Variados factores influenciaram os habitantes de Riba Côa no seu falar, contribuindo para a criação de uma espécie de «dialecto empobrecido», com muitas originalidades, como de resto observou e explanou a filóloga Clarinda de Azevedo Maia no seu estudo «Os Falares Fronteiriços do Concelho do Sabugal e da vizinha Região de Xalma e Alamedilla», datado de 1964.
Mas de onde provém essa forma de falar que se enraizou na raia ribacudana? Francisco Vaz (in Alfaiates na Órbita da Sacaparte, Lisboa, 1989), lança alguma luz, aventando possíveis fontes desse linguajar peculiar, sobretudo no que reporta ao léxico: «O idioma leonês que nos embalou o berço; a tradição cujas raízes não secam; vocábulos de criação original e simbólica, colhida das coisas; também a lei do menor esforço; a onomatopeia que supõe erudição».
A influência mais notada, segundo a generalidade dos estudiosos, terá sido o idioma do país vizinho, fruto dos contactos assíduos. A tudo isto não é alheio ainda o bilinguismo dos falantes, que ao conviver entre os dois lados da fronteira falam com facilidade ambas as línguas, fazendo com que, do nosso lado, expressões castelhanas integrem o falar normal e quotidiano das pessoas.
Depois, há a considerar que a linguagem do povo é, em todo o espaço e em todo o tempo, composta por um falar prático, funcional, recorrendo ao pragmatismo e à simplicidade de exposição, sem muitos rodeios e elaborações. Isso não significa ignorância, mas sim revela a forma nua e crua como pessoas que vivem na mesma comunidade, em amplos aspectos fechada ao mundo, necessitam de comunicar com absoluta compreensão. Claro que existem falares mais elaborados, quer ao nível da estrutura sintaxológica, quer ao nível lexical, mas isso reporta-se a compartimentos mais estanques do todo social, sobretudo no âmbito de grupos profissionais.
Grande importância teve também a corruptela ou simples deturpação de palavras e sons, que variam de terra para terra, sobretudo ao nível da pronúncia, cuja alteração acentuada conduzia a diferentes forma de expressão e a uma abundância de termos característicos.
Mas no que especialmente toca à fonética e à prosódia, há que atender à natural tendência para a simplificação de sons, dentro da lei do menor esforço, como é exemplo a supressão de sílabas ou o seu encurtamento. Também se trocam letras, sendo usual o câmbio do v pelo b, tão vivo em algumas terras ainda nos dias que agora correm (belho, binho). Também o ch se transforma geralmente em tch (tchouriça, tchapéu, bitcho), o que resulta da influência do falar castelhano. E, sobretudo, como elemento caracterizador, o som sibilante do s, que aparenta transformar-se em x (xou do Xabugal), o que na verdade não sucede. Aqui atendamos em o que nos deixou escrito o investigador miuzelense José Pinto Peixoto (in Miuzela – A Terra e as Gentes, Lisboa, 1996), na sua crítica à normalização da língua e ao consequente desaparecimento de ricas formas de expressão: «Havia uma diferença muito pronunciada nas sibilantes. Assim se distinguiam as sibililantes provenientes do s dobrado (ss), com tendência a pronunciar-se de forma dental, quase como se (asssim, passso, ect.) do c e s iniciais, ou do ç de origem árabe (sincelo, açafate, sete, etc.)».
Tenhamos também em conta as sábias palavras de Célio Rolinho Pires, autor de cavados estudos sobre o nosso berço raiano: «O homem do povo, a cuja cultura o homem erudito nem sempre deu a devida importância, regra geral prima pela simplicidade, pela lógica, pela racionalidade, pelo bom senso». Isto aplica-se especialmente ao modo de falar popular característico da nossa região.
Muito haveria a referir quanto à objectiva caracterização da forma de falar das gentes de Riba Côa, contudo não possuímos formação nem conhecimentos de Filologia que nos habilitem a tal. Contudo, também não é meta destes trabalhos esparsos mergulhar no estudo da parte sintáctica do falar. Deixemos tal tarefa para competentes linguistas, que nos evidenciem a disposição dos termos nas proposições e destas no discurso. O mesmo ocorre quanto à Fonética, campo imenso a desbravar em estudos mais profundos, baseados num rigoroso trabalho de campo, aprofundando a valoroso trabalho efectuado pela professora Clarinda Azevedo Maia, da Universidade de Coimbra.
Paulo Leitão Batista, «O falar de Riba Côa»
leitaobatista@gmail.com
2 comentários
Comments feed for this article
Segunda-feira, 21 Maio, 2012 às 9:14
Fernando Latote
Vejam o que se fez do outro lado da fronteira. Traz referencias a terras da raia do lado de cá….
http://usuarios.multimania.es/serragatinu/habla1.htm
Segunda-feira, 21 Maio, 2012 às 18:44
José Carlos Mendes
Paulo!
Magnífico tema. Temos muito que «conversar» nesta plataforma, e mais ainda a partir de agora, pelo que vejo.
Registo desde logo algumas coincidências mas também muitas divergências entre os modos de falar do Casteleiro e da Raia.
Uma coisa que sempre me impressionou é o modo muito mais vivo, mais «cantado», mais entoado da Raia e o modo muito mais soturno, mais morto, mais fechado dos falares do Casteleiro.
Outra é o ê de rego.
Na Raia cantam o ê e deixam-no próximo do é francês de félicité. No Casteleiro, esse e de rego fica muito mais próximo de um a átono: raago (o mesmo som do a de mas).
E há mais.
Um dia destes vou por aqui dentro, num próximo artigo do Paulo.
Exemplo prático
Agora vou tentar uma tradução fonética do português de escola para o modo de falar do Casteleiro, para que fique ainda mais claro.
Um de vocês que me devolva a bola e faça a versão disto mesmo para os falares ribacudanos, para ver se acertamos estes passos…
Eis a frase, em português de escola:
«No Casteleiro também se fala mais ou menos assim.
Mas não se dizem essas coisas esquisitas todas à moda da Raia.
Cada um é como é. E haja saúde e coza o forno.
Porque já os nossos pais diziam que mais vale um rego de água a correr do que muito dinheiro no bolso.»
Agora, a versão disto no falar do Casteleiro:
«Isto inté é ingrasssado (este s é muito, mas muito palatal).
No Casstelêro tamããe se fala mai ò menos asshim (este s é palatal mas perto do x. Não +e x, atenção).
Mass nu se dizãe essas côsas (este o é que é uma chatice, porque é muito próximo do oe francês da palavra coeur mas não é igual… nunca é, certo?) isqueesitas todasss da Raia.
Cada um é como èi. E haja ssshaúde e cozzzha o forno.
Pruque já os nosshos pais d’zião que mai vali um râgo (atenção a este e: fica algures entre entre o ê o o a mudo) d’ auga a corraari di ca munta d’nhêêro no bolso.»
Interessante?
Venha então a versão raiana disto, para vermos se bate certo.