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Esta segunda parte da nossa conversa continuou a caminhar pela vida de Adérito Tavares. Recomeçamos na Baixa da Banheira, nos tempos quentes da revolução de Abril e vamos até ao presente, até 2009.

Adérito Tavares com pintura de Alcínio

– A sua experiência como professor primário marcou-o…
– Num dos últimos anos que estive no ensino primário – estava a terminar a faculdade – era professor em Almada e fui nomeado para fazer exames da 4.ª classe em Setúbal. Num dia quente de Julho apareceu na prova oral um rapazinho com o ar mais assustado do mundo, muito tímido e a quem ninguém conseguia arrancar uma palavra. Estava bloqueado por completo. Sai da mesa do júri no estrado, sentei-me ao lado dele e perguntei-lhe se ele queria abrir o livro. Olhou para mim, disse com a cabeça que sim, pegou no livro e abriu-o na página com a lição do cuco. E eu perguntei-lhe se já tinha ouvido um cuco. Abanou negativamente a cabeça e eu juntei as mãos em forma de concha soprando entre os polegares imitando o som do cuco. O garoto começou a sorrir e eu aproveitei para o interrogar nas diferentes matérias. Afinal sabia tudo e passou com distinção. Passados uns tempos recebi uma carta da Direcção Escolar de Setúbal – que ainda hoje guardo como uma condecoração – onde a avó do menino, com muitos erros ortográficos, me dizia que nunca o neto tinha sido tratado com tanto carinho e agradecia-me do fundo do coração. Foi um dos melhores momentos da minha vida de professor. Estive no ensino primário até concluir a licenciatura em História na Faculdade de Letras em 1973 tendo terminado o curso com 16 valores (a mais alta desse ano) e tive a sorte de ter professores brilhantes como Borges de Macedo, Veríssimo Serrão ou Vitorino Nemésio. Recordo mais um episódio. Passados uns anos de ter saído da Baixa da Banheira cruzo-me em Lisboa, na zona da Baixa, com o presidente da Câmara da Moita, Vítor Brito de Sousa, que me confirmou o abaixo-assinado acrescentando que no mesmo constava ainda um pedido dos habitantes da Baixa da Banheira para dar o meu nome a uma rua. E eu digo-lhe imediatamente em tom de brincadeira – «claro que não deu, mas… gostaria muito de guardar comigo uma cópia desse abaixo-assinado porque essa era a condecoração que eu gostaria de receber e preservar».
– O programa «Se bem me lembro…» do professor Vitorino Nemésio fez história na televisão em Portugal…
– Ao professor Vitorino Nemésio era preciso saber puxar-lhe pela língua. Gostava de fazer charlas à maneira da televisão. Lembro-me de uma aula, fantástica, que ele deu a propósito da pronúncia «tche» das terras da nossa região. Porquê o «tche»? Aparentemente pela contágio da proximidade a Espanha. Mas não é verdade. O professor Nemésio explicou que a razão do nosso «tche» tem a ver com o repovoamento de origem galega depois da reconquista cristão aos mouros da Beira. Foi uma das muitas aulas brilhantes do professor Nemésio. Curiosamente, na nossa região raiana, há uma localidade com nome galego denominada Vale de la Mula. A tese de doutoramento de mestre Lindley Cintra intitula-se «A linguagem dos foros de Castelo Rodrigo». Os primitivos forais de Castelo Rodrigo incluíam Sabugal, Sortelha, Vila do Touro, Coria e Ciudad Rodrigo do lado de lá e foram redigidos em Leonês. Nos sítios mais inacessíveis o dialecto leonês manteve-se em muitas povoações como, por exemplo, em San Martín de Travejo que fica encravada em plena serra da Xalma. A língua galaíco-portuguesa manteve-se e espalhou-se por toda a região da Beira Interior e daí resulta a pronúncia «tche». Recordo-me de perguntar ao professor Nemésio porque existiam três palavras tão distintas para o mesmo objecto: garfo, tenedor e fourchette. Indirectamente o professor Nemésio ligou a palavra fourchette ao forcão. Garfo pode ser entendido como enxertia, ou seja, uma bifurcação que é atada e fourchette pode ser uma forquilha. São três palavras que estão muito ligadas ao nosso Forcão. São curiosidades históricas que me foram explicadas pela primeira vez pelo professor Nemésio, um açoriano de grande mérito.
– E após a sua licenciatura em História na Faculdade de Letras?
– Finalizei a minha licenciatura em 1973 e fui convidado para professor do Colégio Militar onde estive durante dois anos lectivos. Significa que passei o 25 de Abril dentro do Colégio Militar. Em 75 ingressei como professor convidado na Academia de Música de Santa Cecília – um dos mais prestigiados colégios do país – e onde me mantive durante 17 anos até 1991. Fui professor efectivo na Escola Secundária D. Filipa de Lencastre, junto à Praça de Londres, desde 1980 a 99, altura em que me reformei do ensino público. Entretanto, em 1991, fui leccionar para a Universidade Católica as cadeiras «História Contemporânea» e «Cultura Portuguesa» no curso de Comunicação Social.
– Um percurso brilhante que foi complementado com a publicação de diversos livros…
– Sou co-autor com mais dois colegas dos manuais escolares de História para o 7.º, 8.º e 9.º ano que são usados em centenas de escolas do país e penso que também nas escolas do Sabugal. Além dos manuais escolares tenho 25 livros publicados…
– … incluindo «A Capeia Arraiana»…
– A sensação que me ficou na minha investigação sobre a Capeia Arraiana em autores que escreveram antes de mim como, por exemplo, o doutor Carlos Alberto Marques, natural de Vale de Espinho e professor no liceu da Guarda, que escreveu «Notas etnográficas sobre Ribacoa», publicadas posteriormente na revista «Byblos» e outras. Quando, em 1996, participei no «Congresso do Sétimo Centenário do Foral Dionisino do Sabugal» realizado no Salão Nobre houve uma sessão de homenagem ao doutor Carlos Alberto Marques que incluiu – a convite de Pinharanda Gomes – uma deslocação de todos os congressistas a Vale de Espinho para descerrar uma lápide na casa onde viveu. É este Carlos Alberto Marques, professor de geografia e conhecedor da etnologia local, um dos primeiros investigadores a fazer a pesquisa das Capeias na região raiana. A verdade é que as Capeias não nasceram como as conhecemos hoje. Como diz um poeta espanhol «caminante no hay camino, se hace camino al andar». As Capeias foram surgindo. Primeiro com uma vaca ou duas que eram roubadas do lado de Raia. Depois com vacas emprestadas para pagar o prejuízo aos agricultores que viam as suas culturas dizimadas pelos animais espanhóis.
– As Capeias, a Raia, o Contrabando são a nossa identidade…
– A minha intervenção no «Congresso do Contrabando-2006» e documentado no livro das actas incluiu a investigação aos arquivos do 3.º Batalhão da Guarda Fiscal que têm registado o contrabando apreendido em toda aquela zona que vai desde Penamacor até à Raia do Minho. Os produtos apreendidos eram reportados à secção no Sabugal, dali à 6.ª Companhia em Vilar Formoso (que compreendia desde Barca d’Alva até ao Sabugal) e finalmente ao Batalhão no Porto. E qual era a secção que apreendia mais contrabando – o Sabugal – mais do que Vilar Formoso, mais que Almeida, mais que Castelo Rodrigo, mais que Barca d’Alva. E não se explica porque os guardas eram mais briosos mas sim porque era a zona onde passava mais contrabando. E isso ajuda a explicar a excelente relação que havia entre as populações dos dois lados da fronteira. Há naturais de Aldeia do Bispo que casaram em Navasfrias, em San Martin… E isto ajuda a explicar que muitas vezes os contrabandistas quando passavam com os carregos às costas tinham que fugir dos toiros e gera esta ligação que existe desde o século XIX. A palavra Capeia é de origem espanhola e a forma capear já existia em Navasfrias, em Casillas de Flores, em Fuenteguinaldo. Com oito, nove anos assisti em Navasfrias a touradas com cestos muito compridos para resistir às investidas ou seja uma prática com um aparelho defensivo como o forcão. No século XIX o toiro era um animal raro e muito caro. Era criado para ser apresentado nas grandes Praças espanholas. Recentemente estive em Ronda onde existe uma das mais antigas praças de toiros espanholas e de onde era natural Pedro Romero, o inventor da maior parte dos passes dos toureiros com capa. Em sua memória realiza-se todos os anos, em Setembro, a Corrida Goyesca de Ronda.
– Há um, ou vários, movimentos para candidatar a Capeia Arraiana a Património Imaterial da Humanidade. Qual é, para si, «o caminho que se deve caminhar»?
– Penso que existem muitas práticas de tauromaquia em Portugal. A minha intervenção, em 1996, no 7.º Congresso do Foral intitulou-se «As Práticas da Tauromaquia Popular na Raia do Sabugal» e resultou de uma investigação onde procurei definir a tauromaquia popular, onde, como e desde quando era praticada. Na altura investiguei que estas práticas populares são diferenciadas de região para região. Existem na Ilha Terceira, nos Açores, as corridas à vara larga com cordas muito idênticas às realizadas em Ponte de Lima. Na nossa região começaram por ser vacas e, pouco a pouco, os curros começaram a incluir toiros. Vila Franca, Barrancos e a Moita têm touradas populares próprias da sua região. Não vamos transpor essas originalidades para outros locais. Fiquei extremamente chocado quando, há uns anos, em Aldeia do Bispo, os mordomos de Nossa Senhora dos Milagres, emigrantes em França, introduziram na festa umas meninas vestidas de majorettes. Não faz sentido. Da mesma forma considero que levar as práticas tauromáquicas raianas aos Açores a título permanente não concordo. Se estivermos a falar de uma apresentação da Capeia Arraiana com pegadores de forcão sabugalenses feita nos Açores como se faz no Campo Pequeno, concordo. Apesar de achar que a Capeia de Lisboa está mutilada porque não tem encerro.
– A finalizar pedimos ao historiador Adérito Tavares que fale do futuro. Do futuro do Sabugal…
– Gostaria bastante que o Sabugal investisse em acções que podem evitar a desertificação total. Apostar no turismo, na manutenção de tradições locais e oferecer aos visitantes o passado. Um passado rico que inclui praças-fortes como Vilar Maior, Vila do Touro, Sortelha, Alfaiates e que incluem as sete grandes vilas de que falava Alexandre Herculano. Há um património histórico que está visível. Deixo o desafio de se criar o «Circuito das Vilas Grandes», colocar essa informação na Internet e propô-lo às agências de turismo cultural. Levei dezenas de excursões culturais ao Sabugal com alunos do secundário e da Católica e enquanto presidente da direcção da Associação de Professores de História organizei duas excursões com docentes a Monsanto, Sortelha, Sabugal e às restantes aldeias históricas. Organizei viagens ao Sabugal com sócios da Casa de Macau em Lisboa, com professores e alunos do Colégio Moderno em Lisboa e da Academia de Música de Santa Cecília. Durante muitos anos levei os meus alunos da Católica a conhecer o Sabugal. É isto que eu defendo para as nossas terras. Tenho dezenas de fotografias em Sortelha no restaurante Alboroque, uma curiosa palavra que define a refeição com que se fechava um contrato. O futuro do Sabugal depende de todos os sabugalenses.

Adérito Tavares, natural de Aldeia do Bispo, é casado com Maria da Conceição Tavares. O filho João é licenciado em Direito pela Católica e a filha Ana Teresa é doutorada (nos Estados Unidos) em ciências biomédicas e investigadora de biologia molecular no Instituto Gulbenkian e na Faculdade de Medicina Veterinária. A conversa foi um intenso momento de cultura que poderíamos intitular de «Palavras com História».
jcl

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