Nasci em 1960. Não consigo explicar este meu gosto pela música, mas o que é certo é que me continuo a lembrar de melodias que ouvi quando tinha 10 ou 11 anos e com as novas tecnologias consigo descobri-las, o que me deixa bastante satisfeito.
Nunca fui de seguir modas e quando o «disco-sound» era um grande sucesso, eu não gostava nem um bocadinho daquilo.
Sempre preferi ver músicos a tocar ao vivo. Não importa o tipo de música que tocam, desde que sejam bons músicos.
Quando tinha 18 anos e andava a estudar no Colégio do Sabugal, descobri que os «Arte & Ofício» (uma das melhores bandas de Rock português de todos os tempos) iam tocar ao Liceu da Guarda. À boleia lá fui eu com mais alguns malucos ver os «Arte & Ofício». O que é certo é que esse concerto me deixou maravilhado. Nunca tinha visto ninguém a tocar tão bem.
Passado pouco tempo aconteceu, no Sabugal, um dos concertos mais míticos a que assisti em toda a minha vida: «Os Faíscas».
Rocky Tango (23 anos, guitarra e voz, aka «Rock Assassino»), Dedos Tubarão (17 anos, baixo e coros), Jorge Lee Finuras (guitarra 18 anos, aka «Punhos de Renda») e Gato Dinamite (19 anos, bateria) formaram, em Fevereiro de 1978, uma das primeiras bandas Punk portuguesas. O Punk Rock tinha começado na Inglaterra no ano anterior e as duas bandas referidas importaram o fenómeno para Portugal.
No dia 27 de Maio de 1978 (há quase 30 anos – como o tempo foge – parece que foi na semana passada), «Os Faíscas» deram um concerto no Cine-Teatro do Sabugal, que ficou na memória de todos quantos a ele assistiram, não tanto pela música, mas pelas peripécias associadas a tal espectáculo. Foi uma noite de Punk a valer que incluiu tudo o que se associa a um espectáculo Punk.
O concerto estava marcado para as 22 horas, mas os Faíscas só apareceram depois da meia-noite. Os Faíscas tinham-se comprometido a tocar com a aparelhagem do grupo de baile do Sabugal chamado Stradivarius (onde tocavam Totó, Rochita, Horácio Alexandrino e François), trazendo apenas as guitarras.
Chegaram num Fiat 127 (no documentário “Brava Dança”, sobre os Heróis do Mar, que já passou na RTP, Pedro Ayres refere este concerto, assinalando que se deslocaram numa Renault 4, mas eu lembro-me que era um Fiat 127 branco), acompanhados por um motorista mais velho.
Entraram para o recinto e, como ninguém os conhecia, foi-lhes pedido o dinheiro do bilhete, ao que eles responderam «Faíscas» e seguiram, sem darem mais cavaco a ninguém. Foi a primeira vez que vi um rapaz com brinco na orelha, um dos membros dos «Faíscas». Nunca tal tinha visto até essa altura.
Comeram frango assado no balcão do Cine-Teatro e atiraram com os ossos para a plateia, enquanto o grupo «Stradivarius» tocava alguns temas. Provocação e atitude eram algumas das suas imagens de marca.
Foram depois para um bar da vila onde pediram cafés duplos e compraram uma garrafa de bagaço, para beberem durante a actuação.
Imaginem o que era aquela gente de aspecto Punk num café de uma vila do Interior do país, alguns com brincos na orelha, coisa nunca vista por estes lados!!! Um escândalo.
Voltaram ao Cine-Teatro e iniciaram o concerto. Havia pouca gente. O facto de terem chegado tarde fez muita gente debandar, incluindo o fotógrafo Viriato Lopes que poderia ter tirado umas fotos, hoje históricas. Mesmo assim a «movida» toda do Sabugal e arredores estava presente. (Continua.)
«Música, Músicas…», opinião de João Aristides Duarte
akapunkrural@gmail.com
7 comentários
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Segunda-feira, 1 Setembro, 2008 às 8:14
António Emídio
Recordar é viver. Ao outro dia do concerto dos «Faíscas» comentei o comportamento deles com alguns senhores da velha burguesia da Vila, vindos como é natural da ordem e da disciplina do Estado Novo, no café do senhor Abílio, o único café da Vila que eles frequentavam. Entre as muitas peripécias da actuação está uma que me ficou bem gravada: os membros da banda de vez em quando, e durante a actuação, cuspiam para o público!
Comentário de um senhor: ” Se lá estivesse e me cuspissem para cima partia os cornos a um, filhos da p… ”
Lembro-me como se fosse hoje!
Segunda-feira, 1 Setembro, 2008 às 17:55
João
Caro António:Sei bem que estiveste lá, nesse concerto mítico. Mas isso de cuspirem para o público teve a ver com provocações de alguns membros do público, que ouviram dizer que vinham aí os Punks, que cuspiam para o público. Como os provocaram, eles cuspiram.
Esse concerto foi uma experiência que quem quem viu não vai esquecer…
Terça-feira, 2 Setembro, 2008 às 2:00
José Manuel
João Manuel:
Não estava o fotógrafo Viriato Lopes mas estavas lá tu, professor!
Esta comovida e fidedigna descrição vale mil fotografias, mesmo que históricas fossem!
E o Mestre Fernando Fernandes também lá estava?
Conta-nos tudo em pormenor.
Já me aguçaste o apetite para esse baú de memórias colectivas que tão bem descreves e que fazem jus ao “Baú da Memória”. Quem sai aos seus não degenera.
António Emídio:
Bom testemunho do impacto e abalo desse concerto junto das hostes conservadoras…
Mas hoje o Sabugal já é uma cidade que vai ter prédios de cinco andares.
O senhor burguês esqueceu-se que os músicos apenas cuspiram para o público, não para ninguém em concreto. Só se ofendia quem queria… Quanto pagaria hoje esse senhor, se estivesse vivo, só por um bocadinho desse cuspo?
Terça-feira, 2 Setembro, 2008 às 10:59
João Duarte
Caro José Manuel: a história do concerto continua numa próxima crónica. Aí se descreve como aquilo tudo decorreu e o que aconteceu de relevante e caricato. Claro que o Mestre Fernandes estava lá. Toda a “movida” do Soito estava lá, como não podia deixar de ser.
Nessa época, como deves saber, o Soito era a terra dos amantes do “bom som”.
Terça-feira, 2 Setembro, 2008 às 12:29
Maria Felicidade Gonçalves
Adorei a sua crónica. A música faz parte da minha vida. Para quem está longe como eu do meu querido sabugal nada como ter historias todos os dias para recordar. E ja por aqui passaram muitas. Obrigado a todos. Quando é que é publicada a continuação?
Maria Felicidade Gonçalves
Terça-feira, 2 Setembro, 2008 às 14:05
João Duarte
As minhas crónicas são publicadas às segundas-feiras
Na próxima saírá a continuação desta história
Obrigado
Sábado, 20 Setembro, 2008 às 23:25
Manuel Sanches
Confirmo que os Faíscas chegaram num Fiat 127.
Eu não fui ao concerto (no money, no funny) mas, nessa noite, depois de já ter estado algum tempo em frente ao Cineteatro a ver o ambiente, quando me dirigia para a sede dos Bombeiros, juntamente com três amigos (um deles já falecido), parou, em frente ao Depósito, um Fiat 127 com uns rapazes lá dentro que, com um ar entre o perdido e o atrapalhado, perguntam:
– Onde é que vai ser o concerto?
Por acaso, fui eu que lhes respondi e, como sabia que o concerto estava atrasadíssimo e em risco, disse-lhes:
– Não vai haver concerto. Os Faíscas não vieram.
De dentro do Fiat, um deles respondeu:
– Os Faíscas somos nós.
Eu, como só os conhecia de nome, disse-lhes qualquer coisa do género “Vão gozar outro!”, mas indiquei-lhes o caminho e segui.
No dia seguinte, depois de ouvir vários relatos e cruzar informações, constatei que eram mesmo os Faíscas.
Uma coisa que me foi dita por várias pessoas (algumas próximas da organização) é que, no final do concerto, os Faíscas foram postos à saída do Sabugal de forma pouco diplomática e sem verem as “coroas” que, pelos vistos, eles tanto mendigaram.