Nos últimos meses, alguns órgãos de comunicação social, designadamente regional, trouxeram à liça, a questão sempre recorrente dos ordenados dos políticos. Para gáudio dos que se deleitam em esmiuçar a vida alheia, um dos mais prestigiados jornais regionais escarrapachou nas suas colunas, os valores dos vencimentos dos presidentes de câmara e vereadores da nossa região. Ao percorrer as páginas Web encontramos notícias, chats, blogues, twiters e facebooks, pejados de ideias feitas sobre o tema, traduzindo a inveja que se esconde detrás do típico e mórbido voyeurismo luso.

Temos obrigações de saber que, como estipula a Lei 4/85 de 9 de Abril, a remuneração dos cargos políticos está indexada ao vencimento do Presidente da República (PR), sendo a primeira regra que em nenhum caso se ganhe mais do que ganha o mais alto magistrado da nação.
Ninguém contestará que seja do PR o ordenado mais alto da hierarquia nacional, que é de 7 630 euros, como penso não ser questionável que o Primeiro-Ministro aufira 75% do vencimento do PR, um ministro 65%, os Presidentes de Câmara de Lisboa e Porto 55%, um deputado 50%, e assim sucessivamente. É a mesma lei que estipula que os Presidentes de Câmara da nossa região ganhem entre 40% (3 042 euros) e 50% (3 815 euros) daquele montante, conforme a população do respectivo município, e os vereadores ganhem 80% do respectivo Presidente: como em todas as carreiras, ganha mais quem tem mais responsabilidades. O que se lamenta é que tantos portugueses sobrevivam com um ordenado mínimo miserável. Mas há também políticos que não passam da cepa torta nem do ordenado mínimo, e convém lembrar que os políticos não recebem horas extraordinárias, mesmo que trabalhem sábados, domingos ou feriados.
É popular sublinhar os seus chorudos ordenados, fica bem afinar por esse coro e atear a fogueira do muito que «eles ganham e nada fazem». Esquecemo-nos que são «eles» que carregam os nossos destinos, destinos de um país, de um sector da sociedade ou de um município, pelos quais «nós», fazemos, por vezes, muito pouco.
Habituados a sufrágios eleitorais, mas também aos sufrágios do dia a dia, dos confrontos políticos com as oposições, das fiscalizações ferozes das administrações e do Tribunal Constitucional e ainda do assédio acintoso da comunicação social, os políticos dão de barato a exposição da sua vida na praça pública, o quanto ganham, os bens que possuem, os carros que usam, onde passam férias. A maior parte já se tornaram imunes a tal devassa. Há dias, ao preencher a declaração para o Tribunal Constitucional a que só os políticos estão obrigados, dei-me conta de como a vida do político é vasculhada até ao tutano, desde o ordenado ao chasso que conduz, à horta que possui, passando pelo PPR, pela poupança-habitação, por acções e obrigações, ou por depósitos a prazo, de mil ou de cem mil euros, em que tudo se declara e descreve ao pormenor.
Se alguma classe é objecto de escrutínio em tudo o que faz, é a classe política, mas ganhar dinheiro a sério é com outras classes profissionais!
Perdoem-me a ousadia de mencionar algumas, contra as quais nada me move, referindo-as apenas como bitola de aferição de remunerações em Portugal.
Considerando que os dirigentes políticos ocupam lugares de topo nas respectivas hierarquias, atrevo-me a dizer que, comparativamente a outras profissões e cargos, os políticos até são mal pagos! Bem sei que esta não é a posição normal, é como dizer que o homem mordeu o cão. Normal, é dizer-se que os políticos ganham demais.
Porém, ao fim e ao cabo, qualquer profissão remunera tanto ou mais que a política.
Comecemos pelos professores de quem se diz andarem «desmotivados» por ganharem pouco: um titular do 3.º escalão aufere 3.091,82 euros, um pouco mais que o Presidente da Câmara do Sabugal. Não falamos do que ganha um Director de agrupamento.
Um médico, chefe de serviço em exclusividade, ganha 4.170,62, mas se fizer 42 horas em vez de 35, ganhará 5. 505,22, um pouco mais do que o vencimento base de um ministro. Curiosamente, os médicos estão a debandar do Sistema Nacional de Saúde porque ganham pouco, comparando com a «privada» que paga 4 vezes mais!
Já agora, diga-se que as chefias militares auferem 4.651,44 euros mensais, em situação de guerra ou de paz, preferindo todos que seja em situação de paz.
Como se sabe, a maior parte dos cargos políticos são incompatíveis com outras funções remuneradas, coisa que não acontece na maior parte das restantes profissões.
Até aqui tudo bem. E nem me parece estranho que se critique o ordenado dos políticos, é normal, é corriqueiro! O que não é normal é uma sociedade que aceita pagar por certos cargos, 5, 6 ou 10 vezes acima do que ganha o PR.
Veja-se, por exemplo, os «modestos? 24 939,89 euros que ganhava em 2004 o Presidente da Caixa Geral de Depósitos! Ou os 16 344,42 euros dos Presidentes da Autoridade da Concorrência, da CMVM, da ERSE e da Anacom, um pouco mais do que ganha um Director Clínico de Hospital como o de Bragança, 15 469,95 euros.
Um pouco menos ganha o Presidente das Águas de Portugal, que recebia na mesma altura 9 478 euros mensais, sempre acima do PR.
Na TAP também há bons ordenados, pelo menos para os pilotos que ganham em média 8 600 euros, porém nada comparável ao vencimento dos respectivos administradores, cujo presidente ganha acima dos 90 000 euros mensais, quase 12 vezes mais que o Chefe do Estado. E ainda só falamos do estado ou de empresas públicas.
Não estranhamos por isso os 62 214 euros que ganhavam em média os administradores das empresas privadas do PSI 20, EDP, PT, Sonae, Bancos, etc. Muito menos se estranha que os craques da gestão, os Paulo Macedos, fujam da política para as empresas, públicas ou privadas, onde se ganha bem melhor e com menos aborrecimentos. Para a política vai quem não consegue coisa melhor!
Pois é, mas há políticos que vão parar às grandes empresas, depois do trampolim da política, dirão. É verdade, mas não se houve uma palavra sobre esse escabroso tipo de ordenados, que dariam para nivelar por cima a massa salarial nacional, digo eu.
Aos políticos é que atiramos pedras, é a eles que apontamos o dedo: oposição entre o «nós» e o «eles», quando «eles», que são objecto da nossa escolha, deveriam merecer a nossa confiança, ser os nossos ídolos, pois nas suas mãos está parte do nosso destino.
Tenho que reconhecer, no entanto, que os políticos merecem as pedradas e o nosso dedo em riste: se «eles» quisessem podiam alterar tudo isto, para bem de todos «nós».
E «nós» queremos?
«Terras do Lince», opinião de António Cabanas
kabanasa@sapo.pt
10 comentários
Comments feed for this article
Sábado, 9 Janeiro, 2010 às 5:49
joao valente
Post corajoso! Mas tem algumas incorrecções nos valores de algumas classes, nomeadamente dos professores, que no 3.º escalão, obviamente não ganham três mil e tal euros. Contudo, tal não retira verdade ao post.
Sábado, 9 Janeiro, 2010 às 15:04
António Cabanas
Caro João Valente,
o valor mencionado é referente ao topo da carreira de professor titular, no 3.º escalão, antigo 10.º, e vem na Tabela das remunerações líquidas dos docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário (ano de 2009)
(De acordo com as tabelas anexas ao Despacho n.º 2563/2009, publicado no DR de 20/01/2009, e com o Anexo I ao Ofício Circular n.º 2/GGF/2009 do Gabinete de Gestão Financeira do Ministério da Educação)
Que poderá ser consultado no site:
http://www.spn.pt/Download/SPN/SM_Doc/Mid_115/Doc_770/Anexos/vencimentos_nao_superior_2009.pdf
Aproveito para o felicitar pelos seus excelente artigos que muito aprecio e desejar-lhe também um Bom Ano de 2010
António Cabanas
Sábado, 9 Janeiro, 2010 às 13:39
Manuel Russo
Eu diria (o mau sistema politico) eles é que fazem e desfazem.
O sistema e as leis estão erradas e os salários estão mal divididos.
Europa Sim, mas com igualdades, hoje temos o euro (moeda) mais nada.
Quanto ao resto há muitas diferenças de um país para outro.
Sábado, 9 Janeiro, 2010 às 14:37
Luís Pires
Parabéns!
Sou do Sabugal e não tenho o prazer de o conhecer pessoalmente mas admiro a sua frontalidade enquanto cidadão e autarca.
Sou seu leitor e subscrevo tudo o que tem escrito nos seus textos.
Sorte dos penamacorenses que têm um autarca com o seu dinamismo e frontalidade. Sinto que falta um Cabanas nos concelhos do distrito da Guarda.
Cá fico a aguardar o próximo sábado.
Segunda-feira, 11 Janeiro, 2010 às 10:58
am
Pois eu sou professor profissionalizado (licenciado e mestre pela Universidade de Coimbra), com 15 anos de serviço e recebo cerca de 900 euros por mês quando tenho a sorte de ser colocado. Os professores não podem ser colocados todos no mesmo saco, pois, como em tudo, há os barões e as boronesas (esses sim, que recebem 3000 euros e pouco fazem) e os outros que são usados para realizar tarefas que a esses não lhes interessa, andando continuamente, ano após ano de forma precária…
Sábado, 9 Janeiro, 2010 às 18:12
BB
Além disso é escritor.
Também gosto deste cavalheiro.
Sábado, 9 Janeiro, 2010 às 18:19
João Duarte
O que é um professor titular, que treta é essa, inventada pelo ME?
Ainda bem que já acabou esta divisão artificial de carreira. Eu sou professor, estou desmotivado , mas é pela lei dos Concursos ordinários que o Ministério da Educação fez, dos quais um dos principais responsáveis foi um senhor do concelho de Penamacor, de seu nome Valter Lemos. Ele que lhe explique como é possível um professor, com 20 anos de carreira ser colocado a 120 e tal quilómetros de casa ( e por quatro anos). E ser colocado em Julho e outros menos graduados do que ele serem colocados em Agosto , muito mais perto da sua residência, naquelas que eram as prioridades do tal que foi para longe. Contraditório? Não… Eu sei bem o que escrevo. Que eu saiba, um GNR ou PSP (ou qualquer outro funcionário público), com 20 anos de carreira tende a aproximar-se do local da sua residência. Com as leis do senhor Lemos , não. O professor (no meu caso, pelo menos) quanto mais tempo tem de carreira, mais longe é colocado. Nunca me queixei do meu ordenado, mas sim de leis deste calibre.
Sábado, 9 Janeiro, 2010 às 18:51
AC
Como sabugalense gostaria apenas de lhe dizer que comungo de todas as suas ideias. Quando estiver farto da política em Penamacor, por favor venha para o Sabugal porque faz cá falta e garanto-lhe que mesmo como colaborador deste blogue tem dado um bom contributo.
Parabéns pela frontalidade e clareza.
Já agora, altura em que se anda a debater os possíveis aumentos do preço da água e até a possibilidade de saída de alguns municípios das Águas do Zêzere e Côa, por acaso não tem por aí à mão os valores dos vencimentos dos Administradores dessa empresa que afinal é de todos nós?
Domingo, 10 Janeiro, 2010 às 21:07
António Moura
Depois dos ordenados líquidos, bem gostaria eu de ler um artigo do meu amigo Cabanas sobre as mordomias que se auferem nos diferentes cargos (públicos e privados) neste país. Aí talvez a coisa seja um pouco mais difícil de aferir, como sabemos, certos ordenados são apenas gotas de água nos rios de benesses que os seus titulares auferem, e a comparação poderia ser ainda mais esclarecedora sobre as já enormes desigualdades de nível de vida entre os Portugueses.
Segunda-feira, 11 Janeiro, 2010 às 13:10
Meliço
Eu não sei se o senhor António Cabanas éxerce algum cargo politico e se é por vocação ou por outra razão qualquer, mas como em todas as profissões, existem bons e maus profissionais.
Para a politica só vai quém quer e pelo que temos assistido em todas as eleições, infelizmente, a ” guerra ” para ocupar os lugares é sempre muito grande e estou a falar mesmo a nivel das Aldeias e Concelhos.
Os vencimentos de todos os profissionais deveriam ser de acordo com a productividade e não apenas pelos titulos ou outras razões qualqueres.
Desde o 25 de Abril, qum é que foi a classe mais beneficiada?
Porque é que a classe politica está cada vez a perder mais credibilidade?
Não lemos todos os dias as vergonhas com os deputados na propria Assembleia.
Não é verdade que quém nomeia os administradores publicos são os politicos e as ” alcavalas ” além dos ordenados.
Para conclusão, um ordenado de 500€ pode ser muito e um de 15000€ pode ser pouco, depende da rentabilidade de cada um e isto também se aplica aos Politicos estejam eles em que funções estiverem.
Por favor não vamos voltar ao Sr. Almeida Santos e por os Deputados a pedir na rua…..