Longe vai o tempo e com alguma nostalgia recordo a carrinha da Gulbenkian, uma biblioteca itinerante que periodicamente nos cultivava e combatia o isolamento em que nos encontrávamos no final da década de 60 do século passado. Foi através dessa biblioteca itinerante, que fui tendo acesso a livros que me prenderam e viciaram para sempre como leitor.
Nesse primeiro embate com a leitura, descobri e aprendi a gostar de dois grandes autores portugueses e verdadeiros artesãos da língua portuguesa: Camilo Castelo Branco e Aquilino Ribeiro. A leitura destes dois mestres da narrativa apetrecha-nos com as ferramentas essenciais para o domínio da nossa língua.
Estamos no Natal!
Foi nesta época de sonhos fixos na chaminé por onde descia o Menino Jesus, que num desses natais li duas histórias que nunca mais esqueci: O Romance da Raposa e O Malhadinhas de Aquilino Ribeiro. Era o tempo em que o mundo ainda não andava torto.
Num qualquer lugar das Beiras, recolhidos do frio e à lareira, ler o Malhadinhas é reencontrar o retrato físico e psicológico do almocreve beirão, que percorria as nossas aldeias, temperado pela malícia da vida danada e madrasta. Ficamos ainda a saber que o nosso herói, numa das suas aventuras se recolheu à sua fazenda do Sabugal, quando Aquilino nos diz: «Acolhi-me à minha fazenda do Sabugal com reiuna bem escorvada.»
Se o caro amigo leitor não tiver tempo para a leitura de toda a narrativa aconselho-o a percorrer o capítulo IX, onde o nosso herói, tem um encontro com a neve e os lobos, acompanhado por um frade.
Será possível recuperar a democratização da cultura, com uma biblioteca itinerante?
Boas leituras e um Feliz e Santo Natal.
:: :: PARA LER :: ::
«O Romance da Raposa», de Aquilino Ribeiro, Livraria Bertrand.
«O Malhadinhas», de Aquilino Ribeiro, Livraria Bertrand.
:: :: PARA OUVIR :: ::
«Beck : Sea Change», Geffen.
«Concertos para piano, nº 24, 25, 26 e 27 de Mozart, Berliner Philarmoniker», tendo como solista Daniel Barenboim, Teldec.
«Páginas Interiores» opinião de José Robalo
joserobaload@gmail.com
3 comentários
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Sábado, 20 Dezembro, 2008 às 17:44
Natália Bispo
Dr. Robalo, sem duvida que tem um condão multifacetado nos seus artigos, de não só nos apresentar empresas de êxito, mas também de não nos deixar esquecer estas marcas culturais.
Penso que a Fundação Gulbenkian, ajudou muito na formação da mentalidade de todos aqueles que puderam usufruir deste serviço.
Eu era “cliente” habitual da biblioteca itinerante, ainda tenho um bloco de apontamentos onde escrevia os livros que conseguia ler no intervalo das visitas da carrinha.
Quero também agradecer e prestar a minha homenagem ao Sr. Prata, que durante tantos anos nos atendia com toda a sua simpatia e cordialidade.
Como em tudo há casos mais ou menos marcantes, na minha opinião este serviço, marcou a vida de muitas pessoas, e faz parte das gratas recordações do antigamente.
Natália Bispo
Domingo, 21 Dezembro, 2008 às 23:01
Paulo Leitão Batista
Meu caro José Robalo,
também eu, como afinal muitos sabugalenses, despertaram para a leitura através da biblioteca itinerante que aportava, salvo erro mensalmente, à nossa vila (sim vila que ela nada teve e nada tem de cidade). Mestre Aquilino, de que tão oportunamente falas, é para mim o maior romancista da língua portuguesa. Dele li também primeiro o Romance da Raposa (colhido da biblioteca) e depois o Malhadinhas (uma velha edição que andava lá por casa) e falei um dia ao Sr Prata, que a Talinha no comentário anterior recorda, perguntando-lhe que outros livros eu havia de ler do Aquilino Ribeiro. E o atencioso Sr Prata indicou-me A Casa Grande de Romarigães, essa fabulosa epopeia apenas comparável a Cem Anos de Solidão de Gabriel García Márquez, cuja leitura me marcou indelevelmente.
Parabéns José Robalo, por este teu fabuloso texto, que nos recorda a importância histórica da biblioteca itinerante e evidencia a grande valia de Aquilino Ribeiro como escritor, injustamente hoje colocado em segundo plano.
As tuas crónicas constituem fresca aragem de cultura, que encanta os leitores e valoriza o nosso Capeia Arraiana.
Segunda-feira, 22 Dezembro, 2008 às 13:30
esteves carreirinha
Espectacular.
Que saudades da carrinha-biblioteca ambulante, quando chegava a Aldeia da Ponte.
Levava alguns livros e tinha, já não me lembro bem, uma semana para os ler e devolver na volta da mesma, levando outros, tratando-os todos com muito cuidado, para não se estragarem.
O Sr. ( já não me lembro o nome) tratáva-nos com muita paciência e simpatia, ajudando-nos a escolher.
Um abraço e boas festas!
Esteves carreirinha