You are currently browsing the daily archive for Quarta-feira, 11 Fevereiro, 2009.
Nas aldeias arraianas de antigamente o Entrudo era tempo de folguedo e reinação. Os povos divertiam-se e comiam à tripa forra, pois a seguir vinha o tempo Quaresmal, marcado pelo recolhimento e pela austeridade.
O severo ambiente aldeão era transformado nestes dias do Entrudo, em que o costume mandava «abocanhar» aqueles que durante os últimos tempos tinham vivido situações susceptíveis de serem caricaturadas. A este costume antiquíssimo chamavam «chorar o Entrudo» e era normalmente protagonizado pelos jovens da ronda.
A coberto do escuro o falar alto dos moços cortava o silêncio da noite, com ditos mordazes a roçar o indecoro, que ridicularizavam algumas pessoas previamente escolhidas. Estes ditos que também eram chamados de entrudadas ou choradeiras, deixavam muito envergonhados, quando não enraivecidos, os seus destinatários, pondo porém a bom rir a maior parte da gente.
Outro costume antigo, que o tempo há muito levou, eram as cacadas, bogalhadas ou paneladas. Grupos de jovens, transportando um cântaro velho cheio de cacos e bogalhas dos carvalhos, procuravam casas cujos habitantes estivessem distraídos, de volta do lume. Então abriam as portas e mandavam de rompante com o cântaro, produzindo o efeito de uma bomba e assim assustando as pessoas.
Nalgumas aldeias os jovens divertiam-se com o julgamento do galo. Um grupo de foliões simulava uma audiência em que o réu era um galo. O escrivão lia o terrível libelo em que o Senhor Dom Cantante era acusado de várias faltas, referindo-se jocosamente a várias pessoas da comunidade. Depois o galo acaba invariavelmente condenado à morte. Antes de ser executado eram relatados os haveres que o condenado deixava a este ou àquela da aldeia, ridicularizando os visados.
Também havia as alforjadas, antecedente dos desfiles carnavalescos do tempo actual. Alguns foliões vestiam-se com roupas velhas e rotas, assim percorrendo as ruas, por vezes montados em burras devidamente ajaezadas. Enquanto percorriam as ruas diziam pulhas, procurando ridicularizar algumas pessoas.
Entretanto os tempos mudaram. Com a influência do Carnaval carioca, que se tornou referência universal, chegaram os desfiles carnavalescos, ou os corsos. Se é verdade que pelas nossas terras nunca tiveram forte implementação, o certo é que se tornaram na manifestação que vai acontecendo um pouco por todo o país, em detrimento do Entrudo antigo, que ficou esquecido. A bem dizer só a cidade da Guarda pega na tradição e realiza regularmente uma recriação do jocoso julgamento do Galo através de um curioso desfile que percorre as ruas da cidade.
Entre nós apenas a freguesia raiana de Aldeia do Bispo, mantém uma festividade com reminiscências no espírito do velho Entrudo. Em três dias recriam-se algumas manifestações antigas, como o roubar dos carros de vacas e de burros, os jogos tradicionais, o aguiguiar dos moços da ronda e até a degustação do bucho e do caldo das baginas secas.
Paulo Leitão Batista
Enquanto trabalho, costumo assistir ao programa «Praça Pública», que dá todos todas as manhãs na SIC Notícias e que invariavelmente é o desfiar de um rosário de desabafos e frustrações dos telespectadores contra os políticos em geral e o governo em particular.
I – Um destes dias, o tema era o preço especulativo dos combustíveis, em contra ciclo com a descida do crude. A generalidade dos telespectadores manifestou o seu desagrado, protestou com a ineficácia da autoridade da concorrência, chamaram aldrabões e ladrões aos políticos, chegando um deles, a reclamar inclusive, que tinha de haver uma nova revolução para «pôr isto na ordem».
Depois as notícias trouxeram-me à realidade: Recente sondagem, concluía que o governo se mantinha na fasquia dos 40 por cento das intenções de voto; a oposição na mesma, exceptuando uma insignificante subida do Bloco de Esquerda.
Pelos vistos, neste cantinho à beira-mar plantado, os nativos só têm conversa. Quando toca a agir, «tudo fica na mesma, como a lesma!
II – Um agrupamento aqui das redondezas e com cerca de 120 professores, nas recentes manifestações e greves registou uma adesão de cerca de 90 por cento.
Há dias, soube que, convocando-se os docentes para votarem a moção de suspensão da avaliação, no que precisavam do voto favorável de dois terços dos docentes, de 120, compareceram cerca de 60 professores; desses, 40 abstiveram-se; e os restantes 20 votaram a favor, pelo que a moção não passou.
Os mesmos professores que recentemente se manifestaram e fizeram greves maciças contra a avaliação, não se pronunciaram, ou abstiveram-se depois!
Infelizmente há por aí muita gente assim; são trutas mariscadas… Nem truta, nem marisco. Uma pouco de cada coisa… E nada de coisa nenhuma!
III – Há dias, cruzei-me, na paragem da rodoviária, com um meu antigo aluno de economia. «Ia de trouxa aviada», disse-me ele, «para a Suíça, onde tinha uns primos». E Perguntando-lhe se aos trinta e um anos não seria tarde para emigrar, veio a resposta pronta:
– E aqui, s’tor, que futuro há?
Epílogo – Ao almoço, contou-me a minha filha mais velha, que a irmã de uma colega foi para a Suécia num programa de intercâmbio, por dois anos. Comentou ainda, que a tal irmã da colega ficou numa família de acolhimento, mas o governo sueco impôs um quarto com casa de banho privativa e outros requisitos há referida família; depois, deram-lhe a escolher entre três empregos em part-time, para completar a bolsa. Breve silêncio. Perguntou-me:
– Quando acabar o liceu, posso ir também para um desses países?
Argumentei com as inevitáveis saudades; que me custaria muito a separação, ainda que temporária. Aí, ela rematou:
– E que futuro há aqui, pai?
Então lembrei-me do programa da SIC Notícias, do meu ex-aluno de mala aviada para a Suíça, da cobardia dos professores do tal agrupamento, e já não tive coragem para contra argumentar!
E pensei: Como pudemos nós deixar que isto chegasse a este ponto?
«Arroz com Todos», opinião de João Valente
joaovalenteadvogado@gmail.com
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