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Povo, Nação, País, Pátria, Estado! Palavras plenas, amplas de significado, com que se enchem bocas, se lançam apelos, se gritam protestos. Palavras com que se justificaram actos de heroísmo e chacinas tremendas, guerras justas e expansionismos agressivos, sacrifícios sobrehumanos e terríveis lutas fratricidas. Em nome da Mãe Pátria verteram-se rios de sangue, derramaram-se lágrimas amargas, engoliram-se indescritíveis sofrimentos, praticaram-se inacreditáveis genocídios, criaram-se monstruosos gulags. Em nome do Povo ergueram-se forcas e guilhotinas, morreram criminosos e homens bons, revolucionários e contra-revolucionários, heróis e traidores. Tudo a bem da Nação.
Povo, Nação, País, Pátria, Estado… Existem Povos que não constituem Nações, Nações que não são Estados, Estados que englobam várias Nações. O Reino Unido é um Estado que integra quatro Nações: Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. Não existe a Nação Espanhola. O que existe é o Estado Espanhol, que engloba a Nação Basca, a Nação Catalã, a Nação Galega. Cada uma destas Nações, possui um País (um território próprio), habitado por um Povo, que tem língua, tradições, história, cultura, constituindo, portanto, uma unidade nacional.
Por sua vez, os Curdos, ou os Palestinianos, existindo como verdadeiras Nações, pretendem definir-se como Países (assegurando a demarcação de territórios próprios reclamados desde há muito) e também como Estados autónomos. Durante décadas, o Povo Palestiniano foi um Estado sem terra, uma Pátria suspensa. Só recentemente, com os acordos de Washington, a desocupação da Faixa de Gaza por parte de Israel e o estabelecimento da Autoridade Palestiniana na Cisjordânia, a Palestina possui um embrião de País e de Estado. Desde 1948, data da constituição do Estado de Israel, que o Povo Palestiniano reclamava a terra de onde tinha sido expulso para viver em acampamentos precários e campos de refugiados nos países árabes vizinhos (Jordânia, Líbano, Síria, Egipto).
Também a dramática questão jugoslava, ainda não completamente resolvida, tem no seu cerne o problema das nacionalidades, e só se torna compreensível à luz da anterioridade.
Portugal existe, como Estado autónomo, como «unidade política», desde o século XII. E a Nação Portuguesa, já estaria então constituída? A chamada «consciência nacional», segundo a maior parte dos historiadores, não só não existia como demorou ainda muitos séculos a formar-se. A este propósito, António Sérgio conta um episódio elucidativo: já na segunda metade do século XIX, o rei D. Luís, numa das suas habituais expedições marítimas, encontrou um grupo de pescadores no mar alto e perguntou-lhes se eram Portugueses. Ao que um deles respondeu: «Nós cá na senhor, nós semos póveiros.»
A consciência de se fazer parte de uma unidade mais vasta do que a aldeia onde nascemos só tardiamente se desenvolveu, sobretudo graças ao serviço militar obrigatório, às migrações do interior para as grandes metrópoles do litoral e ao desenvolvimento dos transportes e das comunicações.
«Na Raia da Memória», opinião de Adérito Tavares
ad.tavares@netcabo.pt
Em 1904 surgiu o primeiro dos clubes assentes numa base popular em Portugal: o Sport Lisboa. Num tempo em que o desporto era actividade selecta, este facto assume grande importância social. Curiosamente o carácter popular do Sport Lisboa (depois, SL Benfica) marcaria toda a sua longa existência, transformando-se na sua imagem de marca, na sua identidade própria.
Convém perceber, e muitas vezes tal não acontece, que a vida de um clube de futebol possui significados e simbolismos sociais vastos e complexos (transpostos, ou transferidos se preferirem, para a esfera pessoal), que ultrapassam em muito os meros resultados das competições desportivas. O futebol, como qualquer facto cultural, é apropriado de diferentes formas consoante os contextos sociais. É sentido e significa coisas diferentes em locais diversos. Por isso os clubes de futebol são diferentes uns dos outros: possuem culturas, histórias e identidades distintas. Tracemos, então, alguns dos elementos principais da identidade «Benfica».
Na sua origem, o Sport Lisboa juntou pessoas oriundas de diferentes estratos sociais, principalmente do bairro de Belém, o que lhe conferiu um cunho muito popular, eclético e democratico.
Estas características, felizmente. nunca se perderam. Bem pelo contrário. expandiram-se ao longo dos anos, e estenderam-se, já não só a Belém (de onde o clube saiu em 1908, aquando da fusão com o Sport de Benfica), já não só a Lisboa, mas a todo país. A massa impressionante de adeptos do SLB explica-se por vários factores, sendo o primeiro deles o facto de ter sido o primeiro clube português a desalojar os ingleses do Carcavellos da liderança do futebol lisboeta, tornando-se a mais bem-sucedida formação dos anos 10, em Portugal.
Além disso, o próprio carácter popular do clube, traduzido nos recursos financeiros limitados, que impediam, por exemplo, o aluguer de um campo de jogos adequado, ou o papel preponderante na vida do clube de homens oriundos de camadas sociais menos favorecidas, como Manuel Goularde (o empregado da Farmácia Franco que, juntamente com Cosme Damião, foi a primeira «alma» da agremiação, lutando pela sobrevivência do clube nos piores momentos da «infância» deste) ou a ascensão de um operário, Manuel da Conceição Afonso, a presidente de uma Direcção nos anos 30, transformou-se num factor de atracção de adeptos oriundos das camadas menos favorecidas.
Por isso se pode afirmar que o Benfica dispôs sempre da maior riqueza: a popularidade.
O mais português…
Outra razão fundamental para a popularidade do Sport Lisboa e Benfica foi a tradição de apenas utilizar jogadores portugueses. Assim foi sempre até 1978, altura em que uma Assembleia Geral do Clube aprovou a possibilidade de utilização de jogadores estrangeiros. Os tempos haviam mudado, designadamente porque terminara o acesso facilitado a jogadores das colónias portuguesas, entretanto independentes (desde 1974). Curiosamente, o Benfica foi o clube em Portugal que mais recorreu a este «mercado», tendo construído muito do seu sucesso através desta inteligente politica de aquisições.
Nomes cruciais da história do Benfica, como Eusébio, Coluna, José Águas, Costa Pereira, entre tantos outros, eram oriundos das então possessões ultramarinas. Igualmente interessante é o facto de apesar de jogar apenas com portugueses durante quase 75 anos, o Benfica apenas ter tido um treinador português campeão nacional neste periodo, Mário Wilson (1976). Mesmo depois disso só Toni (1989 e 1994) conseguiu repetir o feito.
Todos estes factores contribuíram largamente para que durante muito tempo se dissesse que o Benfica era o «mais português» de todos os clubes portugueses, até como forma de marcar a diferença e a superioridade sobre os outros «grandes» do futebol luso que sempre promoveram a utilização de estrangeiros nas suas equipas. Daqui terá resultado, em grande parte, a génese desta identidade benfiquista de foro eminentemente nacional, ao contrário de outras identidades clubistas: local no caso do FC Porto, elitista no do Sporting ou bairrista no do Belenenses. Este estado de coisas «agravou-se» na década de 60 com o grande sucesso internacional do Benfica, aprofundando-se a ligação clube-nação, já que os êxitos das «águias» eram sentidos como êxitos portugueses, ainda para mais numa altura em que era grande a pressão política internacional sobre o país, devido à Guerra Colonial.
Extracto de «A Paixão do Povo – História do Futebol em Portugal», de João Nuno Coelho e Francisco Pinheiro (2002).
(Continua na próxima semana.)
«Futebol – A Paixão do Povo», opinião de José Guilherme
joseguilherme.r@gmail.com
Iniciamos hoje, segunda-feira, 2 de Junho, uma nova coluna de opinião coincidindo com a chegada da Selecção Nacional de Futebol a Neuchatel para participar no Campeonato da Europa de Futebol Suíça-Áustria-2008. O futebol é a paixão do povo e a comprová-lo está a apoteótica recepção dos emigrantes portugueses aos craques escolhidos por Luiz Felipe Scolari.
O José Guilherme (que conheço desde os tempos de «A Bola») é especialista em estatísticas dos jogos e dos jogadores, correspondente da IFFHS-Federação Internacional de História e Estatística do Futebol, passou pela «A Bola» e actualmente colabora no diário desportivo «Record». É, igualmente, administrador de um blogue «recordesdabola.blogspot.com» que divulga a arqueologia do futebol português. Bem-vindo!
jcl
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