Abordamos neste artigo, e noutros que se seguirão, o linguajar tradicional do povo raiano das zonas do Sabugal e de Riba Côa, procurando caracterizar formas de expressão que o tempo está a fazer desaparecer, face ao continuado processo de normalização linguística. Depois de uma superficial caracterização desse «falazar» típico, seguir-se-á a publicação de um léxico enumerando alguns dos termos populares e os seus significados.
Uma nota prévia para referir que, não me opondo à natureza prática do Acordo Ortográfico tendo em vista harmonizar a Língua Portuguesa escrita e falada por diversos povos no mundo, considero que a raiz e a matriz de uma língua está no povo que por ela se expressa. Por isso cito e concito Aquilino Ribeiro, o escritor português que melhor defendeu o regionalismo tradicional português: «Persisto em crer que pouco pode a disciplina léxica e literária contra o uso inveterado e a acção do inconsciente mas irrefragável formador da língua que é o povo» (in Aldeia – Terra, Gente e Bichos). E é precisamente na riqueza lexical da língua portuguesa falada pelo povo de Riba Côa que me irei centrar, formulando uma recolha de palavras e de expressões linguísticas que o tempo já quase derriscou.
As gentes de Riba Côa, herdaram um «falar português» algo diferente daquele que é praticado noutras partes do país. Há de facto peculiaridades de expressão, que caracterizam a fala do povo desta faixa de terra que vai de Quadrazais a Barca d’Alva, com influências visíveis em ambas as margens do rio Côa, à roda do qual os povos se estabeleceram e comunicaram entre si.
Sendo a fala o meio mais poderoso na comunicação entre as pessoas que vivem numa mesma comunidade, ou em comunidades vizinhas, estes povos construíram um modo de expressão linguística próprio, com características claras ao nível da morfologia, da sintaxe e do léxico.
Não se trata porém de um dialecto, muito longe estamos disso, porque aí teríamos uma variante da língua portuguesa, da qual diferiria por características fonéticas, fonológicas e particularidades lexicais muito vincadas – em Portugal só o Mirandês é considerado um dialecto, pois diferencia-se em determinadas situações do português padrão, ainda que lhe seja muito próximo. No que toca a Riba Côa, estamos perante um falar, que incorpora alguns desvios em relação ao português normal, com particularidades fonéticas e lexicais, e apenas com forma na oralidade. Porém, mesmo em termos de falar, estamos perante um conceito limitado, porque só com alguma vontade se pode hoje considerar que ele existe, pois não é notada complexidade nem coerência que permita concluir tratar-se de uma variante linguística, ainda que ténue.
Os artigos seguintes abordarão a origem do linguajar característico desta região e o desenvolvimento da sua fonética, morfologia e sintaxe. Abordar-se-á ainda o processo de normalização linguística (que destrói a riqueza lexical), e apresentar-se-á um léxico que foi fruto de uma aturada recolha no terreno e nas obras escritas de muitos autores, sobretudo dos nossos maiores monografistas.
Para justificação deste modesto intento, cito o prestigiado filólogo Manuel Paiva Boléo: «Todo o homem que não explorou cuidadosamente os falares regionais do seu país, não conhece da sua língua senão metade».
Paulo Leitão Batista, «O falar de Riba Côa»
leitaobatista@gmail.com
3 comentários
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Sábado, 19 Maio, 2012 às 20:08
João Valente
Leite de Vasconcelos abordou este assunto num artigo sobre os falares de fronteira.
Sábado, 19 Maio, 2012 às 21:06
João Valente
Em tempo: Penso que foi o Teófilo Braga que reuniu uma colectânea de contos tradicionais portugueses, reproduzindo as falas do povo, alguns da zona de Trás-dos-montes (Riba-Côa pertencia a essa província.) também de grande interesse filológico.
Sábado, 19 Maio, 2012 às 22:04
Fronteiras Historiasdaraia
Boa noite,
Gosto imenso do esforço que faz este blogue por achegar-nos à cultura popular ribacudana, mais exactamente, do concelho do Sabugal, um dos meus preferidos da região. Não sendo natural de lá, sinto, no entanto, uma ligação com a sua cultura e as suas gentes. É por isso que louvo este esforço em apresentar-nos os traços do falar da região, traços que, como disse o autor, infelizmente com a globalização, tendem a difuminar-se perdendo-se irremediavelmente.
Tenho de dizer, porém, que o mirandês não é propriamente um dialecto, mas sim uma língua, como reconhecido pela República Portuguesa apartir de 1999, sendo língua oficial no concelho de Miranda do Douro e três freguesias do concelho de Vimioso, onde ainda se fala. Como língua, vem do tronco asturo-leonês com evidentes influências da língua portuguesa.
Quanto aos falares de Riba-Côa, fazem parte dos falares da Beira Alta, mas não devemos esquecer o facto de a região ter estado na posse do reino de Leão até ao Tratado de Alcanizes de 1297, se bem o rei D. Dinis já tinha ocupado a região um ano antes, consumando-se a mudança de soberania no tratado já citado. É óbvio que esses traços linguísticos asturo-leoneses deixaram a sua pegada nos dialectos locais e ainda temos de considerar a sua situação arraiana e os contactos de um e do outro lado da fronteira com o contrabando e o comércio.
Espero ansiosamente as novas entregas. Apenas queria fazer uma observação quanto a um pequeno erro muito frequente, mas não sem louvar este tipo de iniciativas. Votos de sucesso para esta iniciativa.
Luís Seixas.