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AS SENTENÇAS INQUISITORIAIS – A apreciação das sentenças proferidas pelos tribunais da Inquisição pode ajudar-nos a traçar o panorama da acção do Santo Ofício no concelho do Sabugal.
Recordem-se, no entanto, duas contingências com que confrontavam os réus nesta matéria:
1) o advogado de defesa era escolhido pela própria Inquisição e, em consequência, era mais um denunciante dos indefesos réus;
2) o confisco dos bens dos réus era uma fonte de rendimento fundamental para aquele tribunal, pelo que importaria menos que as penas aplicadas fossem muito violentas, do que a apropriação de bens.
SENTENÇAS | |||||
SENTENÇAS | H | M | AJ | OA | TOTAIS |
Absolvição | 1 | – | – | 1 | 1 |
Admoestação | 1 | 1 | 1 | 1 | 2 |
Cárcere e Hábito | 14 | 26 | 40 | – | 40 | Degredo | 9 | – | 3 | 6 | 9 |
Falecimentos no cárcere | 6 | – | 6 | – | 6 |
Falecimentos no hospital | 1 | – | – | 1 | 1 |
Penitências espirituais | 4 | 3 | 7 | – | 7 |
Perdão Geral | 1 | – | 1 | – | 1 |
Proibição de Ordens | 1 | – | – | 1 | 1 |
Reconciliados | – | 1 | 1 | – | 1 |
Relaxados | 1 | 1 | 2 | – | 2 |
Residência Fixa | 1 | – | 1 | – | 1 |
Segredo | – | 2 | 1 | 1 | 2 |
Soltura | 17 | 15 | 25 | 7 | 32 |
Sentença Desconhecida | 19 | 19 | 29 | 9 | 38 |
No actual estado de investigação não estamos em condições de analisar as sentenças de cerca de um quarto dos processos (38). Para os restantes três quartos de processos, sabemos que há um elevado número (40) de condenações ao cárcere e hábito, as mais das vezes perpétuo, seguido de perto pela sentença de soltura (32). Libertar muitos réus sem condenação a uma pena grave, que poderia ser a de simbólicas penitências espirituais, não se configura muito relevante, porque, entretanto, os seus bens haviam sido confiscados no momento da prisão e, por norma, já não seriam devolvidos, independentemente da sentença proferida.
Mesmo assim, ainda se verifica um número significativo de degredados, as mais das vezes para as inóspitas condições das colónias. Também se registaram 7 falecimentos (6 no cárcere e 1 no hospital) no decorrer dos processos. Isto deve-se, seguramente, às violentíssimas torturas de a que os presos eram sujeitos. Sabe-se que, durante a tortura, havia um médico a observar os réus, não para os proteger da violência e os tratar, mas para que não morressem em plena tortura, mas para que pudessem continuar a ser torturados.
A sentença mais grave era a de relaxados, que condenava os réus a morrer nas fogueiras, ateadas em locais públicos ventosos, atados a um poste alto, para que fossem lentamente consumidos pelas chamas. Geralmente, era perguntado aos condenados à fogueira, já atados ao poste, se preferiam morrer na fé judaica (ou outra não cristã) ou se convertiam, à hora da morte, ao cristianismo. Os que escolhiam a conversão eram garrotados (enforcados) primeiro e queimados depois. Os que não conseguiam abandonar o judaísmo, mesmo nesse terrível momento em que sabiam que iam morrer, eram queimados vivos, sofrendo durante horas, pois os órgãos vitais não eram logo atingidos, perante a população ululante.
Se agruparmos as sentenças em três níveis de dureza, verificamos as penas mais duras são em menor quantidade (18) e as mais leves em maior quantidade (48), ficando as restantes num nível intermédio (40). Para o nível mais duro, juntámos o degredo, o falecimento no hospital ou no cárcere e a sentença de relaxado. Para o nível intermédio, considerámos apenas o cárcere e hábito, que era muito usual nas sentenças, sendo muitas vezes considerado perpétuo e noutras reduzidas a um pequeno período. As restantes sentenças foram consideradas penas leves.
«Na Rota dos Judeus do Sabugal», opinião de Jorge Martins
martinscjorge@gmail.com
Terminou ontem o Ciclo Manuel António Pina, promovido pelo Município da Guarda em homenagem a um dos maiores poetas portugueses da actualidade. Associando-nos à consagração do escritor publicamos dois pequenos textos autobiográficos de Manuel António Pina, onde fala no Sabugal, sua terra de nascimento.
«Uma vida de aventuras
O meu nome é Manuel António Pina. Nasci numa terra com um grande castelo, nas margens de um rio onde, no Verão, passeávamos de barco e nadávamos nus. Chama-se Sabugal e fica na Beira Alta, perto da fronteira com Espanha. Quando era pequeno, olhava para o mapa e pensava que, por um centímetro, tinha nascido em Espanha.
Mais tarde descobri que as fronteiras são linhas inventadas que só existem nos mapas. E que o Mundo é só um e não tem linhas a separar uns países dos outros a não ser dentro da cabeça das pessoas.
A verdade é que, por causa da profissão de meu pai, vivi (depois de ter nascido, antes não me lembro…) em muitas diferentes terras e, por isso, não tenho só uma terra, tenho muitas. Uma delas é o Porto, onde vivi mais tempo do que em qualquer outra, onde nasceram as minhas filhas e onde provavelmente morrerei um dia.
Como fui durante muitos anos jornalista, mais de trinta, viajei um pouco por todo o Mundo, da América ao Japão, da China ao Brasil, da África ao Alaska. E como sou escritor tenho viajado também por dentro de mim mesmo. E por dentro das palavras. Assim, apesar de ter nascido numa terra com um grande castelo, nas margens de um pequeno rio, não pertenço a lugar nenhum, ou pertenço a muitos lugares ao mesmo tempo. Alguns desses lugares só existem na minha imaginação. Porque a imaginação, descobri-o também, é o modo mais fantástico que há de viajar.»
«Nove livros mais um
Em casa de meus pais não havia livros. Ou melhor, havia apenas um ou outro (dois, acho eu) de literatura cor-de-rosa, ou lá que cor é, de Delly, uma Vida sexual de Egas Moniz, um estudo, julgo que (mas não tenho a certeza) também de Egas Moniz sobre Júlio Dinis, uma monografia do Sabugal e mais um ou outro de que já não me lembro, além da Estilística da Língua Portuguesa , de Rodrigues Lapa, que era conhecido de meu pai e lha dedicara e oferecera. Uns mais tarde outros mais cedo, li-os todos, claro, e com particular emoção a Vida Sexual e a Estilística , que ainda devo ter algures por aí, juntamente com a monografia do Sabugal»
plb
Republicano de primeira água e dirigente partidário empenhado nas lutas políticas do seu tempo, Manuel Brito Camacho chegaria, com a implantação da República, a ministro do fomento e alto-comissário em Moçambique. Também se notabilizou como tribuno, sendo considerado um dos mais exímios oradores da Câmara dos Deputados.
Mas este médico e militar de profissão ficaria sobretudo conhecido como jornalista, publicista e escritor. Algumas das suas obras literárias tiveram assinalável êxito, onde se destacam as narrativas e as reflexões políticas. Brito Camacho é porém hoje um escritor esquecido, impiedosamente cilindrado pelo tempo, sendo importante redescobrir a sua notável obra.
O seu livro «Gente Rústica» reúne um conjunto de memórias e de contos, cujo epicentro é o Alentejo, sua amada província de nascimento. O enquadramento é a planura pejada de searas e de sobreiros, onde se dá conta das formas de vida de antigamente, do tempo da infância e juventude do autor. É uma eloquente sucessão de textos que narram a vida do campo, falando nos defeitos e virtudes das pessoas que ali enfrentavam as rudezas de uma existência difícil. A cada página surge a descrição dos variados trabalhos campestres, as formas de divertimento do povo, as tradições, as festas e as romarias.
O livro é também autobiográfico, dando testemunho das experiências de vida do autor, que recorda com enlevo pessoas, imagens e acontecimentos que marcaram a sua juventude. No capítulo com a epígrafe «O Romana», aborda a vida de um criado do seu pai, que adorava andar no trato dos animais, desprezando tudo o mais que lhe surgisse pela frente. Descreve também a festa de S. Romão, em Rio de Moinhos, terra natal do autor, realizada anualmente no campo. Para além do serviço religioso, a romaria incluía arraial, feira de estalo, merenda e uma noite passada ao relento.
Assim descreve Brito Camacho o bródio campestre que a festa proporcionava:
«Estendem-se as toalhas no chão, muito brancas, e cada qual serve-se como pode, um garfo para três e um copo para todos. Na improvisada mesa dos lavradores há geralmente borrego, galinha ou peru e a todos se oferece de comer, umas vezes por mera delicadeza – é servido? –, outras vezes com a insistência de quem deseja que o oferecimento seja aceite.
– Chegue-se para cá, senhor Fulano, e coma alguma coisa. O que há está à vista. É pouco mas é oferecido de boa vontade. Isto em festas…
Poucos comem, mas quase todos bebem, e é de rigor a saúde:
– Pois lá vai pela saúde do sr. Fulano e da mais família.
Melancias vermelhas destacam-se nas toalhas brancas partidas com mestria, por forma que o coração, formando castelo, se ergue no meio das talhadas como uma fortaleza de ameias.
À melancia é que ninguém resiste.
– Isto não enche a barriga. Olhe que é muito boa. Derrete-se na boca como um torrão de açúcar.»
Brito Camacho, escritor hoje arredado dos escaparates e esquecido na história literária, bem merece ser revisitado. Homem de escrita simples e escorreita, pouco afeito a estilos elaborados, descreve genuinamente a vida antiga, reflecte sobre as tradições populares, põe a nu os encantos das paisagens campestres e opina abertamente sobre questões de política e religião.
«Sabores Literários», crónica de Paulo Leitão Batista
leitaobatista@gmail.com
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