Capeia Arraiana também está em Cabo Verde, e foi à praia do Tarrafal, na ilha de Santiago, onde pequenos barcos de pesca artesanal se alinham no areal, enquanto outros chegam, trazendo o produto da safra. Um dos barcos ostenta na proa a silhueta do revolucionário Che, numa espécie de esconjuro à memória do tempo em que esta terra ficou tristemente ligada à opressão salazarista.
Tarrafal, pequena vila do norte da ilha de Santiago, em Cabo Verde, está implantada numa zona de especial beleza natural. De trás tem as montanhas da serra da Malagueta, de onde vem a velha estrada empedrada que segue aos bordos encosta a baixo. Em frente tem o mar, cujas águas serenas se acolhem numa bela enseada, que contém um areal e um pequeno porto de abrigo.
Quando se pronuncia a palavra Tarrafal, o imaginário leva-nos à colónia penal, ou campo de concentração, que ali foi implantado nos anos 30 do século XX para albergar os homens que cometeram o crime de lutarem pela liberdade. Mas o Tarrafal é uma terra acolhedora, habitada por gente humilde e lutadora, que dá pequenos mas seguros passos nas vias do desenvolvimento, apostando sobretudo nas potencialidades que lhe oferece a bela praia.
O povo da terra vive muito da pesca e aventura-se ao mar em pequenos barcos de madeira, para lançar as redes e capturar o peixe que depois é vendido junto à praia. Esses barcos alinham-se no areal e, à vez, cada qual com a sua tripulação, vão saindo para a safra.
Um dos pequenos barcos chama-se Che, em homenagem ao mítico guerrilheiro argentino que a revolução cubana imortalizou. Lá está, na proa do barco, a silhueta estilizada do herói, com a barba, os longos cabelos revoltos e a boina basca com a simbólica estrela da revolução. Ao lado a palavra CHE escrita a tinta preta sobre um fundo branco, sublinhada por uma grossa lista vermelha.
Quando o «Che» vai ao mar transporta meia dúzia de pescadores vestidos com as suas roupas largas e garridas, levando com eles as redes do ofício. Por lá anda várias horas, ao largo das encostas rochosas da ilha, procurando encher as redes de peixe, que é o único sustento de muitas famílias.
A chegada do «Che» e dos demais barcos é um momento de forte agitação. Mulheres de longas saias e de graciosos lenços na cabeça e crianças em troco nu, rodeiam a embarcação e ajudam os pescadores a arrastá-la pelo areal. Alguns cães juntam-se à festa, farejando. Também os turistas vêm, curiosos, à babugem. Quando a safra é boa o fundo da embarcação vem pejado de peixes de variadas espécies e tamanhos e as mulheres mergulham as mãos e a cabeça no barco, munidas de alguidares de plástico, para onde vão colocando o peixe que escolhem para comprar e depois vender. Pelo meio os homens vão retirando as redes da embarcação para a estenderem e de novo enrolarem para nova saída.
A pesca é a forma de vida de muitos caboverdianos do Tarrafal que com o «Che» e outros barcos vão capturando saboroso peixe que depois se come nos restaurantes da localidade: garoupa, chicharro, dobrada, bica, pargo.
plb
1 comentário
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Sexta-feira, 20 Março, 2009 às 10:05
joao valente
Paulo,
Estava a ver que não seguia a minha sugestão da pesca… (tinha razão ou não?)
Aqui lhe deixo um poema que escrevi em tempos sobre um desses Cabo-Verdianos, que também foi pescador (aí, quem não tem meio de subsistência, pesca!):
” A Vida Rsumida de Zé Lopes, Cabo-Verdiano contratado de S. Tomé”
Assinamo contrato
E apanhamo vapô
Di Cabo Vérde
Para Sum Tomé,
Mã, irmão, eu
E no alto mar
-Eu com nove…
Irmão mais nove-
A febre tomou mã…
Mã se morreu
Eu não deu conta…
Barco parou
No alto mar,
Noite di bréu,
Caixão cum ferro
Ao fundo
Di mar
E vapô apitou…
Três vezes vapô apitou.
Nós seguiu viage
-Eu com nove…
Irmão mais nove-
E quando desembarcámo
Todo bem vistido,
Ouviu prêto di tanga dizer:
-Olha portuga!
Mas num eramo portuga
E trabalhamo na roça,
Quatro ano siguido,
Irmão e eu,
Apanhando cacau,
Catando casca di canela
Debaixo di chicote,
E quem parava
Cavava sua cova
E morria,
Morria duas vezes,
Muita gente morreu,
Depois veio Governadô Gorgulho
Que matou muita gente
E voltámo a Cabo Vérde
Irmão e eu,
E irmão disse:
-Vamo vivê junto di mar
E nós apanhou muito peixe…
Nós engordou…
Casou…
Teve filho,
Depois di uns ano
Voltou a Sum Tomé
E de avião a Portugal
E quando chegou
Capataz Carlos
Não quiz contratar
E dizer para amigo:
Eu ser piquinino
Não prestar!
E amigo responder:
-Ele ser piquinino
Mas rijo…
Contrata ele!
Ele contratou
E eu trabalhou
Uma semana sem parar
E ao fim capataz chamar:
-Vou aumentar você,
mas não diga a ninguém…
E quando recebeu féria
Preto grande reparou:
-Tu ganhar mais que eu..
E eu respondeu:
-Vai falar cum patrão
Ele se enganar…
Sorte minha!
E vida correr bem
Nós trabalhou muito
E mandou vir mulher
Di Cabo Vérde
Mais os filho,
Sete filho…
Todo di cara diferente…
Todo di vizinho
-que eu ter grandi chifre!-
Mas encheu casa
Cum aquela filharada
E foi muito feliz!