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Vem, meu amado.
Vem até este gracioso bosque de macieiras, onde a água fresca canta
entre as raizes das árvores, e a trémula sombra das figueiras desce um
sono pesado sobre as minhas pálpebras.
Vem, meu amado.
Segreda-me palavras doces ao ouvido, e minha alma te ouvirá cativa e
amorosa, e as nossas noites serão como os regatos tranquilos cobertos
de flores primaveris, nenúfares brancos, cujo perfume a brisa sopra
docemente, em sonhos de amor.
Meus lábios serão teus, meus cabelos serão os teus cabelos, como a
raiz é da flor, a flor é da abelha e a asa é do pólen.
Vem, decansa a cabeça nos meus seios, bebe a doçura da minha boca, que
eu sou o mel de que teus lábios gostam.
Vem, amado do meu coração!
Vem; vem, que toda eu te quero!
Vem; procura o calor das minhas coxas
Que começam a extremecer.
O amor é mais doce,
Feito ao amanhecer.
«Arroz com Todos», opinião de João Valente
joaovalenteadvogado@gmail.com
Entre o que se diz e o que se cala ficará sempre o que pode ser contado e hoje confesso, caríssimo leitor, que nos meus tempos de infância, o mundo inteiro cabia nos limites do meu Pequeno Mundo. Qualquer território adicionado sempre fez crescer a descoberta, sempre foi somando surpresas.
Assim me surgiu a raia como um território exterior, um território do além, para lá do meu mundo infantil, integrando a imensidão de um outro mundo, situado lá, onde, o meu Pequeno Mundo já era para ter acabado.
A Raia parecia-me, pois, o país do sol nascente, situado do lado de lá, do lado de onde vinha a luz do dia. O sol nascia luminoso e radiante rasgando o céu em claridades e, depois, sobrevoava as jornadas até declinar no lado oposto.
A Raia foi, portanto, um território emergente surgido do desconhecido, vindo do reino do abismo, do lado de onde vinham os astros que, sem interrupções, traziam sinais indiciadores de outros mundos.
Com esta descoberta fiquei a saber que, para além dos limites do meu Pequeno Mundo, não ficava o fim do mundo. Fui, então, crescendo, decorreu a infância e a adolescência e a raia foi-se integrando.
Mas a fronteira não era toda a mesma. Havia raias intrinsecamente diferentes! Havia uma mais próxima com maior sabor a Espanha e, até, a França por onde se escapavam os braços endurecidos dos homens de trabalho. Diziam-me que iam «a salto» em busca de melhor sorte. E eu, criança, por cá ficava, meditando, imaginando o salto, adivinhando a sorte.
Mas havia uma outra Raia que só descobri mais tarde, já bem adolescente, quando estudei no colégio (Outeiro de S. Miguel). Essa, outra, começou por me oferecer amigos e não sei por que secreta razão eles se fizeram amigos de toda a vida.
Claro que, inicialmente, me trouxeram novidade, muitas novidades, tantas como se fossem oriundos de um país diferente. Quase trouxeram, encaixando na minha, uma cultura nova. Contaram-me, explicaram-me uma certa festa taurina, a que chamavam garraiada e que chegou a ser simulada entre adolescentes. Falaram-me das festas de S. João, festas de pasmar, com bailes, fogueiras e mastros embonecados, festejos muito diferentes das humildes festas de S. João da minha aldeia. Trautearam-me, na tentativa de melhor me explicarem, cantigas dessas festas. «Aí repenica, repenica, repenica e o São João a suar em bica».
Conheci, sem nunca ter visto, tão só por me terem contado, algumas personagens (típicas) sabugalenses como aquele homem (menos) religioso que no dia da visita pascal meteu o burro em casa. Ora, o pároco, encabeçando o cortejo intentava deixar as bênçãos e recolher esmolas. Chegado à residência da dita personagem abriu o postigo mas apenas foi cumprimentado pelos espirros da alimária.
Não deixo, então, não posso de dizer que… a raia e o Sabugal foram importantíssimos acrescentes ao meu Pequeno Mundo.
«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
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