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O afazer que mais me ocupava era andar escarrapachado na albarda do macho, percorrendo os caminhos do Senhor, na venda de mercancias. Só que à lida de contrabandista e de azemel juntava a do cuido das leiras que me couberam em herdo, como já no atrás lhes contei.
As terras nunca ficaram ao desmazelo, que a vida do pobre não se prestava a tamanhas vaidades.
Do renovo que semeava e tratava nas baixas o que mais produzia e dava ganho eram as batatas. Semeadas em terra estrumada e abarbeitada, era um regalo vê-las ganhar rama, enquanto se sachavam e regavam. Em Agosto metia-se-lhe a enxada ou o arado. Apanhadas e escolhidas, a parte destinada ao sustento da casa amontoava-se na tulha da palheira, e a que estava em demasia era ensacada e acarrejada para a estação da Cerdeira, donde embarcava em vagões para terras distantes.
Pois num dos anos, quando a rama das batateiras já despontara, aconteceu-me uma desgraça, que também não deixou impunes as restantes gentes da Bismula e povos em redondo.
Nos fins de Maio assomei-me às leiras do chão do Açude e notei que em algumas batateiras havia uns pontos amarelos que me intrigaram. Aparentavam ser ovos de borboleta, mas estranhei serem tantos, coisa por mim nunca vista. Ainda assim volvi a casa sem me preocupar com o assunto.
Dias depois deu-se brado no povo de que os batatais apareciam de rama comida da noite para o dia. Chamei o meu rapaz mais velho e démos uma saltada às veigas, a dar fé do que ocorria. Na verdade as folhas da mor parte das batateiras estavam mordiscadas, como se por ali tivesse andado coelho bravo, mas pareceu-me desajustada a conclusão, pois é sabido que o coelho prefere a hortaliça, e esta abundava numa leira ao redor. Examinando as plantas descobri alguns bichos, sobre os quais nunca houvera posto a vista. Eram vermelhos, de forma arredondada e da grandeza de uma joaninha, só que encarrapatos, de cabecinha preta e minúsculas patas da mesma cor. Filei um e esborrachei-o nos dedos, botando um líquido alaranjado, pegajoso e de mau cheiro.
– Caracho! Mas que bicho é este? – perguntei, surpreendido.
– Eu cá disso nunca vi, Senhor! Amóde que parece um carrapato – disse o meu rapaz.
– Por lá nasceram de uns ovitos que aqui enxerguei há dias.
Conclui que era o bichinho quem se alambazava com a rama do batatal.
– Estamos perdidos, filho! Este bicho é a nossa desgraça. Tão pequeno e não enche a barriga!
Esborralhou-se o pavor por toda a redondeza. O ano era de praga e adivinhava-se fome no Inverno.
Alguns apregoaram que os bichos haviam sido botados de avionetas, mas de tal dito pássaro voador eu não dera fé. E gente mais letrada culpou os «amaricanos» por tal acometimento, sabe-se lá porquê!
Entrementes, e sem me interessar pelo que se alanzoava, apus-me à tarefa de dar termo à praga. Fiz alinhar a mulher e a canalha e metemo-nos pelas leiras, de rota batida, à cata do bicho malfeitor. Por uma manhã lhe demos caça, correndo o batatal até juntarmos uma vasilha de bichos. Reguei-os com petróleo e apichei-lhes um palito. Foi um ar que lhes deu!
Mas quê? Em poucas semanas germinava nova bicheza que, aos poucos, me ia rapando o batatal. Vi que os bichos encarrapatos ganhavam asas e ficaram adornados com esbelta casaca listrada. No meu pensar seriam estes a reproduzir, dando por interminável a praga.
Organizaram-se novas caçadas, repetindo-se a operação. De resto, era assim que se procedia por todo o lado, mas de nada valendo. Os bichos apareciam às carradas e, num ai, dizimavam os batatais. Houve gente que salpicou o renovo com água benta, mas nem o sagrado líquido lhes valeu.
Anos depois, de nada valendo mezinhas, ungentos e respingadelas, deu brado que se vendia no Grémio da Lavoura, no Sabugal, um remédio de muito mau cheiro, que se misturava com água e se borrifava nas batateiras. Aí sim, a bicheza caía em grande mortandade, deste modo se salvando a lavoura de uma peste que parecia não tem fim.
Mas há por aí quem diga, e eu sou um desses, que foram os tais americanos que trouxeram o bicho para depois nos venderem o remédio.
Paulo Leitão Batista, «Aventuras de um velho contrabandista»
leitaobatista@gmail.com
Bandarra, o poeta de sibilino estro, ou, se o acento mudar o profeta de lírica inspiração, anteviu nas suas congeminações, a traição ao espírito europeu perpetrada no seio até da instituicão que mais forte e impressivamente modelara, ou seja a madre que nos Céus está em essência.
Muito forte bate o vento
Nas paredes da Igreja
Alguém caída a desja
No levantar vai o tento.
Premonitoriamente, apenas, já que Trancoso, a Raia da Guarda e mesmo todo o Portugal, incluindo Lisboa, se situaavam muito para além das fronteiras onde Calvino, João Huss ou Erasmo haviam lançado as suas teorias, Gonçalo Enes dera-se conta de que o Ocidente Cristão entrara em cissiparidade.
A quadra que acima se transcreve repercute, em linguagem mais chã o grito de Camões:
Ó Míseros cristãos, pela ventura
Sois os dentes de Cdamo desparzidos
Que uns aos outros se dão a morte escura
Sendo todos de um só ventre produzidos.
A invectiva camoneana que tão veementemente abre o Canto VII de Os Lusiadas ficou depois a servir de tema para os poetas de todas as gerações subsequentes:
Terrível, bem terrível bate o vento,
Já tremem as paredes da Igreja
De a derrubar fizeram juramento
Contra Ela e contra a Europa se peleja…
É que o combate contra o espirito europeu, desencadeado adentro da propria Igreja e atiçado até por alguns dos seus hierarcas, altos dignitários, mesmo, não mais parou.
Os inimigos da Igreja e da Europa obviamente que se lhes aliam.
Todos os pretextos servem: a autoridade pontifícia, o celibato ecelesiástico, a falta de democracia nas cúrias diocesanas, a selecção dos prelados, a detenção de bens materiais por comissões fabriqueiras, sés episcopais ou o papado, ligações ao poder político.
Mas não a todo, que o inimigo se situa apenas nas trincheiras do Orbs.
Os poetas, sempre prescrutadores da realidade, frisaram-no:
A César; o de César, disse Cristo,
Agora, os fariseus, dolo previsto,
Repetem de má fé o episódio
Cesareos só serão, eles o entendem
Aqueles que a lei de Deus defendem,
Tamanhos desatinos gera o ódio…
João Paulo VII, exactamente porque veio do Leste, o que lhe permitiu um mais perfeito conhecimento do que têm sido para a Igreja e a Europa, certos católicos e os que se lhes juntaram em movimentos pretensamente ecuménicos ou 1hes servem apenas de compagnons de route, não se deixa impressionar.
A Igreja não é nem pode ser uma sociedade democrática, mas sim uma sociedade estruturada. Nas primeiras, regem as maiorias; nas segundas, há outros criterios de direcção.
As arremetidas dos que pretendem esfarrapada a inconcussa túnica do Cristo vêm de longe.
Das que ocorreram para além da Europa ou no seu limite não vale a pena falar, pois transcendem as naturais contingencias deste artigo. O mesmo se diga quanto à Reforrna Protestante.
Na Europa propriamente dita, que se manteve fiel ao Catolicismo Romano, a primeira questão grave surgiu em França, por volta de 1831, com o caso L’Avenir e que terrninou corn a condenação de Lamennais. Nos fins do século passado foi o problema Sillon e em 1914 o movimento modernista, um e outro terminados igualmente pela condenação papal.
Por volta de 1960, foram os casos do jornal Témoignage Chrétien e da Jeunesse Étudiante Chretienne.
Prendia-se então impor ao Episcopado Francês, que condenara o jornal e o movimento, a tese de que, mesmo no seio da Igreja, são as maiorias que comandam, pelo que a Acção Católica se deveria determinar, não pelas recomendações da hierarquia, ou as directivas papais, mas sim pelo voto da maioria dos militantes de base.
Sociedade estruturada, isso não significa contudo, que deve furtar-se ao diálogo.
De resto, até pelo Evangelho, que considera irmãos todos os homens, o cristão tem o dever de se encontrar aberto ao intercâmbio permanente de ideias.
Mais, a única intransigência que lhe é imposta versa sobre a matéria da Fé.
Aqui é que não pode admitir-se o império das maioriaa ou aquilo que os progressistas chamam de ventos da História.
Aliás, a divisa ÓDIO AO PECADO, MAS PERDÃO AO PECADOR, parece ser a melho fórmula para a resolução de diferenças.
Mas não se pode ceder ao erro. O Papa como guardião da Fé foi instituído pelo próprio Cristo e a sua decisão tem de prevalecer sobre a vontade de quaisquer grupos, ainda que fortemente maioritários, de cristãos.
E, se o alarido vem de sectores clara e abertamente hostis à Igreja que surgem desarvoradamente em defesa da democracia para ela, o que os cristãos têm de fazer é pôr-se de remissa a indagar das razões por que os inimigos da Fé se dizem preocupados com uma matéria que lhes não respeita.
«Politique d’ Abbord – Reflexões de um Politólogo», opinião de Manuel Leal Freire
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