de superar carências e limitações.
Aceite-se, então, a evidência de que a utilização da tradição alimentar pode gerar dinâmicas e, eventualmente, (re)constituir recursos regionais ou locais.
Claro que é possível lançar interesses e, até, curiosidades susceptíveis de constituir fortes motivações para quem visite ou pretenda visitar.
Também não escasseiam enormes paixões que intimam os naturais a regressar definitiva ou temporariamente. Só não sobeja , por enquanto, quem arrisque aproveitar tradições (seiva deste povo) para as difundir, tornando-as rentáveis. Refiro-me, concretamente, a potencialidades gastronómicas, capazes de constituir motivação de visita ou regresso sendo certo que há sabores só possíveis de comprovar em contextos e lugares próprios.
São, portanto, reais os desafios.
Aqui trago, hoje, servindo de exemplo, a «morcela doce».
Em toda a zona jarmelista os sentidos podem ainda abrir-se para o sabor (já algo suspenso) desta morcela especial. Sabor que me surge, a mim, tão natural como o frio do inverno ou tão doce como o quente calor da lareira, companheira perene das noites inverniças.
Poder-se-á, então, incumbir a “morcela doce” de alguma missão mais importante?
«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo