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Decididamente a Igreja não sabe lidar com as questões do sexo. Sempre que as mesmas se colocam na sociedade, as estruturas religiosas raramente acertam o passo, assumindo habitualmente posições contrárias ao resto da sociedade.

São sobejamente conhecidos os engulhos eclesiásticos acerca da inadmissível discriminação das mulheres, que constituindo a maioria dos fiéis, são estranhamente impedidas de aceder aos cargos sacerdotais. A culpa, neste caso, também é delas, pela passividade e falta de contestação, incompreensível quando comparada com a força demonstrada na luta pelos seus direitos, pela sua emancipação e pela igualdade noutras áreas da sociedade. Pelo contrário, em matéria de religião, continuam, a aceitar a subalternização, como se Deus as tivesse abandonado. Mas não será de excluir que um dia destes as mulheres façam greve à religião, deixando as igrejas vazias!
Outro tema recorrente é o casamento dos padres que, segundo alguns, resolveria o problema da falta de vocações. O Vaticano, porém, nem quer ouvir falar do assunto, demonstrando que ao nível mais elevado da hierarquia da Igreja há assuntos que são autênticos tabus. João Paulo II, apesar de mais aberto à mudança que o actual Papa, também não aceitou discuti-los. No entanto, os incumprimentos ao celibato sacerdotal continuam nos dias de hoje a fazer estragos sociais e deixar sem pároco algumas das nossas freguesias. Ainda recentemente, assistimos a uma mediática história amorosa, entre um jovem pároco português e uma sua paroquiana.
Neste capítulo, a Igreja deu alguns passos atrás, já que no passado, muitos dos clérigos eram casados e tinham filhos. Não soube, por isso, tirar partido da realidade de então, para em definitivo instituir o casamento dos padres e dessa forma universalizar o acesso ao sacerdócio. Teria matando 2 coelhos de uma só vez!
Na mais recente visita a Angola, o Papa voltou a escorregar no ataque ao preservativo, considerando-o como uma espécie de atentado à vida. Numa região em que a sida é o mais sério problema de saúde e de mortalidade, ninguém entendeu a mensagem do sumo pontífice. Neste capítulo, bem pode dizer-se que a instituição religiosa parece ter receio da inovação e do moderno. O controle de natalidade sempre existiu no passado, com formas arcaicas e bastante cruéis, como o abafamento de bebés e outros métodos, bem conhecidos e tolerados pela Igreja. Ao criticar as formas modernas, cómodas e sensatas de controlo de natalidade e que tornam as relações sexuais mais seguras, a Igreja demonstrou mais uma vez a sua dificuldade em lidar com o sexo.
Os piores fantasmas, no entanto, são as notícias que em catadupa, tem vindo a lume nos últimos meses sobre os abusos de pedofilia, supostamente perpetrados por padres em vários países do globo. Estes casos estão a abalar seriamente a ética da instituição religiosa, que não soube no passado recente lidar com o assunto, não soube tomar medidas atempadamente e assobiou para o lado, como se de assunto alheio se tratasse.
Neste particular, o problema poderá tomar dimensões mediáticas catastróficas e está a deixar o próprio Bento XVI em maus lençóis.
«Terras do Lince», opinião de António Cabanas
kabanasa@sapo.pt
José Cardoso Pires nasceu em 1925, em São João do Peso, concelho de Vila de Rei e distrito de Castelo Branco, filho de um oficial. Já em Lisboa, faz os estudos secundários no Liceu Camões e frequenta o curso de Matemática da Faculdade de Ciências de Lisboa, sem todavia concluir o curso. Colabora na página literária do jornal «O Globo» e publica comentários de leitura na revista «Afinidades» do Instituto Francês de Lisboa.
A um tempo lançou-se na produção literária, onde esteve sempre ligado à ficção de implicação social, aliando as concepções neo-realistas às existencialistas. Notabilizou-se por usar um estilo escorrido e de grande rigor, reflexo da extrema sobriedade com que encarou as coisas da vida.
No livro «Jogos de Azar», compilou um conjunto de contos que havia escrito em épocas diferentes. A ligá-los há um denominador comum: são histórias de gente angustiada com o andamento da vida, de pessoas que atravessam dificuldades e reagem perante isso. Há uma posição firme do autor ao reunir esses textos: a sua preocupação com a miséria e a fome que atravessa o mundo e o olhar indiferente da sociedade. A própria literatura, nota-o José Cardoso Pires, afastou-se do tema. A fome pode ser resolvida pela economia, pelo bom planeamento e a óptima afectação dos meios de produção. A fome já não é uma preocupação social.
O conto «Amanhã, se Deus Quiser» é uma história de esperança num futuro melhor, face a um presente de extremas dificuldades. Tempos difíceis na vida de uma família citadina, onde o desespero marca o compasso dos dias. As mulheres, mãe e filha, costuram para angariar algum pecúlio, os homens, pai e filho, buscam em vão por emprego. A guerra assolava a Europa, inundada pela cruz suástica. A ditadura impedia a livre expressão e havia medo nas palavras, que podiam levar à prisão. A fome instalara-se nos lares, mas o medo da guerra dominava as preocupações: «se a fome é triste, a guerra ainda é pior.»
A dado ponto descreve-se mesmo uma refeição tomada em casa, em que cada qual comia a seu tempo, reflexos dos problemas que a família enfrentava:
«Bem podias esperar pelo pai…»
O gato saltou da floreira de cana para cima da mesa.
“Chta, gato.” A minha mãe afastou-o com um safanão. “Quando o pai vier, vou ter que ouvir… Sabes bem que ele não gosta que coma cada um por sua vez.”
Peguei num carapau, mastiguei-o com espinhas e tudo. Tinha pressa, comia e, sem perder tempo, enchia o púcaro de vinho.
“Tira dos do fundo”, continuava a minha mãe. “Desses maiores. Assim, confesso, nem a comida rende. Agora come o filho, agora come o pai… vida de ciganos, é o que isto me faz lembrar.”»
«Sabores Literários», crónica de Paulo Leitão Batista
leitaobatista@gmail.com
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