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Em casa dos meus saudosos pais, que Deus tenha, sempre houve cães, que livremente entravam e saíam da habitação e por ela se movimentavam, sendo estimados por todos, pela utilidade que tinham e pela docilidade que os caracterizava. Hoje há muito quem tenha cães dentro de portas, mesmo na cidade, mas na maior parte dos casos isso constitui uma desumanidade.
Na nossa casa, no Sabugal, os cães tinham um estatuto muito especial, por serem considerados os fieis companheiros de todas as horas. Cabia-lhes guardar a casa, dando sinal sempre que um estranho se aproximasse, e acompanhar-nos nas deslocações e nas labutas campestres, ajudando até na guarda das vacas.
Mau grado a liberdade de movimentos, era-lhes absolutamente vedado dormir na habitação, tendo que o fazer no curral, enroscando-se geralmente debaixo do carro das vacas, que por sua vez se quedava sob o alpendre.
Estes animais eram tratados com todo respeito e humanidade. E ai do quem lhes batesse, maltratando-os. Meu pai, que era um homem severo, não perdoava esse tipo de excessos.
Falo neste assunto a fim de alertar para a mudança dos tempos, num processo muito marcado pelo progressivo desrespeito para com os animais, praticado sobretudo nas cidades.
É uso corrente meter os canídeos dentro de casa, ainda que em apartamentos em prédios de elevada altitude, tratando-os como se fossem gente ou como objectos de estimação. Nalguns casos estes pobres e infelizes animais apenas saem à rua por alguns minutos de manhã ou à noite, para fazerem as necessidades, sendo comum conspurcarem passeios e jardins públicos. No resto, permanecem encerrados, sujeitos a terrível tortura, provocada por gente sem escrúpulos que em alguns casos chega ao ridículo de os vestir com camisola, calções e pantufas.
Na ridicularia do desrespeito pelos animais, há até quem se preste a andar na rua passeando-os, munido de plástico ou luvinha de lycra para apanhar as fezes que depois mete num saquinho que por sua vez enfia no bolso do casaco. Afigurasse-me que tais pessoas nem terão a noção do grotesco.
Pois eu, sendo apologista da prática antiga do respeito sincero para com os cães, defendo que apenas deve ter cão quem possua um quintal junto à casa, espaço onde poderá montar casota e dar ao animal a nobre missão de zelar pela segurança, dando sinal (latindo) quando algum estranho se aproxime.
Faço gala nestas opiniões, baseado na experiência antiga que me foi dado viver nos meus tempos de mocidade, passados no Sabugal. E não se pense que naquela época não estava devidamente regulada a salvaguarda da saúde e da dignidade dos animais de raça canina. Era obrigatório proceder ao seu registo na Câmara Municipal, assim como o era sujeitá-los à vacinação anti-rábica e trazê-los sempre com coleira, onde constasse o respectivo número de registo, a classificação (de guarda, de gado, de caça ou de luxo) e o concelho a que pertenciam. Se um animal fosse encontrado sem vacinação, o dono era sujeito a uma pesada multa, sendo a fiscalização competência expressa de todas as autoridades e agentes do Estado e dos municípios.
«Tornadoiro», crónica de Ventura Reis
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