«Fantasia Lusitana» é um excelente retrato de Portugal. E vê-lo nesta altura, em que somos iludidos por todos, sejam os governantes ou os mercados (sejam eles quem forem), foi o mais indicado.
O documentário é de 2010, mas tive oportunidade de o ver este fim-de-semana no âmbito do Festival Panorama, dedicado ao cinema documental feito em Portugal, onde o destaque foi dado a um punhado de filmes realizados no pós-25 de Abril. Pegando sempre em imagens de arquivo, o realizador João Canijo conseguiu em «Fantasia Lusitana» mostrar dois países diferentes: um visto pelos olhos da propaganda da ditadura liderada por Salazar e outro visto pelo olhar de três estrangeiros que passaram por Lisboa durante a época retratada no filme.
O período em causa é o da II Guerra Mundial, conflito em que Portugal se manteve ‘neutro’. Esta neutralidade foi aproveitada até ao expoente máximo pelo regime para mostrar o papel que Salazar teve para nos deixar fora do conflito que estava a destruir a Europa. Quase como o actual primeiro-ministro tentou fazer para nos afastar do FMI, ou da ajuda externa, como gostam de lhe chamar.
Sem narração actual, ou seja, Canijo aproveitou apenas o som dos filmes de época recolhidos, este é quase um país das maravilhas, onde as contas públicas estão em ordem, e que mesmo em tempos difíceis é capaz de organizar uma Exposição do Mundo Português que demonstra que Portugal está acima de qualquer guerra. Mas a cena do lançamento da nau Portugal, que afunda assim que é lançada às águas, já é um prenúncio que nem tudo estava bem.
O outro país é narrado por três refugiados que passaram por cá durante a II Guerra Mundial, quando Lisboa servia de plataforma de entrada e saída para melhores destinos. E a imagem que estes três estrangeiros – Antoine de Saint-Exupéry, o escritor de «O Principezinho», Alfred Döblin, o autor de «Berlin Alexanderplatz», e Erika Mann, filha de Thomas Mann, – aproxima-se mais da dura realidade. Um país pobre, com uma população pouco escolarizada e onde os refugiados se vêem presos e têm de enfrentar duras condições.
Numa altura em que voltamos a sofrer na pele uma crise bastante complicada, «Fantasia Lusitana» quase que pode ser visto como um grito de alerta para o que se está a passar, quando muitos nos tentam convencer que as coisas não estão tão difíceis como parecem e nos iludem com falsas mensagens de que tudo está bem. E poucas vezes um filme centrado num passado mais ou menos longínquo conseguiu ser tão actual.
«Série B», opinião de Pedro Miguel Fernandes
pedrompfernandes@sapo.pt
3 comentários
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Quinta-feira, 7 Abril, 2011 às 20:25
João Duarte
Já vi este filme em DVD. Um grande filme… aconselhável , sobretudo, a todos aqueles que dizem que no tempo da “outra senhora” é que era bom… O que mais me impressionou foi dizer-se (mas aqui julgo que nos Extras) que uma família normal de trabalhadores da agricultura, das Beiras ou Trás-os- Montes, tinha apenas o valor de 25 tostões em “tarecos” dentro da sua casa. 25 tostões… Para quem diz que era bom, talvez este número impressione…
Sexta-feira, 8 Abril, 2011 às 18:33
Teresa Duarte Reis
Meu colega Confrade, como eu aprendo consigo! Parabéns pelo seu trabalho
Segunda-feira, 11 Abril, 2011 às 21:59
Pedro Fernandes
João, é bastante recomendável, até para dar a ver a quem não conhece a realidade do nosso país naquela altura. A questão dos 25 tostões em tarecos surge no filme.
Obrigado, Teresa. Faço os possíveis.