A própria selecção nacional, que brilhou em 1966, no Mundial de Inglaterra, era constituída com base nos jogadores benfiquistas. Por esta altura, o Benfica era Portugal e para tal «identificação» muito contribuiu a propaganda salazarista.

José GuilhermeMas disso não teve culpa o Benfica, que se transformava cada vez mais no clube da maioria dos portugueses. Se o período hegemonico do Sporting dos «Cinco Violinos» tivesse tido uma dimensão internacional, o que não sucedeu porque as provas europeias apenas se iniciaram num periodo posterior, talvez os «leões» pudessem concorrer hoje em popularidade com as «águias»…
Mas mesmo este raciocínio hipotético cai por terra se tivermos em conta as origens sociais dos dois clubes…
Referimos antes que o Benfica foi «beneficiado» pela propaganda do Estado Novo no sentido da identificação clube-nação, mas é igualmente verdade que, talvez devido ao seu carácter genuinamente popular, o grémio da «águia» deu grande lições de democracia ao longo destes conturbado anos das décadas de 60 e 70, assumindo-se como um dos únicos palcos de verdadeira democracia em Portugal, realizando eleições e assembleias-gerais livres e extremamente concorridas.
Além disso, a grandeza do clube era tal que nunca viveu demasido dependente de um só homem. Teve presidentes carismáticos e importantes – como Joaquim Bugalho, Maurício Vieira de Brito, Borges Coutinho, Fernando Martins – e mentores cruciais para o crescimento da agremiação, como Cosme Damião e Ribeiro dos Reis, mas no caso do Benfica a ideia de que se «os homens passam e o clube fica» foi, quase sempre, uma realidade.
Clube popular e nacional, o Benfica dos «seis milhões de adeptos» (nas palavras de João Vieira Pinto) é o mais bem sucedido dos clubes portugueses de futebol, quer no plano interno quer no externo. O seu palmarés no século xx é verdadeiramente impressionante: 30 títulos de campeão nacional (durante muito tempo, este número foi superior ao total de títulos conquistados por todos os rivais juntos) e 13 Taças de Portugal, só para referir os mais importantes. No plano internacional, o Benfica conquistou 2 Taças dos Campeões Europeus, além de ter marcado presença em mais 5 finais desta competição, a que se junta outra final perdida na Taça UEFA. Nos dias que correm, apesar de uma fase menos vitoriosa, os «encarnados» ainda mantém um admirável quarto lugar no ranking geral de todas as competições europeias.
Naturalmente, o sucesso chama adeptos, e o Benfica tem uma história plena de glórias, de tardes e noites mágicas – principalmente nas décadas de 60 e 70, nas quais ganhou tudo o que havia para ganhar, e muitas vezes. Hoje, continua a tirar os dividendos desses anos absolutamente brilhantes. No estrangeiro, o Benfica é conhecido como um dos mais importantes simbolos de Portugal, a par do seu mais emblematico jogador, Eusébio. Nas comunidades de emigrantes portugueses, o clube continua a ser uma das mais importantes formas de ligação às raizes.
Talvez por isso, apesar dos momentos desportivos menos felizes vividos pelo Benfica no final do século XX, correspondendo ao maior periodo de abstinência de vitórias na história do clube (nenhum título nacional entre 1994 e o final da década) e à hegemonia nacional do rival FC Porto. Ainda se afirma com orgulho entre os adeptos do clube que «quem não é benfiquista não é bom chefe de família». Não é difícil perceber o que significa tal frase: quem é verdadeiramente homem e português, é do Benfica. É tal o poder da grande nação «encarnada».

Os símbolos da identidade…
Eusébio, o Estádio da Luz e a «águia». Estes são, não obrigatoriamente por esta ordem, os grandes símbolos benfiquistas. O primeiro merece uma estátua no segundo, onde se encontra também uma reprodução gigante da terceira. Eusébio é reconhecidamente o melhor jogador português de todos os tempos, tendo estado presente, e sido perfeitamente decisivo, nos grandes sucessos benfiquistas dos anos 60 e 70. O Estádio da Luz é o «ninho da águia», construção monumental que já foi capaz de albergar cerca de 120 000 pessoas, que o tornaram num dos maiores estádios do mundo, a «casa» adequada para o estatuto do seu dono. Finalmente, a «águia» representa, desde o início do SLB, o voo alto e amplo, algo que sempre caracterizou a vida do mais histórico clube português.
Extracto de «A Paixão do Povo – História do Futebol em Portugal», de João Nuno Coelho e Francisco Pinheiro (2002).
«Futebol – A Paixão do Povo», opinião de José Guilherme

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