Há mais de uma década, cruzei-me acidentalmente no Fundão com o Padre Mário, desconhecendo a razão porque estabelecemos diálogo durante alguns minutos. Logo ali, talvez por termos sangue beirão, entrámos em empatia. Além da agradabilidade da nossa conversação, de um certo sentido de humor, da sua humildade, dois factores pesaram para durante estes anos mantermos uma amizade profícua, o Padre Mário era quase meu conterrâneo e tinha o nome do meu filho mais novo.

Pertencemos ao mesmo Concelho do Sabugal. O Padre Mário natural de Monte Novo – Pousafoles do Bispo, e eu da Bismula, situada no Planalto das Terras do Ribacôa, que o Tratado de Alcanizes, no reinado D. Dinis, agregou à Coroa Portuguesa.
A partir daquele dia muitas outras vezes nos cruzámos pelas ruas do Fundão, trocámos impressões sobre diversos temas, das nossas origens, das nossas gentes, das vivências e pastoral da Igreja. Ele com muitas responsabilidades em diversas acções, principalmente de dirigir a vida de um Seminário Menor.
Quis o destino que a seguir ao nosso conhecimento pessoal, em regime de substituição do Pároco de Aldeia de Joanes, conjuntamente com outros sacerdotes amigos, participasse às exéquias de um meu filho, o acto mais doloroso vivido. Nunca mais esqueci as palavras de solidariedade, de conforto, de esperança, de fé, de amizade, que me transmitiu no final da cerimónia fúnebre.
Nas diversas visitas ao Seminário por inúmeras actividades, sempre me recebeu com os braços e coração abertos, sem cerimónias, com simplicidade, com muita fraternidade e proximidade. Notei que fazia parte da sua família, do grupo dos seus amigos.
Numa das últimas visitas à Instituição, já há muito que não era Reitor, mas ali tinha os seus aposentos, com marcação prévia do dia e hora, disse-lhe que era a minha intenção, ofertar-lhe um livro sobre o meu Pai e ver um pequeno filme sobre a sua apresentação. Acedeu e disse-me que viesse preparado para jantar. Cheguei mais cedo que o combinado e recebeu-me no seu quarto, dei-lhe uma explicação dos fundamentos do «Pater Famílias», título do livro, que dava uma panorâmica religiosa, política, social e cultural das nossas origens, com uma personagem principal, o meu Pai – sua vida e obra.
Convidou-me para a Eucaristia com os alunos numa pequena capela e, qual é o meu espanto, que nem metade participava. Estranhei tanta ausência, perguntei-lhe os motivos e o Padre Mário encolheu-me os ombros… e disse-me que estavam a estudar.
Seguimos para o refeitório comunitário e fiquei ao seu lado, conversando sob os olhares estranhos de outras personagens, com a ideia de que estava ali um intruso, um estranho…que era eu. De seguida partilhámos as imagens que o computador nos ia apresentando numa sessão que demorou uns vinte minutos.
Muitas vezes se deslocou à minha Paroquia de Aldeia de Joanes, principalmente na Celebração da Eucaristia e no acompanhamento dos Funerais. As suas homílias eram curtas mas de grande riqueza evangélica.
Nas cerimónias fúnebres admirava a sua tenacidade e a sua religiosidade. Não ia no carro, mas sim a pé, e com a sua voz forte e firme rezava o terço por alma do defunto, seguido por todos os acompanhantes naquela oração.
Há dias no Hospital da Covilhã dei-lhe o último abraço. Tive essa convicção dada a gravidade da sua doença.
Este é um pequeno testemunho de quem acompanhou esporadicamente um Padre que desempenhou diversas missões, um homem de acção e de trabalho, sem esquecer as suas facetas humanas, sociais e de proximidade com o povo.
Com a sua morte, ficamos mais pobres, partiu mais um obreiro da seara do Senhor, perdeu-se um HOMEM E CIDADÃO do Fundão. Perdi um amigo e um conterrâneo.
António Alves FernandesAldeia de Joanes
(Veja aqui um artigo de Pinharanda Gomes sobre o Cónego Mário)