Mais uma abertura que havia em muitas casas do Casteleiro. O alçapão. Nas casas com dois pisos, por vezes lá estava um caminho abreviado entre um piso e o outro. Para que era o misterioso «buraco» e a escada anexa?
Hoje vai para si um texto mínimo. É sobre uma peça bem especial das casas de muitas famílias na minha terra. Hoje já poucos haverá a funcionar. Mas há cinquenta anos…
Este escrito é produzido e enviado a pedido.
Quando, em roda de amigos beirões contava em síntese a história do «postigo» (que alguém logo emendou para «bestigo», forma bem mais genuína – como já aditei em comentário), houve quem dissesse logo:
– Então e os alçapões?
Aí, senti-me como que apanhado em falta.
O alçapão era fundamental nas casas em que existia.
Por acaso, nas casas da minha família, não havia.
Mas onde havia, era uma passagem fundamental.
Eu explico.
Passagem interior entre dois andares
O frio é muito, em certos meses, no Casteleiro. Isso, todos sabemos.
As casas dantes por norma tinham, não uma escada interior, mas um balcão por fora, para ligar os dois andares habituais (quase todas as casas tinham dois andares e muitas ainda um sótão). Em geral, em baixo são as lojas (para lenha, vinhos, produtos agrícolas etc.). Em cima, a habitação. No sótão, quando havia, mais arrumos.
Ora, no que se refere ao constante movimento entre a loja e a casa, a miudagem era particularmente «castigada». Era preciso cozinhar umas batatas, «Ó não sei quantos, vai lá buscar as batatas à loja». Era preciso queimar mais lenha, «Ó fulano, vai lá buscar uns cavaquinhos».
Claro que os adultos não eram poupados às viagens constantes entre os dois patamares…
Ora, é aí que entra o alçapão.
Muito mais frio se raparia se não houvesse essa passagem: um buraco quadrado de meio metro de lado ou pouco mais, uma escada quantas vezes bem tosca – e pronto, escusava de se ir à volta ela rua a perder mais tempo e a apanhar muito mais frio, muito mais.
É que naqueles dias de antanho ainda nevava no Casteleiro…
Notas
1. Lamento mas esta razão de oportunidade de juntar já o alçapão de hoje ao postigo da semana passada leva-me a adiar de novo a peça já pronta sobre aquele admirável som «tch» da minha terra e da Raia em geral, herdado das gerações que nos antecederam e por nós abandonado…
2. A foto que se publica é de um alçapão, de facto. Mas um dos modernos, com a madeira muito brilhante e aparadinha. Naquele tempo eram bem mais toscas. Foi o que se pôde arranjar como ilustração…
3. Fiquei muuuito satisfeito por descobrir esta semana que o mural do Vale da Senhora da Póvoa está atento e publica bastantes nacos de peças do ‘Capeia’, designadamente com a minha assinatura. E qual não foi o meu espanto ao verificar que mais de 200 leitores tinham manifestado que gostaram de um desses «nacos», como pode ver aqui. A nossa Beira agradece o interesse.
«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
6 comentários
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Segunda-feira, 30 Julho, 2012 às 10:12
Joaquim Fonseca
Obrigado José Carlos Mendes por me recordar “coisinhas” da minha infância. E que bem descreve essas “memórias” !!! Tal e qual, pois na casa de meus saudosos pais, também, havia um desses muito prestimosos e utilitários “alçapões”.
Bem haja e continue a escrever para “memória futura e que, assim, não se perca o nosso património material e imaterial.Salvem-se, ao menos, algumas referências identitárias…
Votos de óptima semana.
Joaquim Fonseca
Segunda-feira, 30 Julho, 2012 às 13:30
Jose Jorge Cameira
Jose Carlos Mendes : o “Vale da Senhora da Póvoa” no Facebook a que te referes é totalmente da minha lavra, sem falsas modéstias. Criei-o, fundei-o só para assuntos ligados à Beira Baixa e em particular ao VSP. Sempre que algo acontece de interesse, eu agarro e jogo para lá. Sinceramente o que copio da tua lavra, valoriza muito essa Página. Com uma pincelada pessoal, ao nível do comentário….
Um abraço, Jose Jorge Cameira-Beja
Segunda-feira, 30 Julho, 2012 às 13:58
Américo Valente
Olá Amigo José Carlos.
Esta do alçapão… levou-me de volta à casa dos meus avós paternos. A casa tinna dois pisos. Por baixo, estava a loja onde se guardavam produtos agrícolas, alfaias, e também lá se encontravam alojados a vaca e o burro, onde havia uma manjedoura para estes animais. Até o pastor (contratado) lá dormia numa tarimba. A casa tinha um “balcão” exterior em granito e, ao entrar a porta principal, havia um corredor. Ao fundo desse corredor havia um alçapão que dava acesso à “loja”, tal como muito bem descreveu no artigo.
Abraço
Américo Valente
PS: Também publiquei no site: http://senhorapovoa02.com.sapo.pt/Opiniao.htm um artigo seu.
Segunda-feira, 30 Julho, 2012 às 14:59
José Carlos Mendes
Caro JF!
Cada casa terá o alçapão que merece – brincando com algo bem mais recente e mais actual do que o alçapão de antanho… algo bem mais trágico, já que o alçapão do país é o que se sabe…
Continuarei, sim, enquanto houver quem se interesse.
Abraço, Quim F..
Segunda-feira, 30 Julho, 2012 às 20:00
José Carlos Mendes
JJC,
Parabéns então pelo
Não imaginava de quem seria, mas agradou-me ver como funciona e a popularidade facebookiana» de que goza.
Não desistas.
Já agora, e para retomarmos o debate no que ele tiver de útil, remeto-te para as minhas respostas aos comentários inseridos aqui: https://capeiaarraiana.wordpress.com/2012/07/23/casteleiro-casa-porta-e-postigo/#comments
Abr.
JCM.
Segunda-feira, 30 Julho, 2012 às 20:08
José Carlos Mendes
Caro Américo,
1
Sim, as casas com alçapão funcionavam mesmo assim, como você diz e eu tentei aproximar na peça.
2
Essa da tarimba… lembro-me tão bem, na casa dos meus avós… um dia descrevo as ambiências da tarimba dos meus tios, onde me deixavam pernoitar uma vez por outra…
3
Sim, já tinha visto no «senhorapovoa02» a transcrição do meu texto intitulado «Casteleiro, anos 50: processos de migração». Se isso serve para alguém se sentir melhor na nossa terra, já me dou por muito satisfeito.
Um abraço também.
JCM.