A rematar os artigos sobre a mantança, e correspondendo a estímulos que nos foram chegando, elencamos um conjunto de expressões populares ligadas à criação do porco, à matança e à preparação das peças gastronómicas que dali se aproveitam.
ARGANEL – arame que se coloca no focinho dos porcos para que não revolvam a palha da cama. Também se diz prego.
ASSADURA – lombo de porco que vai a assar na brasa. Mais a sul (em Monsanto) designa o pedaço de carne que se dá de presente por ocasião da matança.
BÁCORO – porco pequeno; leitão. Também se usam as corruptelas bácro e báquero. Também se diz berrelho, reco, rengo.
BANCO DE MATAR – robusta base de madeira, com quatro pés, onde o porco é deitado para ser morto.
BANHA – gordura; cada uma das cavidades abdominais do porco.
BARBELADA – carne da parte de baixo do focinho do porco, da barbela.
BARRASCO – porco de cobrição.
BOFES – pulmões do porco, fessura. Também se diz boches – «Mostra coração e há-de ter bofes» (Nuno de Montemor).
BOLETA – bolota ou lande, fruto do carvalho e da carrasqueira, usada para a ceva dos porcos. Nalgumas terras raianas dizem beleta.
BUCHO – Peça do enchido, feita à base de carne, ossos, rabo, orelha e outras partes do porco, que tradicionalmente é comido no Domingo Gordo. É feito a partir do enchimento da bexiga ou do estômago (bucho) do próprio porco.
BURZIGADA – cozinhado dos dias de matança feito com sangue cozido e pão, regado com gordura do redanho derretida (adubo). Também se diz borgigada.
CABEÇADA – a cabeça e a papeira do porco.
CALUVA – carne da cabeça e do pescoço do porco. Mais a sul (Penamacor) usa-se a expressão calubra.
CARCHAIS – ossos da cabeça do porco (Fóios).
CARRILHEIRA – maxilares do porco depois de limpos, isto é, arrebanhados da carne. Era guardada na tarimba ou no caniço e servia para curas: se havia inchaço em homem ou em animal barrava-se com a sua medula.
CASCABULHO – grande quantidade de cascas de fruta e de batatas, que se dão de vianda aos porcos. Também se diz retassos.
CEVA – acto de alimentar o porco, preparando-o para a mantança.
CHAMBARIL – pau curvo com recravas nas extremidades, que se enfiam nos jarretes do porco da matança, para o dependurar. Também se diz chambril.
CHAMUSCA – acto de queimar os cabelos do porco na matança.
CHELPA – gordura de banha de porco. O mesmo que unto ou untura.
CHICHORRO – torresmo. Também se diz chicharrão ou chichorrão e ainda torrezno ou churro (do castelhano).
CORAGEM – pedaço de sangue coalhado que ficou na barranha que apulou o sangue na matança – «A apular o sangue vai uma mulher experiente, que tem de saber bem tirar as coragens» (Maria José Bernardo Ricárdio Costa – Aldeia do Bispo).
CORTELHO (ou CORTELHA) – local onde se recolhe o porco. Também se diz pocilga, chiqueiro, cocho. Na Beira Baixa dizem furda, chafurda ou furdão.
DESMANCHA – acto de desmanchar o porco, um ou dois dias após a matança, quando a carne já assentou. Também se diz desmaranha (Rapoula do Côa)
EMBIGALHO (ou UMBIGALHO) – parte da carne à volta do umbigo que após a matança era assada e comida na adega. Nas terras do Campo (Penamacor, Monsanto) usam o termo tempereiro.
ESBANDULHAR – acto de abrir o porco e extrair-lhe as tripas (bandulho) logo após a matança.
FACEIRA – carne do focinho do porco. Também se diz focinheira.
FARINHEIRA – peça do enchido, feita com gordura derretida amassada com pão e farinha, condimentada com alho, cebola, louro e sal. Também se diz farinhata.
GRUNFANTE – porco na gíria quadrazenha. A mesma gíria, que sobretudo pretendia iludir os Guarda Fiscais aquando do exercício do contrabando, tinha outros termos com o mesmo significado: gringo, grunhato, grunho, vista-baixa.
JANETE – tendão da pata do porco, onde se enfia o chambaril para o dependurar. Também se diz jarrete.
LACÃO – perna de porco; pernil.
LAGARTO – cada um dos dois lombinhos do porco. Também se diz lombilho.
LUMIEIRA (ou ALUMIEIRA) – mão-cheia de palha que se acende para chamuscar o porco.
MARRÃ – porca, marrana.
MARRANADA – manada de porcos, vara. Também se diz porcada.
MARRANO – porco. Para designação do porco usam-se variadíssimos termos: berrão, cerdo (do castelhano), cevado, cochino, gorrilho, gorrino, chico, corricho, focinhudo («triste vivia a família que não criava, pelo menos, um focinhudo por ano» – Francisco Carreira Tomé), gorrinato.
MASSEIRÃO – pia de madeira onde comem os porcos. Também se diz seirão e conco (Batocas).
MATACHIM – homem que mata e abre os porcos.
MOLEJA – gordura das tripas do porco, da qual se fazem torresmos. Também se diz molareja.
PALAIO – peça do enchido, constituído pelo cego (apêndice) do porco com febras de ossos. Também se diz paio. Em Sortelha diz-se palagaio.
PASSARINHA – pâncreas, ou baço, do porco. Nas matanças, a passarinha assada era petisco para as crianças. Nalgumas terras dizem passarilha.
PIA – recipiente de pedra para deitar comida aos porcos.
PROVA – primeiro petisco da matança; amostra da massa dos enchidos, que é confeccionada numa sertã para verificar os temperos.
REDANHO (ou REDENHO) – rede de gordura que envolve os intestinos do porco, de onde se fazem os torresmos mais apreciados. Também se diz ordenho.
SANGRADEIRA – faca de lâmina comprida e com dois gumes, que se utiliza na matança do porco. Também se lhe chama cochilho (do castelhano).
SOVENTRE – parte da barriga do porco, entre os mamilos, que se corta de alto a baixo no dia matança para cozer na panela.
SOVINA – peça do formato do chambaril, mas pequena, que serve para atar o bucho, normalmente feita com pau de buxo.
SUÃ – coluna vertebral do porco. A carne dos ossos da suã é petisco muito apreciado e come-se cozida.
TALHADOR – tabuleiro de madeira com um pau cilíndrico ao centro, que serve para cortar a carne de porco para o enchido.
TORNILHÃO – pé de porco (Aldeia da Ponte).
VIANDA – refeição do porco, que consiste em água de lavagens com verduras e farelo.
Paulo Leitão Batista
11 comentários
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Quarta-feira, 28 Janeiro, 2009 às 19:39
Kim Tomé
maravilha 🙂
bom post !!!
é esta cultura não edificada que existe nesta terra que se está a perder.
são pequenas coisas como este post que a estimulam e divulgam.
🙂
Quinta-feira, 29 Janeiro, 2009 às 11:13
Manuel Rei Barros
E o “Pixalho”?
Quinta-feira, 29 Janeiro, 2009 às 12:42
António Moura
É curioso como não consegui ver nenhum termo que indicia-se a existência do porco negro da nossa tradição, este porco branco caiu aqui de para quedas vindo do norte da Europa, tal como a vaca leiteira preta e branca que hoje conhecemos.
Mas claro que numa terra onde a fome e a miséria grassavam, os animais mais produtivos introduzidos na agricultura facilmente se disseminaram. Parece que o estômago obrava a tradição. Mas hoje, devido a uma espécie de busca “sebastianística” pela tradição, por parte de populações (urbano depressivas) há muito desenraizadas do mundo rural, parecem querer impor um modelo do qual fugiram. Será que este não é um novo sinal de miséria?
A desertificação desta zona não será apenas um mecanismo de regulação natural entre a energia produzida e a energia consumida? A população não seria demasiado elevada? As pessoas não teriam demasiados filhos, como costumam ter nos meios pobres? A mim pessoalmente não de preocupa a desertificação, preocupa-me apenas a qualidade de vida dos que cá vivem, e do ponto de equilíbrio entre aquilo que produzem e aquilo que consomem.
Quinta-feira, 29 Janeiro, 2009 às 15:58
agostinho da silva
uma “coisa” ligada à matança….
morcela do banco
Passo a descrever, embora não deva fazer parte do léxico, por ser PORCA hreheheheh
a morcela do banco era o resultado da limpeza que se fazia com um ferrolho de palha ao “dito cú” do animal…
esta era uma piada para visitantes que ignorassem o tema.
Quinta-feira, 29 Janeiro, 2009 às 16:00
agostinho da silva
Panco (esta é à séria) era a bebida que se tinha que dar aos homens que limpavam e raspavam o porco, antes de o virar (para limpar do outro lado)
Quinta-feira, 29 Janeiro, 2009 às 16:03
agostinho da silva
Torresmo (tais a ver o que é) no jarmelo, era de várias partes, uns mais gordos outros mais magros conforme os gostos.
Quinta-feira, 29 Janeiro, 2009 às 16:05
agostinho da silva
Miolos (prato, refeição) sabereis como é confeccionado, eu não tenho a certeza
Quinta-feira, 29 Janeiro, 2009 às 16:07
agostinho da silva
Barranha – recipiente para onde se reolhia o sangue da matança, geralmente era também logo ali preparada a “massa” para as morcelas
Quinta-feira, 29 Janeiro, 2009 às 16:09
agostinho da silva
outro nome pró porco: quiá (na zona de Videmonte)
Quinta-feira, 29 Janeiro, 2009 às 16:11
agostinho da silva
Pião – nome dado à pia de madeira comprida, para alimentar os porquinhos pequenos (jarmelo)
Quinta-feira, 29 Janeiro, 2009 às 22:06
Kim Tomé
António Moura bom ponto de vista 🙂
eu sou o típico “urbano depressivo” que decidiu vir cá para a pseudo paz do interior deprimido e em vias de desertificação.
Adoro as tradições boas abomino as más, mas até este conceito de bom e mau é relativo.
Enfim… fico-me pelo urbano depressivo que veio tentar contribuir com algo para esta terra 🙂
P.S. – eu sei é que é tãooooo bom o convívio e os petiscos de uma matança.