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Saramago percorreu Portugal de olhar atento, seguindo quase sempre roteiros pré-definidos, tomando notas para depois escrever as impressões da digressão. Não podia ali faltar uma passagem pelo Sabugal e por Sortelha, bem como a outros lugares da Beira, onde se destacou Cidadelhe, o «calcanhar do mundo», onde comeu pão e queijo.
O livro «Viagem a Portugal», teve a primeira edição em 1981, quando José Saramago ainda não estava no seu esplendor. Escrevera já o «Manual de Pintura e Caligrafia», por muitos considerado o seu melhor livro, e já estava também editado o «Levantado do Chão», a grande epopeia do Alentejo e do seu povo lutador. Só depois viriam os livros de referência, como «Ano da Morte de Ricardo Reis» ou o «Memorial do Convento», que rapidamente o atiraram para a ribalta.
Esse livro de viagens pelo país, de que aqui damos nota, é, antes de mais, o resultado de uma jornada que tinha por intuito descobrir caminhos diferentes daqueles que todos conhecem e indicam. Descreve originalidades, observando e notando o que achou digno, saindo do esboço a que estamos habituados.
Mas a descrição da viagem deu numa interessante narrativa. A narrativa de um viajante que vive interiormente do percurso que faz. Descobre caminhos e lugares, confirma expectativas, esbarra com surpresas, como que viajando dentro de si próprio, reflectindo os sentimentos e as impressões que a viagem lhe coloca. «Viagem a Portugal» não é um simples livro de viagens, na convencional classificação do género literário. É afinal um livro de reflexões e de sensações estampadas na mente de um viajante que anda na missão de descobrir.
O viajante aportou na Guarda, em fim-de-semana, a altas horas, bateu à porta do Hotel de Turismo, mas não achou quarto disponível, o que o levou a passar a noite no automóvel, sentindo aí o frio tenso destas paragens. Tomaria depois por base esse hotel e partiu da cidade, que primeiro visitou, em exploração.
Parcas são as referências ao comer deste original viandante, coisa pouco comum em relatos de viagens. Na verdade o viajante alimentou-se, degustou alguns dos nossos pratos típicos, mas estava mais voltado para descrever o que via do aquilo que lhe sabia.
Logo quando ficou no carro, naquela primeira e gélida noite, refere que passou a noite «trincando bolachas para enganar o apetite nocturno e aquecer ao menos os dentes». E também nos diz que, depois de obter quarto e dormitar um pouco, almoçou no hotel e só então foi ver a cidade. À noite jantou em maior sossego, de novo no hotel, onde achou a comida divinal, e descobriu a simpatia do Sr. Guerra, chefe de cozinha, natural de Cidadelhe. A inesperada amizade levou-o no dia seguinte ao «calcanhar do mundo», de onde retiraria as melhores impressões da passagem pelas nossas terras.
Encontrou em Cidadelhe uma terra surpreendente onde, para além das pedras, do precioso palio e do original «cidadão», descobre o verdadeiro prazer da gastronomia popular:
«”São horas de merendar”, diz Guerra. “Vamos a casa de minha irmã.” Descem pelo caminho que trouxeram, lá está o Cidadão de sentinela, e vão primeiro a uma adega beber um copo de tinto-claro, ácido, mas de uva franca, e depois sobem os degraus da casa, vem Laura ao limiar: “Entre, esteja na sua casa.” A voz é branda, o rosto sossegado e não é possível que haja no mundo mais límpidos olhos. Está na mesa o pão, o vinho e o queijo. O pão é grande, redondo, para o cortar é preciso apertá-lo contra o peito, e nesse gesto fica a farinha agarrada à roupa, à blusa escura da dona da casa, e ela sacode-a, sem pensar nisso. O viajante repara em tudo, é a sua obrigação, mesmo quando não entender tem de reparar e dizer. Pergunta Guerra. “Conhece o ditado do pão, do queijo e do vinho?” “Não conheço.” “É Assim: pão com olhos, queijo sem olhos, vinho que salte aos olhos. É o gosto da terra.” O viajante não crê que as três condições sejam universais, mas em Cidadelhe aceita-as, nem é capaz de conceber que possam ser diferentes.»
«Sabores Literários», crónica de Paulo Leitão Batista
leitaobatista@gmail.com
É por uma estrada sinuosa, por entre montes e vales, que se chega às portas da aldeia-fortaleza medieval de nome Castelo Mendo. Estamos no distrito da Guarda e mais concretamente, no concelho de Almeida.
CASTELO MENDO – Chegando ao portal da muralha, somos recebidos por dois berrões que ladeiam a entrada, figuras monolíticas originárias da cultura celta. E há séculos que ali repousam, testemunhando o lento passo do tempo, numa terra, hoje, quase abandonada. Realmente, pouco mais de uma centena de pessoas ainda vive em Castelo de Mendo. Por triste que isso pareça, talvez o seu isolamento e desertificação tenham mantido este lugar igual a si próprio. Uma jóia perdida na montanha. As ruas desertas e as casas abandonadas dão-nos uma estranha sensação de intemporalidade.
A freguesia de Castelo de Mendo situa-se na margem esquerda do rio Côa, a cerca de 20 quilómetros da sede do concelho e é constituída pelas povoações de Castelo de Mendo e Paraizal, onde existe um velho e antigo relógio de sol.
A sua história é riquíssima, tendo sido cabeça de um concelho de grande importância, que dominava uma vasta área. O poder de outrora é ainda visível na actual povoação. É hoje uma fortaleza-museu. Vestígios de antigas estradas, cerâmicas e moedas provam a antiga importância da região, mesmo antes da chegada dos romanos, que encontraram aqui um antigo castro bem fortificado.
Na Reconquista Cristã, Castelo de Mendo foi de crucial importância para a defesa das terras da margem esquerda do Côa. Daí à reconstrução do castelo foi um pequeno passo. D. Sancho II daria carta de foral a Castelo de Mendo em 15 de Março de 1229. Na mesma altura é criada uma feira franca, a realizar três vezes por ano. Foi a primeira feira medieval documentada do país.
Ponto de interesse nesta visita cultural é, o pelourinho manuelino de gaiola e colunelos e a mutilada Igreja Matriz.
A descrição feita por José Saramago em «Viagem a Portugal» não poderia ser mais fiel: «A primeira paragem do dia é em Castelo Mendo. Vista de lado é uma fortaleza, vila toda rodeada de muralhas, com dois torreões na entrada principal. Vista de perto é tudo isto ainda, mais um grande abandono, uma melancolia de cidade morta.
Vila, cidade, aldeia. Não se sabe bem como classificar uma povoação que tudo isto tem e conserva.
O viajante deu uma rápida volta, foi ao antigo tribunal, que na altura estava em restauro e só para mostrar as barrigudas colunas do alpendre, entrou na igreja e saiu, viu o alto pelourinho, e desta vez não foi capaz de dirigir palavra a alguém. Havia velhas sentadas às portas, mas em tão grande tristeza que o viajante deu em sentir embaraços de consciência. Retirou-se, olhou os arruinados berrões que guardam a entrada grande da muralha, e seguiu caminho.»
«Terras entre Côa e Raia», opinião de José Morgado
morgadio46@gmail.com
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