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O gado asinino teve um papel fundamental na campanha de Portugal do exército napoleónico, pois servia de meio de transporte, nomeadamente no carrego dos feridos e do equipamento individual dos soldados. Quando a fome apertava e as provisões estavam gastas, os burros eram abatidos, servindo a sua carne para alimentação dos militares.
Para a galhardia de um exército como era o exército francês da altura, que se considerava o melhor do mundo, a presença de burros no seu dispositivo não era bem vista pelos comandantes. O burro era considerado um animal menor, sendo portanto desprezado e, na medida do possível, afastado das colunas dos soldados de linha, embora pudesse ter lugar entre o dispositivo de apoio logístico.
Porém na terceira invasão francesa, os asnos tiveram um papel fundamental. O jovem tenente Jean-Baptiste Barrés, que vinha integrado no segundo corpo de exército, comandando pelo general Reynier, dá disso devida nota nas suas memórias: «Estes animais úteis e pacientes, prestaram imensos serviços ao Exército de Portugal, que a miséria tornou muito ingrato em relação aos demais salvadores. Todos os regimentos tinham, pelo menos, entre 120 e 150 burros em fila, para transportar os doentes e os feridos, os sacos dos convalescentes e as provisões de víveres, quando se era suficientemente ditoso para os encontrar durante mais de um dia. Esta massa de quadrúpedes elevava os homens à sua condição, tornava bem mais pesada a marcha das colunas, mas salvou muitos infelizes.»
Já perante as Linhas de Torres, nos cinco longos meses aí passados pelos franceses, esperando reforços, os burros tiveram de novo um papel fundamental, mas desta feita para matar a fome dos infelizes soldados, que não encontravam meios de subsistência. Foi o mesmo oficial a deixar também esse testemunho: «Poucos dias depois da nossa chegada à frente das linhas inglesas, a miséria tornou-se tão pungente, tão generalizada, que todos esses seres inofensivos foram mortos e comidos com uma espécie de sensualidade. Aqueles que quiseram ou puderam conservá-los mantinham-nos bem escondidos, e vigiavam-nos, como se fossem cavalos de raça, porque eram roubados e mortos sem escrúpulos.»
O burro foi nesta campanha o melhor companheiro para o soldado. Era sobre ele que transportava a sua bagagem individual nas longas marchas. E muitas vezes a bagagem era pesada, porque ao equipamento pessoal do combatente juntava-se o produto do saque.
Aquando da retirada, de volta a Espanha, as colunas francesas seguiam lentamente pelos campos, o que preocupava Massena e os seus lugar-tenentes, que queriam antes que as colunas marchassem depressa, para evitarem os ataques do exército anglo-português que os perseguia. Porém os burros, carregadíssimos, andavam lentamente e congestionavam os caminhos de tal modo, que isso provocou um acesso de fúria no marechal Ney, cujo corpo, o sexto, seguia na retaguarda, com a missão de repelir as cargas do inimigo e proteger a marcha do restante exército. Em Miranda do Corvo, perante o problema do bloqueio da ponte sobre o rio Ceira, face ao imenso mar de burros e furgões carregados, o vigoroso marechal ordenou que se lançasse fogo a todos os equipamentos, a começar pelos seus, e sem poupar os de Massena. Depois, numa acção cruel, mandou estropiar os burros para que não seguissem com ele, nem tivessem préstimo para o exército aliado que o perseguia. Colocou soldados à entrada da ponte com a missão de cortar os jarretes a todos os burros, sem excepção, à medida em que fossem chegando. «Uma enorme quantidade desses úteis animais foi assim sacrificada e, no exército, esta execução tomou o nome de “massacre dos inocentes”», escreveu o também tenente francês Bauyn de Péreuse.
Mau grado o descontentamento provocado entre os soldados, com esta acção atroz, o marechal prestou o serviço de aliviar as colunas, que melhoraram a mobilidade e a rapidez na execução das manobras de retirada.
Paulo Leitão Batista
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